sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Memórias do tempo


(Estrada 109 - localidade Ponte da Pedra)

Aconteceu naquela tarde de Agosto. O tempo estava a mudar. Algumas gotas  de chuva anunciavam a mudança. O Verão ia ser duramente ferido na sua beleza. O calor e o azul dos dias tornava-se agora cinzento, húmido e muito desagradável.
Mesmo assim, apesar de toda a mudança, decidimos sair. Hoje é Domingo, é dia de descanso.
- Vamos dar uma volta, beber um café, arejar as ideias... Sei lá...Vamos por aí...

Parámos aqui perto. Depois fiquei a olhar para o que sobrou daquela casa em frente. Tirei a máquina fotográfica e fiz um clic.
Aquelas ruínas mexeram comigo.
Muitas vezes olhei e não vi nada, mas hoje foi diferente.
Parece que habituámos o nosso olhar a uma rotina. Depois  não conseguimos ver mais do que uma imagem repetida.

Conheci esta casa ainda com vida. Chegou a ser «Uma casa de pasto» Taverna. Agora restam algumas paredes.
Todos os meses no dia 26, era dia de Feira. Eram dias de grande movimento. Na taverna não havia mãos a medir. Aviavam-se copos de vinho ou um traçadinho, uma ginja, uma aguardente ou outra bebida a gosto.
Algumas vezes acompanhavam as bebidas com bolos secos ou com passas de figos maduros. Faziam cama para a bebida e ao mesmo tempo selavam um negócio. A compra de uma junta de bois ou de outros animais. 

Ao longo da estrada 109 havia tendas de roupa e toda a sorte de louça de barro. Viam-se ainda as panelas de ferro e todas as ferramentas para os trabalhos agrícolas encostadas aos muros ou distribuídas ao longo dos passeios. 

As mulheres das Aldeias vizinhas alinhavam-se no meio das barracas ou nos espaços vazios mostravam lindos galos caseiros, coelhos ou patos e para completar aqueles pequenos espaços viam-se ainda algumas sacas com sementes. Vendiam também hortaliças, cebolas, batatas ao alqueire (medida convencionada). Estava tudo em exposição.
Elas iam oferecendo a quem passava em frente:
- Então freguês hoje não compra nada? Está tudo muito barato...Aproveite agora...
   
Depois alguém se lembrou de mudar o local da feira para o interior da mata - Charneca, onde não prejudicasse o trânsito nem os residentes.  
Não sei o que aconteceu, mas a casa de primeiro andar fechou. O tempo, a chuva e o vento foram transformando as paredes e minando o seu interior.
As últimas pessoas que ali se abrigaram eram pobres. Viam-se despidas de roupas e de higiene. 
Os miúdos, semi-nús, brincavam na encosta a Sul por entre algumas couves mais altas que eles  e onde uns cães esqueléticos lhes lambiam as mãos e o rosto. Um dia também eles partiram. 
Finalmente vieram umas máquinas e demoliram a parte da frente daquela casa. Havia o risco de derrocada para a estrada nacional.

Hoje restam estes pedaços de paredes, portas e janelas que conservam as marcas do abandono. 
Talvez um dia as máquinas voltem para limpar o que sobra daquela casa e as últimas memórias da Feira dos vinte e seis.
luíscoelho

40 comentários:

  1. Bate uma tristeza enorme, quando encontramos pela cidade que conhecemos desde sempre, nos mostra que já não tem o mesmo cenário: o tempo vai destruindo a realidade antiga. Na minha cidade, passo por momentos semelhantes, encontrando mudanças que, na memória, traz de volta o que ali estava, numa nítida imagem.
    Uma bela crônica, Coelho, impregnada de saudade!
    Meu abraço.

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  2. Oi, Luis!
    Tive um sentimento horrível de vazio, como se uma parte de mim tivesse sido arrancada, quando voltei a cidade em que minha bisavó morava depois de muitos anos - ninguém da família mora mais na cidade e fui passar pela rua para relembrar daquele lugar, quando dei de cara com um terreno vazio. Meu espanto foi tão grande que me dei a chorar. Um dia aquele lugar tinha sido o meu céu.
    Imagino que daqui algum tempo, quando não tiver mais pessoas para se lembrar da casa que você fotografou, pessoas passarão por ali como se estivesse descobrindo aquele terreno pela primeira vez; um lugar que anteriormente tantas outras pessoas um dia pisaram. Dizem que a terra é um grande cemitério, não somente de corpos, mas também de sonhos.
    Prefiro pensar que a terra é o primeiro planeta de muitos que minha alma passará, como se avançasse até chegar em um planeta em que tudo seja permanente.
    Beijus,

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  3. Memórias do tempo,
    que o tempo não apagou
    no tempo ruínas do tempo
    que o vento ainda não levou.

    Noutro tempo foi casa de negócio,
    neste tempo são apenas escombros
    no presente tempo irrisório
    continua-se no tempo a dar tombos!

    É a vida amigo Luís,
    está bem escrita a sua história
    verdadeira, o destino assim o quis
    que as ruínas continuem na memória!

    Bom fim de semana, um abraço.
    Eduardo.

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  4. Vêem-se muitas casas em ruínas por essas estradas portuguesas. Não embelezam a paisagem mesmo que guardem recordações de melhores tempos. A câmara deveria fazer algo. Não há nada a preserver pelo que a foto mostra.

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  5. Foi a sensibilidade do teu olhar que tornou tão real este momento.
    Há, infelizmente, tantas realidades como estas e nós, muitos de nós, passamos quase sem olhar.
    Afinal não é o tempo que os degradam, é isso a que vão chamando progresso.
    É triste!

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  6. "Não sei o que aconteceu, mas a casa de primeiro andar fechou."
    "Não sei" o que aconteceu, mas uma aldeia que eu conheço se esfumou

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  7. Pois é amigo. Quando vou até ao local onde nasci, e vivi toda a minha infância e adolescência, só restam por lá duas coisas. O pinhal que ficava à direita da casa e o rio que ficava à esquerda. Tudo o resto é terreno vazio, onde por vezes o gado pasta.
    Um abraço e bom fim de semana

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  8. SIEMPRE TUS RELATOS TAN DISIENTES.
    UN ABRAZO

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  9. Esta imagem transmitiu-me um sentimento doloroso de vazio, nela revi a casa onde nasci.
    As máquinas limpam o que sobra das casas, mas não as memórias.

    Mais um excelente (mesmo tratando-se de algo triste) conto.

    Bom domingo Luís.

    Beijinho e uma flor

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  10. Sinto em ti o despertar da paixão pela fotografia. Está linda!
    Gosto muito destas casas mas tenho tanto receio de quando passem a fazer parte do meu presente, aqui na terrinha. Sim, acredito que seja este o futuro da minha aldeia, que insistem em chamar por bairro de cidade...
    Abraço do Paulo

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  11. Oi luis.
    O homem e o tempo destrói sem piedade o que outrora era lindo e, deixado ao abandono, a mercê do tempo e do descasa o que sobram são as boas lembranças.
    Um linda noite
    Beijos no coração
    Lua Singular

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  12. La foto es bellamente nostálgica, a pesar de la ruina. Cierto como en tu texto, vienen nuevos tiempos, que traen nuevas locaciones, las cuales dejan algunas huellas del pasado que hiere en su derrumbe. UN abrazo grande, Luis. Muy bello texto. Carlos

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  13. O tempo faz das suas. Há sempre um princípio e um fim em todas as coisas. Se há vivos mortos a cada momento também há mortos vivos; o fim, porém, tem etapas possíveis.
    E os mortos e as coisas mortas poderão perdurar eternamente assim sejam renovadas as flores que lhes dedicamos na memória.

    O Luís tocou num ponto sensível que tem a ver com o modelo de desenvolvimento que as sociedades escolhem que não sabem preservar a vida e os valores, embarcando, frequentemente, em desvarios suicidas.
    Boa semana amigo Luís.

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  14. Luis como é triste quando vemos o passado nas lentes da memória, um passado que no presente tanto valorizamos e que sem percebemos na época nos fazia felizes e nos dava uma sensação que sempre seria daquela forma, nesta vida tudo passa, mas este passado é que nos faz suspirar e sorrir quando nele viajamos, bjos Luconi

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  15. Mais uma casa para demolir, um terreno para ser aproveitado (??) num qualquer projecto imobiliário, estava capaz de apostar.
    Aquele abraço e votos de boa semana

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  16. Os sinais dos tempos é que percebemos o quando avida é breve,
    e que tudo se desfaz.
    Uma abençoada semana beijos amigo querido.
    Evanir..

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  17. Olá, Luis!

    Memórias que o tempo apaga, implacável, deixando um travo de tristeza a quem viu desaparecer aquilo que tão bem conheceu.Como se um bocadinho de nós e da nossa história também tivesse partido...

    Bonito texto!
    Um abraço
    Vitor

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  18. Tão triste ver ao abandono aquilo que conhecemos cheio de vida...

    Bom dia :)

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  19. Memórias do Tempo, é um texto muito real. E o nosso país está cheio de ruínas...
    E não vejo como se possa alterar a curto prazo.
    Desejo que o amigo esteja bem.
    Bj.
    Irene Alves

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  20. É o que a suceder em todo o lado.... nem o património resiste ao abandono! Estão a golpear tudo, de uma maneira ou de outra. Imensa coisa fechada, negócios falidos, cenário de guerra. Destrói-se e constrói-se no mesmo lugar ...enfim.... é deprimente . Até onde irão as máquinas demolidoras???

    Beijo grande

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  21. Eu adorei o texto, me sinto assim aqui, onde a preservação é bem menor que aí. um abraço, amigo.

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  22. Gostei deste olhar tão especial para uma casa em ruínas!
    Quero dizer-lhe que me tenho visto aflita para dar com a forma de o encontrar actualizado! :)

    Abraço

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  23. Assim é, Luís... Apurar o olhar exige sensibilidade. Um belíssimo testemunho o que aqui nos traz, não obstante a tristeza de vermos a ruína. Tudo muda. A "vida" que descreve da feira, encontrei-a há dias numa vila, a alguns quilómetros de Braga onde visitei a denominada "Feira das Colheitas". Alegre, aos olhos. Lá estavam as aves de capoeira, os diversos produtos agrícolas, desde legumes a frutas, hortaliças, passando pelo artesanato que adoro.
    Comprei tangerinas porque tinham folhas verdes da árvore-mãe, coisa que não via, há muito tempo. Mas devo dizer que os preços praticados nestas "feiras" não deixam de nos lembrar que elas são Exposições... Para turistas.

    Um beijo

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  24. OLÁ LUÍS

    Muito obrigado pela visita a um dos meus blogues.

    Deixei uma resposta ao seu comentário,

    Esta imagem transmitiu-me um sentimento doloroso de vazio...
    mais vazio de alma do que físico
    ...
    porque nunca verei o fim da casa da minha infância
    por isso não sei dar o valor às paredes

    Tudo que é FIM não é bonito de se ver...
    quem sabe, por isso, evito.

    Muita saúde e muitas felicidades!

    Aconselho uma visita a:
    http://pensamentosimagens.blogspot.pt/
    http://momentos-perfeitos.blogspot.pt/

    Num deles falo e mostro por fotos
    o que aconteceu na zona
    de ESMORIZ-CORTEGAÇA:

    A ETAR foi desativada em Abril de 2005,
    após a adesão da Câmara Municipal de Ovar à SIMRia —Sistema
    Multimunicipal de Saneamento da Ria de Aveiro
    e consequente ligação à ETAR de Espinho.

    No outro blog escrevo e mostro uma espécie de regresso às origens,
    pois fui fotografar num evento
    cujo tema era ÁFRICA:

    ...e larga por fim a lágrima que chora um olhar feliz...
    na explosão de cor!
    ÁFRICA
    regresso às origens...
    Adorei fotografar vários modelos
    que tentaram transportar-me até à minha terra - Moçambique


    Tudo de bom, sempre!
    Um beijinho amigo da TULIPA

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  25. são tristes, as ruínas das casas

    como um corpo sem vida


    um abraço, Luís

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  26. E assim se perdem no tempo as vidas de outrora. Não nos morram as recordações.

    Bjos

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  27. Amigo Luís, peço desculpa mas não sei o que se passou que tinha feito um comentário há sua linda história de recordações e qual é o meu espanto que não sei o que se passou que não voltei a vê-lo, não sei se ficou se foi passar o fim de semana a outro lado, de qualquer modo mais vale muito que p+ouco então não será tão bem elaborado mas olhe para a próxima terei mais cuidado com as minhas asneiras.
    Tenha um bom fim de semana e venha de lá esse livro que eu continu-o esperando, beijinhos de luz e paz para todos do seu lar.

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  28. Apetece-me dizer que naquele tempo seria made in Portugal. As pedras também envelhecem, respeitemos então a história.
    Abraço

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  29. Olá amigo Luís, são memórias que o tempo não apaga. São restos de uma saudade orvalhada. Adorei as suas memórias. Beijos com carinho

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  30. Oi luis,
    Passando para agradecer o carinho, desejando-lhe um ótimo fim de semana
    Beijos no coração
    Lua Singular

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  31. Caro confrade luís Coelho!
    Mais uma vez fiquei enternecido e com meus outonais olhos marejados ao ler o que sua brilhante pena nos brindou.
    Como é dificílimo aceitar a dura realidade ao nos depararmos com edificações em ruínas que deixaram marcas indeléveis na nossa existência.
    Peço-lhe anuência para publicar, com os devidos créditos, na minha página do facebook, bem como no vagão do Expresso do Oriente, sob meu comando, esta imperdível crônica memorialista de sua lavra.
    Caloroso abraço! Saudações memorialistas!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver sem véus!

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    1. Sirva-se amigo e faça todos os seus amigos felizes. A vida é um sopro de tempo que desaparece em cada respiração.
      Que no fim sobre sempre muita amizade e respeito.
      Aceite um abraço extensivo a todos os que passam por aqui - Lidacoelho , ou por aí -Vagão Expresso.

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    2. Caro confrade luís Coelho!
      Grato pela anuência.
      Caloroso abraço! Saudações escritoras!
      Até breve...
      João Paulo de Oliveira
      Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver sem véus!

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  32. Os edifícios antigos são cobiçados pelas construtoras em toda a parte do mundo, é a realidade. Um abraço, Yayá.

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  33. Imensamente triste, como se alguém nos tirasse o que não nos pertence, mas o sonho sim, esse o tempo o tirou mas fica com as ruínas.
    Infelizmente, ruinas que se repetem
    Abraço , Luís

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  34. *Luís, este teu texto me emocionou por causa de dois acontecimentos que vivenciei este ano !!!

    O primeiro e mais doloroso foi o da casa que morei alguns meses com o meu avô paterno e com

    tia Terezinha, irmã de meu pai ! A casa se localizava aqui no centro da cidade, em frente ao clube

    mais sofisticado da cidade e, como ela foi vendida e se encontrava muito velha, acabada ... ela foi

    demolida !!! Quase chorei quando passei em frente e ... cadê a casa querida da minha infância ?!

    Era só ruína ... escombro ... agora !!! Senti uma pontada FORTE no peito !!! Escureceu o meu dia.

    O segundo momento foi quando fiquei a par do falecimento de um amigo meu que é professor

    e cuja a casa da mãe dele é aqui perto do meu bairro ! Sempre passo em frente à mesma quando

    vou à missa na Igreja Matriz daqui do nosso bairro !!! Agora, porém, vejo a casa escura, com a varanda

    por varrer, vazia ... totalmente SEM VIDA !!! Uma tristeza !!! Olho pra mesma e volto no tempo !!! Lembro-me

    da dona Maria fumando sem parar, falando, gesticulando, sorrindo com facilidade, do meu amigo Antônio fazendo

    um cafezinho para nós e narrando a última viagem que fez para a cidade de São Paulo ... dos cachorrinhos da

    mãe dele ... Agora ... não tem mais nada nem ninguém !!! Triste isto. Dói no peito da gente e a gente chora.

    *Olha, Luís, cada vez mais falo para mim mesma :

    - *Maria Edméia, trate de viver BEM hoje apesar dos pesares porque o AMANHÃ ... se vier ...

    não saberemos como será !!! Poderá ser MELHOR ou PIOR !!! SE VIER !!! O.O

    A gente vai ficando assim : pé no chão !!! É preciso !!! :((((

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  35. *Corrigindo : quem morreu não foi o meu amigo Antônio, foi a dona Maria, a mãe dele !!!

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  36. Será porque vivemos muito depressa? Ou o relaxamento do ser pela conservação!?
    Seja o que for não merece que se deixe entrar nessa fase de abandono.
    Um grande abraço

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  37. Uma foto banal, igual a tantas outras, infelizmente.
    Mas por detrás de uma foto, pode e deve haver uma explicação e assim a foto ganha vida.

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  38. Tem dias assim, em que os nossos olhos veem mais que o costume e as recordações aparecem como contadas num livro.

    Gosto imenso da forma como escreve.

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