segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Tenho sede de ti



Tenho sede de ti
Nos dias que morrem
Aqui depois do anoitecer,
Tenho sede de ti
Quando o silêncio arrefece
E eu não sei esquecer-te.

Tenho sede de ti
Quando os ventos sopram
Na solidão do amanhecer
Tenho sede de ti
No calor dos desejos,
Quando as manhãs tecem
A loucura dos beijos

Tenho sede de ti
Quando nos deitamos 
Numa esperança de vida
Tenho sede de ti
 Nesta aventura perdida
Com que nos amamos
Tenho sede de ti
Agora e aqui

Luíscoelho

Novembro/2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A - B - C - D

Fotografia
( Moinho de Papel - Leiria)

Amanhecem frias as madrugadas
Abrindo as portas do meu ser.
Amantes que se despem por querer,
Amor que se faz à luz do dia.

Bebo as gotas do orvalho a cada instante,
Belos cristais retidos em cada planta,
Beijos que nascem no fundo da garganta,
Bebidas que nos enchem de magia.

Canto por encanto as mágoas e as dores,
Canto o Sol que nos aquece e alumia,
Canto a chuva, o vento e a invernia,
Canto os meus amores com alegria.

Deixo o tempo voar sem o deter,
Deixo a Lua lá no Céu desaparecer,
Deixo a vida abraçar-me e assim viver,
Deixo tudo já só quero esta harmonia.

É este o meu fado e o meu destino:
Amar assim o despertar das madrugadas,
Beber a vida nestes copos de marfim,
Cantar ao desafio as horas afortunadas,  
E erguer-me assim todos os dias.
luíscoelho 

sábado, 8 de novembro de 2014

Mariazinha

Fotografia
Marcas da nossa cidade - 2009

Veio de longe, de muito longe. Veio do Baixo Alentejo. 
Nas voltas que a vida dá, veio completar aqui os seus dias. Aqui viveu, trabalhou e também aqui criou muitas das suas raízes. 
Os pais eram assalariados. Viviam com uma sopa e um pedaço de pão de trigo. Tinham gravado no rosto o selo da pobreza envergonhada.
Não tinham possibilidade de dar aos filhos uma formação diferente da sua, nem poderiam ensinar-lhes a esperança de uma vida melhor.

No entardecer dos dias, de regresso a casa, a situação agravava-se. O pai sofria o cansaço que trazia nos ossos e na alma a dor de um salário pequeno, quase nada. Depois tinha de suportar o mau feitio da mulher.
Parecia uma ladainha que se repetia todas as noites.
Quase nem o deixava sentar na ponta do banco da cozinha :
- Porque assim e assado … E mais isto e mais aquilo … Nunca mais saímos desta miséria…   
- Pois sim...Tá, bem tá...Tu lá sabes...Nem quero discutir contigo. Irra, que mau feitio…
Parecia que aquela mulher tinha prazer de contrariar o marido.

A Mariazinha gostava de ir à Igreja e de participar em todas as celebrações, mas a mãe estava sempre a ralhar com ela.
- Isso de missas e de igreja é só para quem não tem mais que fazer...Ouviste?
Já te disse, vezes sem conta, que não te quero ver por lá. Aprende a fazer alguma coisa melhor.

- Podes bater-me à vontade. Eu irei sempre que puder à catequese e às celebrações religiosas cá na terra. Nunca deixei de fazer as minhas obrigações e tu não podes impedir-me.
- Estás a pedi-las...Estás, estás, respondia a mãe, levantando a mão com ar ameaçador.

Um dia o pai finou-se. Foi uma coisa que lhe deu. Coitado! A vida foi dura demais.
Depois que casou com aquela rapariga parece que ainda foi pior. Ela era esperta, mas aquele mau feitio era uma desgraça. Quem cá fica, diz povo, sempre se governa, o mal é de quem se vai.  
Outros acrescentavam:
- Esta vida é uma ilusão.
Ele estava cansado de aturar a mulher e de acreditar que um dia a sua vida iria mudar para melhor...São mentiras que carregamos todos e todos os dias.

Algum tempo depois da morte do pai o filho foi para a tropa. Depois continuou na polícia. Arranjou uma namorada e por lá ficou, pela cidade.
A Mariazinha, continuava junto da mãe, mas a vida era cada dia mais difícil. Um dia juntou as suas coisas e veio para Lisboa.
Não esperou que o irmão lhe arranjasse emprego.
- A vida é um desafio, dizia confiante.
Conseguiu trabalho num armazém, onde organizava as facturas de débitos e créditos e os saldos respectivos. Estudou e trabalhou. Nunca cruzou os braços.

Na rotina dos dias e das pessoas com quem se cruzava, acabou por conhecer o seu futuro marido. Ambos alimentavam um sonho e também o desejo de se completaram nas suas carências e afectos.
Após algum tempo de namoro, organizaram o seu casamento e foram viver para outra cidade. Depressa fizeram novas amizades. A sua alegria era contagiante. Todos gostavam de estar perto da Mariazinha.
Os anos amadureceram as amizades, o respeito, a bondade e os sorrisos de todos com quem se cruzavam.

Deram aos filhos o melhor dos seus anos e das suas vidas.
Não se pouparam a esforços para construírem a sua casa e a sua família. O marido era o seu melhor amigo. Estava sempre ao seu lado e ambos formavam um todo. O amor era vida que saía das suas palavras e acções.
A felicidade não tem tempo nem tem preço. É uma dádiva que vai acontecendo e que nos alimenta em cada dia.

Alzheimer
Um dia, ainda antes de se reformar, foi ao seu médico para fazer exames. Gostava de saber as razões do seu cansaço.
Em pouco tempo o médico diz-lhe:
- Está aqui uma indicação de alzheimer. Não se assuste, hoje existem tratamentos. Vamos cuidar de si para que se sinta sempre bem e por muitos anos.
No silêncio que se seguiu surgiram duas lágrimas que brilharam correndo desamparadas naquele rosto sempre sorridente. Tudo acaba…Que vida a minha.

- Jesus não podes fazer isto comigo...Confiei em Ti. Cura-me.

A doença foi progressiva e os medicamentos foram retalhando aquele corpo de mulher.
Ao lado, o marido também sofria, mas com muita paciência foi ajudando em tudo o que lhe era possível. Respondia sempre com o mesmo carinho a todas as perguntas, repetidas vezes sem conta.
Conservava sempre um sorriso encantador e com palavras amigas convidava-a a caminhar. Depois colocava-se na sua frente e estendia-lhe as mãos num convite para uma dança a dois para a ver de novo a dar uns passos.

A Mariazinha vencia aqueles momentos de medo que a paralisavam e apoiada no marido recomeçava a andar com normalidade.
Era bonito vê-los numa luta contra a doença que a ia desgastando.
Mais tarde as noites, a higiene pessoal e tantas outras tarefas comuns tornaram-se num pesado fardo.
No mesmo quarto separaram as camas. Talvez assim pudessem descansar, mas a situação piorava cada vez mais.
A Mariazinha está lúcida e sabe das suas fraquezas.

Ambos escolhem um lar onde tenha assistência. Aceitou esta nova residência como quem procura a cura dos seus males.
Os médicos alteraram a medicação.
Já passaram mais de quinze anos desde que lhe foi descoberta a doença. 
Diariamente o marido passa as tardes fazendo-lhe companhia e aos Domingos leva-a até a casa onde almoça com os filhos e descansa na sua cama. Aceita o regresso ao Lar mas, no seu interior, fica revoltada porque não pode já passar sem a ajuda dos que lhe prestam assistência.

Neste mês fomos visitá-la. Era a festa das suas 70 Primaveras.
Conheceu-nos e sorriu. Depois fechou-se num pesado silêncio. 
Os seus pés não aceitam a ordem para caminhar, as palavras ficam presas na garganta. Não consegue expressar-se e os seus olhos agora estão suplicantes. Ajudem-me.

Partilhámos o bolo de aniversário e cantámos. Vimos o seu rosto de agradecimento onde a dor é uma marca constante. Depois saímos prometendo voltar brevemente.
Esta promessa tem muito peso. Não cura, mas alivia muito.
Ficámos a pensar:

- Onde está a Mariazinha que nós todos conhecemos?

sábado, 1 de novembro de 2014

O Verão de São Martinho

Fotografia
( foto no Agro Museu D. Julinha em Ortigosa - Leiria)

O Verão de São Martinho  este ano veio mais cedo,
Oferecendo-nos bom tempo com calor e muito Sol
E o povo ficou contente com este tempo no rol.
Secou e guardou no celeiro os cereais em segredo
Porque em breve tudo termina e é preciso ser prudente.

Depois virá outro tempo de Outono ou Invernia
Virá chuva, virá vento, mau tempo constantemente.
Os dias serão mais pequenos e mais frios seguramente
E todos irão fugir da saraivada, do granizo e ventania
Abrigando-se à lareira ao calor duma fogueira.

São Martinho leva-nos à adega para provar o vinho
Aquecendo-nos a alma por fora como por dentro,
Até as castanhas assadas se tornam num bom alimento,
Comidas em companhia, ou até mesmo sozinho
Esquecendo o temporal e de frente para o braseiro.

São Martinho foi amigo dos pobres, dos sem-abrigo
Deu a capa aos mais fracos, aos mais tristes e velhinhos
E quando mais nada tinha deu-lhes um Verão de carinhos.
Que os dias não fossem duros nem o frio fosse um castigo
Bebendo apenas um copo de água-pé ou de vinho. 
Luíscoelho
Novembro/2014