sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Frio

 Banco de Imagem - gelado, e, sozinha. Fotosearch - Busca de Fotografias, Fotografia Poster, Imagens e Fotos Clip Art
(foto google)


Hoje o frio era mais frio. 
Já ninguém se lembrava de um dia assim. Era um frio de cortar. Gelava-nos por fora e por dentro e a noite prometia ser ainda mais dura.
As bátegas de chuva batiam descompassadas no telhado da casa. Às vezes o granizo tornava os batimentos mais graves e acelerados.

Tinha anoitecido mais cedo. As nuvens escuras cercaram tudo por ali à volta. Não se via ninguém nos campos. Era um mundo de silêncio.
Embrulhados numa serapilheira grossa foram acomodando todos os animais domésticos. Parecia que também estes procuravam um abrigo mais seguro, deixando transparecer o medo que os possuía.

Finalmente o pai entrou em casa. A sua presença dava-nos mais segurança. Trazia um molho de cavacas secas e um brilho de coragem e determinação no olhar. Tinha acabado o seu dia de trabalho. 
Pousou as cavacas num canto perto da lareira e depois foi tirar aquela serapilheira que lhe servia de capa. Sacudiu-a e pendurou-a num cabido que estava no alpendre à entrada da cozinha.  Finalmente sentou-se ao pé de nós.

Sem pedir licença fomo-nos encostando a ele. Estava gelado. Não nos afastou, mas abriu aquelas mãos grandes e voltando as palmas para a fogueira disse: 
- Ah...Que bom!Aqui estamos melhor.
Até parecia que estava com vontade de meter as mãos dentro das chamas. O cheiro das suas roupas ainda carregadas de chuva vieram ao nosso encontro quando o apertamos.
Depois procuramos um lugar nas suas penas e sentámo-nos um em cada joelho. Ele protegia-nos do calor com aqueles braços fortes que nos seguravam com carinho.

A mãe cuidava da ceia, mas os seus olhos estavam em nós. A frente da lareira estava livre para ela poder ver a panela da sopa.
Não sei o que comemos nessa noite. Muitos dias eram as sobras do almoço. 
Ao meio-dia, era servido um prato de sopa grossa. Nunca havia segundo prato, mas havia o "conduto" que era um pedaço de toucinho cozido com a sopa.
 Não éramos ricos, nem se podia desperdiçar nada.
Algumas vezes, a mãe juntava um copo de água nas sobras do almoço e depois, quando a panela começava a ferver, juntava um punhado de massa grossa e temperava com azeite e uma pitada de sal. 

No serão de hoje o pai, para nos distrair, perguntou:
- Vocês sabem quem é mais forte: O Sol ou o Vento?
Eles fizeram entre si uma aposta.
Quem seria capaz de tirar o casaco a um homem que caminhava na estrada.
Depois em silêncio olhou para nós e deixou-nos responder.
Afirmámos que era o vento. Aquela força que abana  as árvores ou que faz mover as velas de um moinho era o mais forte e respondemos convencidos da nossa verdade. Era o vento.
Logo aquelas cabecitas, encheram-se de respostas.
Era o vento! Era o vento! Só pode ser o vento que arranca as grandes árvores e que faz andar as nuvens...
Mas nós queríamos a resposta do pai. Tudo quanto ele nos dissesse  era o mais verdadeiro. O pai disse e pronto! Não há mais dúvidas.

Um sorriso calmo desenhava-se nos seus olhos o que  fazia aumentar as nossas dúvidas. 
- Será o Sol pai? Perguntou o mais velho.
Naquele momento e conservando aquele brilho no olhar contou-nos a história de um caminhante.
- Seguia pela estrada um homem, com o casaco vestido.
Estava muito vento. Pensei que a força do vento lhe arrancasse o casaco, mas quanto mais vento fazia mais ele apertava o casaco.
Durante algum tempo segurou o casaco com as duas mãos chegando quase a desequilibrar-se.
O vento não conseguiu vencê-lo.

Depois, num outro dia, o mesmo homem caminhava pela mesma estrada, mas estava muito sol.  O dia foi aquecendo e o calor do Sol obrigou-o a despir o casaco. O sol venceu.Tem mais força que o vento.

Oh! Mas assim não vale...O homem é que quis tirar o casaco...disse o mais pequenito.
Reparem que isto da Natureza não é bem assim. Um não é mais forte  que o outro. São apenas diferentes.  O Sol, o vento, a chuva ou a água são precisos para podermos viver com harmonia.
Cada coisa tem a sua importância e sem eles não poderíamos viver.  

A ceia estava na mesa.
Sentaram-se e comeram em silêncio.
Agora as colheres andavam mais lentas e já era com algum esforço que iam bebendo aquele caldo. O sono tornava-se cada vez mais atrevido.
Então a mãe pegou-lhes ao colo e deitou-os nas suas caminhas.
O dia foi grande nas suas corridas.  Brincadeiras que os ajudavam a crescer.
Luíscoelho
Janeiro/2015





30 comentários:

  1. A força dos elementos da natureza numa linda composição poética. Um texto magnífico
    Um abraço

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  2. Adorei o texto! Aqui está muito quente.
    Um grande abraço

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  3. Tu nos encanta sempre, com frio ou calor! Adoro todos os detalhes! abraços praianos,chica

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  4. Um texto muito bonito que me transportou para a minha infância, para as conversas com meu pai,para a vida pobre de valores económicos, mas rica de calor humano.
    Um abraço

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  5. A tua escrita tem a simplicidade das vidas que narras. Consegues passar-nos o frio, o calor das cavacas ateadas, o cheiro da sopa, a força do pai... nem comento a moral contada, sob a forma de adivinha. Acho-a linda. São estas as palavras-adubo que eu tanto procuro... e feliz, as encontro.

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  6. SIEMPRE TUS TEXTOS TAN CONMOVEDORES Y TAN BELLOS.
    UN ABRAZO

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  7. Os bons momentos de outrora constrastado com o progresso dos tempos modernos, dotados da falta de valores.

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  8. Meu querido amigo hoje não venho declamar apenas dizer que o frio do Imverno nunca chega a ser tão frio como o fri que se carrega no nosso coração.
    Beijinhos de luz e muito carinho de todos os seus.

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  9. ~ Uma ternura!
    ~ Um serão caloroso e animador numa noite de Inverno rigoroso.
    ~ Mais uma narrativa vivencial muito bem descrita e comovente.

    ~ ~ Memórias dum tempo difícil, mas muito especial.

    ~ ~ Grata pelos bons momentos de agradável leitura.

    ~ ~ ~ Abraço amigo. ~ ~ ~
    .

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  10. Um belo conto, amigo Luis e não só no geral, mas no pormenor ! Sentimos verdadeiramente o ambiente e a ternura familiares !

    Abraço !

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  11. Excelente texto que mais uma vez recuei no tempo, revivi momentos em que ao calor da fogueira e também eu e meu irmão sentados nos joelhos do meu pai contando histórias, verdadeiras ou não, algumas que recordo com muito amor e saudade, mas não havia mãe, esta tinha-nos abandonado. Também comia-mos sempre sopa com o tal toucinho que era uma delicia, de porcos criados sem farinhas.

    Beijinho Luís e um bom domingo

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  12. Leitura muito agradável onde a forma como vem apresentada cada história sua nos transpõe nos personagens e seu cenário que nos aprarece assim tão vivo através de suas palavras.Muito bom te ler Luís!

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  13. Um conto num dia frio mas que aquece o nosso coração com a ternura nele contida.
    Um excelente ano meu amigo.
    Beijinhos
    Maria

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  14. Memórias de um tempo de coisas simples, luis
    Aquele abraço, votos de boa semana

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  15. Tem o dom, como já lhe disse, de nos fazer viajar no tempo e no espaço até estes lares, (lares e não casas), onde afinal faltava muito pouco, porque o amor ocupava todos os lugares vazios. Hoje há mais coisas e menos sentimento.

    Um beijo

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    1. Deixo-lhe aqui um agradecimento pelas visitas, pelas palavras de incentivo que me enchem de sonhos.
      Continuarei a ler o seu blogue, mesmo sem lhe poder deixar as palavras que me saltam após cada leitura.
      Obrigado.

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  16. És muito especial, tens um dom que nos leva no encanto dos momentos de um passado, que muitos não conheceram.
    Este conto fez-me lembrar Alves Redol que, de forma tão perfeita, conseguia descrever toda a dureza da vida rural, sem nunca esquecer a magia dos momentos familiares.
    Nisso és um mestre!
    Um abraço
    d

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  17. Antes de mais quero agradecer-te o lindo poema que fizeste para desejar um feliz Natal aos teus amigos Como me consider já " de casa" senti-me homenageada e agradeço-te muito O que também tenho de agradecer é o carinho que dedicas ao Começar de novo há já muito tempo e, se a vida me permitir aqui estarei para cimentar a nossa amizade que, apesar de virtual, é muito sincera. Quanto a este texto, mais uma vez me levaste aos meus tempos de criança e adolescência na aldeia onde nasci; vivi esses tempos onde havia falta de muita coisa, mas havia muito calor humano e solidariedae entre aqueles que nada tinham e os que tinham um pouquinho mais. Hoje a fartura é tanta que o desperdicio abunda. Um beijinho, Luis e muito obrigada. Muita saúde e alegria é o melhor que te posso desejar
    Emilia

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  18. Caro Luís, isto são estórias de ser. Uma beleza! Parabéns e obrigado.
    Pela palavra e pelos afetos se faziam homens. Mesmo quando o frio e a carência material marcavam a marcha do dia a dia.
    Ao fim da ceia havia sempre sobremesa para os garotos lambareiros. Pelavam-se por sover ávidos, a quererem ser grandes, as palavras uma a uma, no calor do regaço da mãe, nos braços fortes do pai, contos e adivinhas de verdade que forjavam o aço do futuro.

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  19. ...é sempre um prazer enorme ler você, encantar-me com suas
    histórias verdadeiras histórias de tantas vidas por aí.

    estava com saudades disso!

    bj

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  20. Mi querido Luis, tengo dificultad para entender el portugués y pierdo mucho de lo que publica, supongo que a usted le pasa lo mismo conmigo. ¿No podría poner un traductor?, aunque sé que a veces lo traducen mal.
    Le agradezco su visita, gracias a Dios ahora me encuentro recuperada.
    Un gran abrazo.
    Sor.Cecilia

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    1. Bom dia
      Informo que na barra lateral esquerda logo depois dos blogues que estou a seguir tem colocado o Google tradutor.
      Por mim já vou percebendo a vossa escrita.
      Continuação de bons dias com Paz e muita saúde.

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  21. Nunca mais vem o Verão!!!
    Bom Ano, Luís!
    Saudações!

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  22. Um belo relato: o pai, a mãe, os pequenos.
    Cada um com o seu papel no lar. Um lar pleno
    de paz e compreensão.

    Caro Luís, desejo-lhe a continuação de uma boa semana.

    Abraço

    Olinda

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  23. O frio é temperatura própria da época,
    todavia, gosto mais do calor do mês de Agosto
    não são não, coisas levadas da breca
    sem nuvens no céu vejo o sol até ao sol posto!

    Sou um tanto resfriado,
    como estou vendo aquele garoto
    por causa do frio tem enfiado
    na cabeça confortável gorro!

    Boa noite amigo Luís, um abraço,
    Eduardo.

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  24. Gosto muito sempre do que escreve, Luís. Mais uma vez aconteceu.

    Abraço grande

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  25. Amigo Luis,
    Gostei de ler [como sempre] este teu maravilhoso texto. Conduz-me ás memórias de infância, em Vilarinho da Castanheira [Trás-os Montes]. O Dr. Belarmino, meu pai, rachava lenha utilizando o machado , a marra e as cunhas, no quinteiro, que nós carregávamos para nos aquecermos à lareira. Partilhava connosco o bem estar que do fogo emanava.
    Tempo de muita fome, em que muitos se julgavam felizes por ter uma malga de caldo para comer. Vínhamos da escola com as mãos tão geladas qude nem as sentíamos. Era no escano, junto à lareira, que ele nos acompanhava para para fazermos os trabalhos escolares.
    Um abraço e... obrigado!
    Jorge

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  26. Bom dia, o texto é de excelência que só pode ser escrito por quem sabe, sobre o frio é a fruta da época.
    AG

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  27. Eu concordo. Perturba-me mais o Sol que o vento. O vento dá-nos mais defesa...

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