sexta-feira, 5 de junho de 2015

Peregrinação

Resultado de imagem para Fotos de peregrinos fátima
(foto google)

Era muito cedo quando acordaram os filhos. 
Os pais, já se tinham levantado há bastante tempo. Antes de saírem de casa deveriam deixar os animais tratados e acomodados. Só voltariam na tarde do dia seguinte.
Ele deu a volta pelos currais reforçando a ração. 

A mulher, em casa, ia arrumando a merenda num cesto, condensa. O farnel foi preparado na véspera.

Conferiu tudo à medida que ia arrumando dentro da condensa. O mais importante era mesmo a comida. Iriam comer com as mãos, sem facas, pratos ou garfos. 
Chegada a hora da bucha, procuravam uma sombra. Depois sentavam-se no chão ao redor da merenda e seguravam nas mãos um pedaço de pão com o conduto ou, numa mão a carne e na outra o pão.
Não havia fruta, mas nunca faltava água e um pouco de vinho.

Desta vez arranjaram o galo grande de casta. Era um grande galo de pescoço pelado. A cauda de penas castanhas e azuis dava-lhe ares de imperador. Era muito bonito.

Não deixava que alguém se aproximasse das suas galinhas. Ele era o maior. Bicava o cão, os gatos e até as pessoas. A dona, que o conhecia muito bem, quando lhes ia dar um pouco de milho ou de verdura tinha de levar um pau.
- Tu tem juizo! Não tentes morder-me! Olha o pau! Um destes dias acabo contigo! Dizia-lhe com um ar ameaçador.
Naquele dia cumpriu a ameaça.
Quando, de madrugada, lhe dava o milho,  o galo fez carreira para ela, mas nesse momento ela mandou-lhe uma tal cacetada que o deixou KO.

- Tu não estavas destinado para o nosso farnel, mas já está, já está! Acabaram-se com as tuas bicadas. Grande estafermo!

Depois de arranjado e cortado em pequenos pedaços meteu tudo num tacho de barro e deixou-o refogar.
Ficou triste por ter matado o galo grande, mas ao mesmo tempo ficou contente pois era um bom farnel para os quatro. Deixou em casa as patas, a cabeça e outras miudezas para no dia seguinte. Depois, quando chegassem a casa, iria fazer um arroz malandro naquele molho do guisado.
  
Temos de nos despachar meninos. É longe e depois o calor começa a apertar!
São cerca de 30 quilómetros de distância de casa até ao Santuário.  Era a primeira vez que levavam os filhos. A menina devia ter onze anos e o irmão ainda não tinha feito os nove de idade.
Foi no ano de 1957, em Julho.
A mana prometeu:
- Minha Nossa Senhora, se o mano passar no exame da terceira classe vamos a Fátima rezar e agradecer.

Depois disse aos pais da sua promessa.
Ficaram muito admirados pelo carinho com o irmão, mas também lhe disseram que não deveria prometer pelos outros e que deveria consultar primeiro os pais.
Quando fores grande decidirás por ti, mas agora ainda és muito nova.

Marcaram a data para um dia de peregrinação. Assim iriam em grupo com outras pessoas.
- Estão prontos? Disse o pai. Então vamos embora. 
No céu havia muitas estrelas e a manhã senti-se fria.
A Mãe carregou o cesto da merenda à cabeça e o pai levava dois cobertores enrolados e presos ás costas como se fosse uma mochila.
Ora então vamos lá com Deus, disse a mãe que se benzeu e começou uma oração. 
Em fila e sem saber das distâncias a percorrer os meninos seguiam satisfeitos, até pensavam que iam para uma festa.

Caminharam por muito tempo até chegarem à cidade de Leiria. O Sol ia muito alto e dava sinais de um dia quente. 
No sopé da encosta da Senhora da Encarnação, mesmo junto às ruínas da antiga praça de touros, sentaram-se à sombra de uma oliveira. Descansaram as pernas e comeram alguma coisa. A mãe dizia:
- Temos de aliviar o cesto. Isto pesa. Agora já vai mais leve. 

- Vamos embora que a viajem é grande. Disse o pai.

Caminhavam acompanhando outros peregrinos que faziam aquele percurso. Alguns quilómetros mais adiante começaram as ladeiras da encosta da Serra. As pernas cansadas doíam. 

- Ainda falta muito? Perguntou o rapazito...

- Estamos a chegar ao Soutocico. Deve ser metade do percurso, respondeu-lhe o pai.
- As minhas pernas doem tanto, reclamava o miúdo.
As subidas eram cada vez mais duras, o cansaço tomava-lhe as forças.
- Pois, mas temos de continuar. Agora não temos escolha.

Seguia no grupo uma família conhecida que levava um burro carregado e uma menina montada. 

O pai na sua imaginação, disse-lhe:
- Agarra-te à albarda do burro. Ele puxa-te!
Entre queixas e muitas lamurias lá foram subindo a serra e descobrindo nomes de localidades diferentes. Curvachia, Arrabal, Freichial, Lagoa, Chainça, Santa Catarina da Serra.
Já perto do Santuário a mãe disse-lhes:
- Já se vê a torre da Basílica. Estamos perto.
Os olhos dos garotos abriram-se ainda mais de tanto cansaço. 

Chegaram ao Santuário bem depois da meia tarde.

Era uma praça enorme, encimada com uma igreja muito grande e diferente de todas as que conheciam. 
No centro havia a Capelinha das Aparições. Era uma construção pobre. Um simples telheiro onde se amontoavam muitas muletas e também coisas de cera que os peregrinos ali iam deixando. Foram estas imagens que sempre guardou. Os peregrinos ali à volta iam rezando e cantando e outras vezes estavam apenas em silêncio.

Procuraram um canto na escadaria da Basílica, de modo a protegerem-se do frio do norte durante a noite e também de onde podiam ver todas as cerimónias.

Estenderam os cobertores e os meninos deitaram-se.
O som dos cânticos e do órgão não eram maiores que o sono que os adormeceu. 
O pior foi quando uns senhores que traziam umas correias por cima dos casacos os mandaram sair dali.
- Não podem pernoitar aqui. Têm de sair já. Vai começar a procissão das velas e ninguém pode estar nas escadarias da Basílica.

O pai pegou na trouxa e a mãe no farnel. Não sei onde passaram a noite, mas sei que a cama foi no chão e o agasalho foram os cobertores.

Acordaram com o som dos sinos e dos cânticos. Estava frio. Aquela gente movimentava-se para todo o lado. 
Começaram as cerimónias e depois da missa realizaram a procissão do adeus. Todos agitavam no ar os lenços brancos e de outras cores. 
Viam-se lágrimas nos olhos de muitas pessoas.
- Oh Fátima adeus, Virgem Mãe adeus.

O regresso foi de autocarro.

Tão cedo não farão promessas. 
Luiscoelho
2015/Junho

32 comentários:

  1. Promessas feitas, promessas pagas! Adorei todo o relato e a saga da família pra cumprir a promessa! abraços, chica

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  2. Gostei do relato, mas a frase final é sublime: "Tão cedo não farão promessas". Acho que andamos todos a precisar de meditar sobre o assunto...

    Abraço

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  3. Comentar o Luís não é fácil, pois tens um estilo muito pessoal que nos encanta e nos leva como se fossemos
    parte da história.
    Senti, de verdade, como se fosse um romeiro nessa peregrinação.
    Magnifico caro amigo!
    Um abraço.

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  4. Muito realismo ! Sentimos-nos a "ver ao vivo" ! ... a fazer parte !
    Promessas ! ... Quantas vezes "loucas" pela extrema violência a que se está sujeito !
    ... e a peregrinar, ainda vá que não vá, agora ver as pessoas de joelhos a arrastarem-se a violentar-se não aprovo de modo algum !

    Muito bom, Luis ! A tua escrita é fantástica !

    Abraço !

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  5. Luisamigo

    Quando te li sobre promessa julguei que falavas na pré-campanha eleitoral e do "programa" da Culigação (não é erro, é mesmo com u)Mas quando descobri que escrevias sobre as promessas pagas (a bem ou a mal) em Fátima descansei. Estas podem cumprir-se; as outras....

    Bjs da Kel e abç do Pernoca Marota

    PS (sou, mas aqui é Post Scriptum) Na TRAVESSA escrevi sobre a seca em Cabo Vorde; quem sabe, talvez gostes e comentes: E se não gostares comenta também... :-)))

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  6. Já te disse que o neorealismo é mesmo isto? A clareza simples dos simples, humilhados e ofendidos...

    Foi no ano de 1957?, em Julho? Não asseguro.
    Foi a minha primeira vez (tinha 12 anos) e muito provavelmente em Julho

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  7. Uma excelente história meu amigo, que relata o sofrimento do cumprimento das promessas.
    Não sou a favor de promessas! No entanto arrastada, mas também eu fui duas vezes a pé a Fátima, com 13 e 21 anos, engraçado que foi galo que levaram para o almoço das duas vezes que acompanhei.

    Bom fim de semana Luís.

    Beijinho

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  8. Unha fermosa peregrinación que endexamáis esquencerei, voltaría hoxe mesmo.
    Gran relato, a familia sempre unida sobre todo nesa longa caminata...Pobre do galo!!! pero tiña que ser.

    Unha aperta dende Galicia.

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  9. Como sempre um texto muito bom. Em Julho de 57 também estive em Fátima. Fomos numa excursão de 8 dias que seria de ida até ao Gerês com várias paragens. Lembro que fomos a Fátima, Tomar, Caldas da Rainha e em Coimbra minha mãe esteve muito mal, foi levada para o Hospital Universitário, meu pai ficou com ela e nós seguimos na excursão com uns tios. Quando minha mãe teve alta veio para casa com meu pai. Coitados andaram um ano inteiro a fazer sacrifício para conseguirem pagar os 5 bilhetes da excursão e não puderam usufruir nada.
    Um abraço e bom fim de semana

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  10. Mais uma volta ao passado que me levaste a fazer. Não que tenha alguma vez ido a Fátima a pé, mas o farnel, colocado na condensa, esse sim, fizemos muitas vezes. Era bom, pois nesse farnel iam comidas especiais que nem sempre havia no dia a dia. Gosto muito das tuas idas " ao passado " que nos levam a recordar tempos difíceis, mas bons, com mais convívio entre as pessoas, mais solidariedade; aprendíamos a dar valor às coisas. Agora a abundância é tamanha que não se valoiza nada. Beijinhos e um bom fim de semana
    Emília

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  11. UN RELATO QUE ME CONMUEVE MUCHO...!
    ABRAZOS

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  12. Oi luis.
    Que lindo história: visitar Fátima, vocês são uns privilegiados.
    Mas como foi conto até ri.kkk
    Adorei
    Beijos

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  13. Respeito as pessoas que vão a Fátima a pé, mas eu nunca o fiz.
    Gosto de ir a Fátima noutras datas, com menos gente. E vou.
    Mais uma vez, o amigo contou magistralmente toda a preparação
    para irem a Fátima e a caminhada.
    Bom domingo.
    Abraço amigo.
    Irene Alves

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  14. Bom dia meu amigo, apenas venho dizer que estou triste, pois fiz-lhe um comentário muito bonito com palavras bem sinceras, e veja qual o meu espanto que como ainda não tinha a minha conta aberta ele simplesmente desapareceu.
    Talvez não tivesse gostado de mim, amigos são sempre amigos mesmo que passem na nossa vida e já não voltem mais mas o prazer de os termos tido jamais nos pode ser roubado.
    cada um de nós que nunca nos chegaremos a conhecer só devemos de dizer o que sentimos, pois inversões não tem lugar
    na minha vida digo a verdade ou não digo nada, adorei a sua visita como sempre e tudo o que escreve nos mostra com as palavras todos os sítios onde a sena se realiza.
    Já tive muitos amigos e amiga e já se foram mas eu só tenho que entender que cada um tem um tempo certo para estar na vida do outro, este é o tempo que Deus destinou.
    Tenha um santo domingo, com muita saúde, paz e amor, beijinhos meus para todos vós.
    PS;amigo se algum dia quiser escrever ou mandar algum email mande pelo outlook...francelina filipehotmail.com.

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  15. A Igreja ainda hoje condena essas promessas, esses sacrifícios, esse auto-flagelo.
    Confesso que também não consigo perceber.
    A fé não exige tanto.
    Aquele abraço, boa semana

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  16. Acredito mesmo, especialmente para aqueles que nada pediram nada e que nessa aventura foram induzidos. Oxalá nunca tenham que pedir! E se o fazem, que cumpram eles. Não obrigar a umas crianças a esse sacrificio...
    Vi, durante anos, cenas que levam aos arrepios, não acredito que a Virgem veja isso com bons olhos.
    Um grande abraço, amigo.

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  17. Não percebo que deus têm estas pessoas na cabeça para acharem que quer ou aceita ou se alegra com este tipo de comportamentos e censuro veementemente a Igreja por os permitir e glorificar.

    Boa semana

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  18. Uma bela narrativa, num estilo inconfundível.
    Os romeiros que se entregam a estas superações, independentemente de motivação religiosa ou não, terão sempre uma "fé".
    Tive uma aventura semelhante, amigo Luís, aí por volta dos dez anos. Não achei muita piada mas cumpri, mesmo sem promessa ajustada. Teve de ser... Vivia-se ainda o tempo em que a mortificação, o sacrifício eram meio caminho andado...

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  19. Oi, Luís!
    As promessas sempre se cumprem com um certo sacrifício. Me vi menina ali na sua história com o detalhe que acabei com a promessa por me perder no meio de tanta gente e meus pais terem que rodar a cidade toda para me achar. Eu tinha apenas 4 anos e poderia nunca mais vê-los. Foi que daí meu pai teve a ideia de renovar a promessa :)
    Beijus,

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  20. Um relato saboroso, os rituais que antecedem a caminhada, a chegada, a acomodação, a devoção.
    E uma palavra que eu não conhecia, a "condensa". Adorei, Caro Luís, mormente nestes dias que nos sentimos
    atraídos para Fátima. Vou até lá um dia destes.

    Desejo-lhe dias abençoados.

    Grande abraço.

    Olinda

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  21. Oi Luis,
    Eu vou morrer sem ir a Fátima, meu marido tem medo de avião e sozinha ele não me deixa ir.
    Mas faço minhas orações a Ela e a todos os povos portugueses que estão passando uma crise política muito ruim, aqui também não está bem, mas aí está pior e como dizia meu pai:
    " Non c'è male che dura e non il male che non ha fine ", ou seja: Não há bem que dure e nem mal que não tenha fim ".
    Beijos no coração
    Beijos

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  22. Fátima, um lugar encantador!
    E esse galo? Deve ter sido um agradável petisco!!
    Abraço

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  23. quem és tu romeiro?

    os peregrinos são portadores de uma fé maior


    um abraço, Luís

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  24. Meu amigo como sempre a sua narrativa prende-nos completamente.
    Todos os anos eu e a minha família vamos a Fátima, é uma tradição, é um dia diferente na procura da Paz interior que aquele lugar nos traz, mas vamos sempre fora das grandes datas e de carro.
    Um grande beijinho.
    Maria

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  25. Meu caro amigo
    Estou quase a regressar e nessa altura visitarei todos os blogs amigos.
    Por agora venho pedir-te um favor:
    Se não é pedir muito…vai ao meu blog, escreve qualquer coisa no espaço dos comentários, e vê se algo de anormal acontece.
    Estou preocupado porque uma amiga – MAJO – informou-me que o meu blog está com vírus.
    Depois de ler o comentário de MAJO, pedi a duas amigas – Mariazita e Tareca - que fossem lá ver o que se passava.
    Não notaram nada de anormal, e assim o escreveram em comentários.
    Mas a MAJO insiste que “tenho” vírus…
    Vai até lá, por favor, e informa-me.
    Em devido tempo te agradecerei!
    PS – Desculpa o “Copy”, mas não pode ser doutro modo.
    Um abraço
    MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA

    PS,PS – APROVEITO PARA DESEJAR UM ÓPTIMO FIM DE SEMANA.

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  26. Oi Luis,
    Passando para lhe desejar um feliz dia dos eternos namorados
    Beijos no coração

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  27. Meu caro amigo
    Estou muito grato pela prontidão com que respondeste ao meu apelo.
    Estava deveras preocupado com a ideia de poder contagiar quem me visitasse, com esse hipotético vírus que a Amiga Majo parecia ter detectado.
    Felizmente não passou de falso alarme, verificado por ti e por todas as amigas que, tão gentilmente, comprovaram a minha boa saúde -:)))
    Muito brevemente estarei de regresso e poderei retribuir todas as atenções recebidas.
    Um abraço
    MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA

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  28. Amigo Luís, são sempre comoventes os seus textos, sinto neles, verdade e carinho.
    Promessas são para se cumprir, mas esta deve ter sido bem difícil :)

    um beijinho e bom fim de semana

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  29. Seria muito difícil amigo Luís fazer uma promessas dessas, pois com certeza ficaria sem poder cumpri-la, mas ao invés disso pediria com toda a minha força e fé para conseguir a graça que estaria precisando.
    Sei que não é necessário fazer sacrifícios para se obter a graça, basta acreditar e ter verdadeiramente fé

    Abraços
    Rafael

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  30. *Meu Deus !!! Os pais deviam poupar os filhos ! Estes deveriam ficar com os avós e os pais que sofressem

    para pagar a promessa !!! Fiquei com dó dos miúdos !!! :(((

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