A manhã corria silenciosa. O dia não era de muito Sol, mas não chovia.
O telemóvel quebrou
o silêncio.
Alguém apareceu
inesperadamente. Aquela voz que lhe invadia a casa estragou-lhe o dia e ainda os dias
seguintes.
Começou um dialogo ou talvez um monólogo, pois só falava do outro lado.
O tio Luís estava
abismado, mas os telemóveis são assim - descarados e muitas vezes inoportunos.
Ainda assim conteve-se para não lhe responder à letra.
Ainda assim conteve-se para não lhe responder à letra.
Finalmente perguntou-lhe:
- Afinal diz-me o que é
que tu queres? Não te adianta tanto azedume.
- Podes chegar aqui ao
pinhal das Enxurgueiras?
- Claro, daqui por alguns
minutos lá estarei.
"Quem não deve não teme" - diz o povo.
"Quem não deve não teme" - diz o povo.
O tio Luís, ao contar a
história, começou a moderar a voz. As cores do rosto empalideceram. Parecia que
se engasgava. Muitas palavras ficavam por dizer.
- Tenha calma tio.Tudo
se resolve. Conte-nos lá o que lhe aconteceu?
- Quando cheguei ao
pinhal, continuou, já lá estava o proprietário do outro pinhal confinante e que havia feito o telefonema. O homem parecia desvairado.
- Aqui nunca conheci marco. Enquanto falava começou a arrancar as pedras que serviam de marco e a jogá-las para o
meio do mato.
- Alto aí! Não mexes em
mais nada, disse-lhe o tio Luís. Se não conhecias, perguntavas. Esse marco
sempre esteve aí desde os tempo dos teus pais e dos meus.
O outro nem ouviu nem deu
razão às palavras e às provas existentes no terreno. Arrancou as restantes pedras
a que os antigos chamavam "testemunhas" e que eram colocadas
lateralmente junto à pedra central, jogando-as também pelo pinhal.
- Arrancar um marco é
crime. Sabias?
Estás a criar uma guerra
entre nós e nunca saberás como vai acabar.
Estavam sozinhos. Não
havia testemunhas. Tive medo de ser também agredido. Abandonei o lugar. Aquele vizinho parecia um demónio vivo...
Mais tarde e com
testemunhas voltámos lá.
O confinante arrancou o marco cavou o terreno, eliminando todas as provas do marco e outros sinais do terreno.
- Calma aí tio. Não se
enerve mais, dissemos-lhe.
Esse fulano não presta. Perdeu o juízo e a razão.
Uns metros de terreno não
fazem a diferença, nem valem que um homem se enerve dessa maneira.
- Aquilo que mais me custa, disse, é a falta de respeito pelos mais velhos e a falta de princípios morais.
- Aquilo que mais me custa, disse, é a falta de respeito pelos mais velhos e a falta de princípios morais.
Sempre se ouviu dizer:
«Onde existem marcos, não
existem dúvidas»
Quando lhe disse para recolocar tudo como estava respondeu:
- Não senhor, não ponho estas pedras aí nesse lugar. Foste tu que arrancaste os marcos.
Cada vez se encrespava
mais como se isso lhe conferisse razão.
- Olha bem para o que
fazes e o que dizes. Não tens razão para fazeres isto. É uma vergonha para as
nossas famílias.
Acabaste de arrancar o
marco e agora culpas-me a mim? Certamente não estás bem da cabeça.
- Sempre cortei o mato
aqui deste lado, disse ele, convencido que isso lhe dava direito a uns metros
a mais.
- Se cortaste o mato aqui
deste lado foi porque não respeitaste nem os marcos nem os vizinhos, mas isso
não te dá razão nem justifica os teus actos.
Que Deus nos livre dos
gananciosos e dos loucos, concluiu o tio Luís, com um ar triste e pensativo.
E nós acrescentámos:
- Não foi exemplo nem
ensinamento que os pais lhe tivessem dado. Eram pessoas de bem, concluíram. Mas no olhar do tio desenhava-se uma tristeza muito grande.
Luíscoelho
Luíscoelho
Outubro/2014