Depois da ceia, sentavam-se à volta
da lareira. A família era numerosa, mas cabiam todos fazendo um círculo
maior.
Os pais protegiam os mais pequenos de
modo que se aquecessem, sem se queimarem.
A vivacidade do lume e as labaredas
eram um convite para um serão agradável. As chispas e as sombras criavam muita
magia em todos os olhares.
No fim do serão, deixavam de
alimentar a fogueira até que ela esmorecia no calor e nas sombras. Os mais
velhos diziam:
- Quem não poupa a água e a
lenha, não poupa nada que tenha.
Antes de se deitarem, juntavam
todo o braseiro para um monte cobrindo-o com a cinza que houvesse,
evitando o perigo de incêndio. Por outro lado, as brasas maiores conservavam-se
acesas até ao amanhecer.
Na manhã do dia
seguinte, desfaziam aquele monte de cinzas, procurando as brasas que
estivessem ainda acesas. Acrescentavam-lhe alguma caruma seca para
reacender a fogueira. Não existiam fósforos nem isqueiros.
Ouvi contar que era frequente irem
pedir lume, algumas brasas, a casa dos vizinhos. Era um gesto
simples, mas de muita valia. Todos precisavam da fogueira para cozinharem
os alimentos e para se aquecerem.
Alguns dias acabava-se o
pão: A tradicional broa de farinha de milho. Nestas
ocasiões, iam pedir por favor, um pão emprestado para se remediarem. Mais tarde, quando coziam a sua fornada,
retribuíam-no. Ninguém recusava um pão, ou apenas parte
dele, para ajudar os vizinhos. Hoje são eles, mas amanhã poderemos ser nós, diziam.
Para passar o tempo ao
serão, faziam-se jogos ou contavam-se histórias. Algumas
vezes sobre acontecimentos da vida na aldeia e outras
vezes, eram contos de bruxas, fadas ou coisas diabólicas que deixavam
os mais novos arrepiados de medo.
Recordo aquela história dos
tesouros escondidos num terreno do avô Carnide. Situava-se logo a seguir à
Quinta do Paul, na encosta das Picotas e antes da pedreira do
gesso. Era um terreno árido e arenoso.
Na parte mais alta, havia uma
nascente natural. Então, escavaram um lago que se enchia da água dessa
nascente. O lago tinha cerca de oito metros de comprimento por quatro de
largura e um metro de profundidade.
No Inverno a água corria por um
regato até ao ribeiro do Paul, mas no Verão era toda aproveitada para
regar os canteiros de milho, feijão ou abóboras.
Esta água era sorteada por mais dois ou
três confinantes uma vez que a Quinta foi dividida pelos herdeiros. Uns dias da
semana regavam uns e nos restantes dias regavam os outros.
A água era tirada à picota. Um engenho
que funcionava como uma balança. Era um madeiro
comprido, de quatro ou cinco metros, assente num eixo de uma estaca
colocada verticalmente. Na ponta desse madeiro colocavam uma vara
comprida onde se engatava o balde e na outra ponta ajustavam o
contrapeso, uma pedra.
A pessoa que puxava a picota colocava-se num andaime, estrado de
madeira, colocado por cima da água do lago. Puxava a vara e enchia o balde
em baixo. Depois puxava para cima com a ajuda do contrapeso e despejava-o num tabuleiro de madeira que
corria para a terra. O ritmo tinha de ser certo.
Havia uma lenda sobre uns fantásticos tesouros enterrados naqueles
terrenos.
Contava-se que naquelas encostas
viviam mouras encantadas. Foram Princesas que fugiram dos seus palácios e dos
seus países, e vieram ali esconder-se. Com elas trouxeram os
seus tesouros. Morreram por desgosto de amor, mas os
seus espíritos continuam por ali, junto das suas riquezas.
Foi há muitos, muitos anos, mas nas noites
de luar ainda se viam brilhar aquelas jóias, pedras preciosas de
todas as cores, correntes de ouro, e vestidos
lindamente bordados com brilhantes.
Diziam que nas noites de lua
cheia, perto da meia-noite as jóias brilhavam ainda mais. Parecia
o nascer do Sol naquelas encostas. Elas, ainda apaixonadas, mostravam as suas
riquezas ao luar. Depois, lentamente, tudo ia desaparecendo e as lindas mouras adormeciam em silêncio.
Nunca ninguém
conseguiu aproximar-se naquelas horas. Talvez por medo, quem
sabe...
As pessoas que durante o dia trabalharam as terras nunca encontraram qualquer tesouro, nem uma simples
moeda.
A água da represa continua a
correr silenciosa pelo regato.
Os mais antigos diziam que aquela
nascente eram as lágrimas das infelizes mouras que choravam dia e noite o seu
desgosto de amor.