segunda-feira, 28 de março de 2011

O Baloiço

  


(fotos do google)


Nunca fomos meninos de ter grandes brinquedos, mas sempre tivemos muita imaginação. Todos juntos fizemos coisas que os mais velhos ficavam de olhos arregalados. Alguns exclamavam mesmo: - Como é que eles conseguem inventar estas coisas... ? 

Havia as carretas, os arcos, os piões, as fundas, as ventoinhas feitas com as cascas dos eucaliptos e tantas coisas que nos deixavam viver e sonhar na mais perfeita liberdade. Não era fácil trabalhar um pau apenas com uma faca, um serrote de mão ou um simples podão.


Imaginávamos os brinquedos e tínhamos de lhe dar forma com as ferramentas que havia cá em casa. Devíamos redobrar de cuidados para não nos magoarmos, pois algumas ferramentas eram muito perigosas.


No final parecia-nos que os nossos piões rodopiavam mais e melhor do que aqueles que os pais dos nossos amigos lhes compravam na feira.



                                                                                        



Um dia pensámos em construir o nosso baloiço. 

Encontramos uma corda e demos início ao projecto. Nem pensámos duas vezes. 
Fomos para um barracão grande ao lado da casa. Havia lá um sótão de madeira velha e desconjuntada que servia para guardar o feno para os animais.


Subímos por uma escada e procurámos o melhor sítio para passar a corda por um dos muitos buracos existentes entre as tábuas. Depois amarrámos uma travessa de madeira na corda de modo a que a mesma aguentasse o nosso peso quando tudo estivesse pronto.


Em baixo os outros ferviam de expectativa. Todos queriam experimentar balouçando-se na corda suspensos apenas pelas mãos. Hoje lembraríamos o Tarzan na selva africana, saltando entre as árvores.
Concluímos o trabalho atando na outra ponta da corda e cerca de trinta centímetros do chão, outro pau redondo, onde nos sentávamos com a corda no meio das pernas. 

Foram momentos de loucura. A fila de espera mantinha-se sempre renovada. Os que saíam do baloiço iam para o último lugar. Quem tinha a missão de empurrar eram os que aguardavam a próxima viagem no pendular.

Dado este baloiço funcionar apenas com uma corda acontecia muitas vezes começarmos a rodopiar perdendo o equilíbrio. Tínhamos mesmo de pedir ajuda para não cair para o lado de cabeça tonta.

Um dos mais velhos pensou em pedir uma outra corda para equilibrar o baloiço. Aquilo com duas cordas seria muito melhor. Foi uma descoberta maravilhosa. Estávamos encantados... Já não andava tantas vezes à roda.

Foram dias de encanto numa algazarra muito grande, mas a grande descoberta ainda deveria acontecer que era aproveitar o balanço do corpo e das pernas para fazer andar o baloiço por mais tempo sem ter de pedir ajuda a ninguém. 


Por vezes, o pai, tirava um pouco do seu tempo para nos aperfeiçoar os brinquedos. Isso era muito  importante. Ele conseguia deixar tudo tão perfeito e seguro e acabava por nos dar as melhores lições de vida. 


- É preciso lutar sempre por alguma coisa que se deseja e todos os dias retocar as arestas para aperfeiçoar as nossas conquistas.
- Não precisamos de fazer muitas coisas, mas aquilo que fizermos que seja perfeito. Nesse tempo nem sempre compreendíamos o alcance destas frases, mas hoje reconhecemos o seu valor. 
Luíscoelho

sábado, 19 de março de 2011

Aos meus filhos


Embarcamos na vida
Imagem do Blogue da Maria - Divagar sobre tudo um pouco


Fui filho
Sou pai
Amei muito
Recebi amor
Muito carinho
Fui respeitado.
Quero dar
Retribuir
Sem reservar,
Quero sorrir
Compreender
E perdoar,
Quero viver
Abraçar
Estar presente
No vosso olhar
E na vossa liberdade
Ser partilhado
Luíscoelho

domingo, 6 de março de 2011

Doem-me as palavras

Doem-me as palavras que não disse
As que guardei apenas para mim
As que adormeci no calor do peito
Embrulhando-as num sono sem fim
Procurando que jamais alguém as visse


Doem-me as palavras que guardei
Querendo que elas nunca te ferissem
Calei-as no silêncio que há em mim
Tive medo que ferido elas saíssem
E te ferissem mais a ti do que de mim


Recordo as outras que te disse
Quando me apertavas nos teus braços
Ou adormecias no calor do meu regaço
Revivo em cada dia aqueles traços
Que formavam a energia destes laços


Amordaço as saudades na garganta
Tenho medo de soltá-las  magoadas
Prefiro tê-las frescas na lembrança
Do que soltas sejam garras afiadas
Esquecendo tanto amor e esperança.
Luíscoelho

terça-feira, 1 de março de 2011

A Barraca dos Verdeiros

Foto de Luís Coelho junto da saída norte para Leiria da A17

O Avô Carnide era um lutador. Nesse tempo viviam apenas da agricultura. Era preciso não apenas trabalhar, mas saber trabalhar. Ser orientado e engenhoso para conseguirem ultrapassar as dificuldades de cada dia. Saber aplicar os magros rendimentos valorizando-os.

A profissão do avô era a de Carpinteiro. Ainda conservo algumas das suas ferramentas que são testemunho dessa actividade. Porem fazia a sua agricultura como todas as pessoas aqui da aldeia.


Quando havia coisas que não precisavam, iam às feiras vendê-las e guardavam parte desse dinheiro. O mesmo acontecia quando vendiam uma ninhada de leitões ou um vitelo.
As feiras eram um modo de trocarem os seus produtos e ao mesmo tempo de poderem amealhar alguns escudos.

A avó Emília, tratava da casa e das refeições, alem de cuidar dos animais domésticos. 
Mulher muito activa e dinâmica. Era sempre a primeira a erguer-se da cama.
No escuro do seu quarto vestia-se e descalça caminhava para a cozinha.

Ajoelhada no chão da lareira, remexia a cinza para  encontrar o brilho das brasas escondidas. Juntava-lhe algumas carumas secas e soprava até que se acendessem. A luz da fogueira era o que mais precisava em cada manhã.

Juntava alguns paus secos e aconchegava o calor à panela de ferro.
Do outro lado da fogueira, colocava ainda o púcaro de barro ou a chocolateira cheia de água.
Não corria, mas todo o trabalho acontecia numa cadência certa.

As filhas, deitadas no quarto ao lado da cozinha, podiam ver-lhe o brilho dos olhos e ouvir-lhe a surdina das suas orações. Relembrava todos os Santos da sua devoção. 
Aumentava o coro das suas suplicas a Santo Amaro e Santo António, Santo Ildefonso, São Silvestre, São Bento e todos os santos do Reino dos Céus e da Glória de Deus.

A todos suplicava que lhe guardassem a família, os animais, a casa e que a ajudasse neste novo dia. Que os livrassem das tentações do demónio e dos espíritos malígnos.
Depois continuava os pedidos por alma dos seus - pais, avós, tios e parentes.
Eram muitos Pai Nossos e Avé Marias  e no final repetia: - para que descansassem em paz.- Amem


Havia uma oração que me ficou gravada e que ela sempre dizia no final:
Estas orações são poucochinhas e mal rezadas, que o Senhor as aceite por muitas e bem rezadas. 

Quando surgissem no horizonte os primeiros fios de luz já teria acordado os filhos. «É de manhã que se começa o dia»  Todos tinham de trabalhar.
Até que a sopa da manhã estivesse pronta cada um tinha tarefas a cumprir. Tratar das vaquinhas e alimentá-las ou rachar alguns cepos de pinheiro transformando-os em cavacas para se aquecerem à noite à lareira.

Não havia diferenças entre rapazes e raparigas. O trabalho era dividido por todos.
Muitas manhãs iam com a sachola às costas mondar as suas hortas ou a fazer novas sementeiras naqueles cantos onde a charrua e as vaquinhas não passavam.
Era preciso podar as videiras e limpá-las das raízes que nasciam para fora da terra - ladroeiras. Era necessário cavar a terra e adubá-las.

As raparigas eram tratadas como os rapazes e faziam os mesmos trabalhos. Nas encostas pedregosas das vinhas cavavam a terra lado a lado com os homens lá da terra e dos moçoilos cheios de energia. 
Na monda do milho faziam grupos e alinhados lá iam sachando as plantas e cortando as ervas daninhas. Nunca se deixavam ficar atrás dos homens mais fortes.

Nos primeiros anos de casados, os Avós, compraram alguns terrenos na Junqueira, junto à ribeira dos Conqueiros. Já lá tinham duas courelas, a que somaram mais algumas emparcelando-as num a propriedade única.

Eram terrenos pantanosos, mas era lá que cortavam a erva verde para alimentar as vaquinhas no Inverno. No fim do Verão, quando começavam as colheitas, traziam também muitos carros de espigas de milho e de feijão seco. Era uma várzea fresca e verdejante todo o ano. 

Limparam as valas para drenagem do terreno e alargaram o caminho que estava demasiado apertado pelos amieiros e os choupos que o ladeavam. 

Uns anos mais tarde compraram outros terrenos que estavam em pousio no sítio dos Verdeiros.
Desbravaram-nos e plantaram aí as suas melhores vinhas. 
Os Verdeiros ficavam logo a seguir à Junqueira, apenas uns metros mais a Norte.
Passavam ali muitos dias completos e só regressavam a casa já de noite. Era necessário construírem lá, um abrigo para eles e os seus animais. 

Nos terrenos a nascente, construíram uma casa térrea, feita com adobes. (barro amassado e apertado numa forma de madeira que depois  era seco ao sol.
A barraca estava dividida por um patamar de madeira separando os animais das pessoas. 
Era aqui que se refugiavam nos dias de chuva e frio ou ainda para descansarem e dormirem a sesta nos dias de muito calor.

Estes terrenos foram divididos em talhões  de nascente para poente, por valas para drenagem. Cinquenta metros de largura por cem de comprimento, aproximadamente.

Por morte do Avô Carnide cada um dos quatro filhos herdou dois talhões. Cada um tratava o melhor que podia e sabia da sua vinha para que fosse a mais bonita de todas.
Aqueles terrenos, onde se colheram belos cachos de uvas fazem hoje parte integrante da A 17.
Expropriaram e pagaram a dois euros o metro para construírem a autoestrada.
A Barraca dos Verdeiros desapareceu da paisagem e da história da nossa família. 
Luíscoelho

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