
(foto de António Nunes FacebooK - 20/12/2013)
Era
cedo ainda. A manhã acordava fria.
A mãe
cuidava das coisas na cozinha sem fazer barulho. Não desejava por nada deste
mundo que a canalha acordasse. Roubavam-lhe espaço para poder trabalhar e
enchiam a casa de perguntas a que não sabia responder.
Sem
saber como, eles apareceram. Descalços e desagasalhados vieram todos para a
cozinha.
- Meninos
ide dormir e deixai-me trabalhar.
Gostava
tanto de poder estar mais tempo na caminha, sem ter de suportar este frio que
me corta as mãos e o rosto...
-Oh
mãe, agente quer ficar aqui ao pé de ti...assim…e aninharam-se todos três em
cima de um banquito de madeira, colados à parede. Ela deixou de ter força para
os enxotar.
- A
nossa vida é dura, continuou a mãe. Tenho de deixar tudo pronto até à hora do
pessoal chegar. Hoje temos um rancho de pessoas que vem pagar tempo. Vão sachar
(mondar) o milho para a Lagoa d'Água.
Precisam
de levar o farnel e um pouco de vinho e água. Não posso perder tempo...
Os
olhos dos garotos tornaram-se maiores e as perguntas vinham assim sem querer...
"Pagar tempo"?
O
clarão da fogueira iluminava a casa.
-
Diz-nos lá o que é essa coisa de pagar tempo...?
Nunca
ouvimos isso e o tempo é sempre o mesmo... Ontem, hoje ou amanhã. Nós não
podemos pegar um pouco de tempo e dar-to para pagar o mesmo tempo...
- Mãe
disse o mais velho, gostava muito de poder pagar-te o tempo que gastas connosco.
-
Eu também, eu também. Disseram os mais novos sem entender essa coisa
de pagar tempo...
- Vocês
lembram-se dos dias desta semana que fui trabalhar para outras pessoas. Hoje
essas pessoas vêm retornar o tempo que eu trabalhei para elas. Não recebo nem
pago. Fazemos apenas uma troca.
Algumas
pessoas, hoje, vêm ganhar tempo. Depois terei de ir para elas outro dia pagar
este tempo. Um dia vocês vão entender. - Há, pois...agente também
vai trocar tempo...Não vai mãe?
- Quem
sabe se vocês um dia poderão fazer o mesmo que nós. Tudo nesta vida
se transforma.
A mãe
quase nem olhava para eles. Continuava os seus trabalhos numa ordem que vinha
do seu interior. O ritmo era intenso. Punha mais uma cavaca debaixo da panela
ou via o tempero. Contava os talheres e os pratos para que não faltasse
nada.
Depois
começou a meter tudo, muito arrumado, dentro da poceira, cesto grande de vime.
No
final parou e disse:
- Agora
tenho de colocar aqui o tacho com as batatas e a carne guisada. As outras
coisas vão no fim, por cima ou dos lados.
Sentados
no banco os cachopos observavam tudo atentamente. Gostavam de fazer mais
perguntas mas não queriam aborrecer a mãe.
- Nós
também vamos ajudar. Vamos ganhar tempo...
Vocês
já gastaram muito tempo com as nossas coisas, não foi?
Os
olhos da mãe ficaram parados. Brilharam mais que o fogo da lareira, mas não
disse nada. Olhou-os a todos com tanta ternura que não saiu uma só palavra.
Mais
tarde ouviram-na comentar com o pai:
- Não
sei onde é que estes garotos vão buscar estas coisas...parece-me que não são
conversas da idade deles...
Que
Deus guarde e proteja sempre os nossos meninos.
Luíscoelho
Dezembro/2013