domingo, 19 de junho de 2011

Agosto


(foto google)


As férias do Verão eram sempre nos meses de Julho, Agosto e Setembro. Não havia Colónias de Férias nem outras organizações para ocupar algum tempo às crianças.
Afinal, eram apenas férias escolares, porque no restante eram tempos pesados demais para elas.


Os pais obrigavam-nos a levantar-se ainda mais cedo e a seguirem com eles para os campos onde lhes exigiam tarefas duras e cansativas. 
Uma destas tarefas era a de tocar os bois à nora. 


Quase todos os dias, de manhã e à tarde, atrelavam as vaquinhas a um madeiro comprido e que estava ligado à nora do poço. Durante duas horas ou mais, andavam seguindo o passo dos bois, sem nunca os deixar parar, fazendo a nora girar, puxando a água do fundo do poço.


Não havia sombras. O Sol e o calor parece que os enlouquecia. Não havia electricidade nem moto-bombas. Toda esta tarefa era para regar a horta e o milheiral que sem água secavam.
Andavam mecânicamente. Enxotavam as moscas e os moscardos que vinham dos animais para eles. Era uma luta desigual. Aqueles insectos levantavam voo, mas voltavam logo ao mesmo sítio. Eram às dezenas e as ferroadas doíam.


Alguns dias, ficavam em casa entregues a si próprios e embora lhes fossem dadas tarefas para fazer, ainda tinham tempo para as suas brincadeiras.
Nesses dias, ouvíamos os gritos de alegria dos filhos do Carraceno. Viviam um pouco mais acima do nosso lugar. Eram muitos e também muito traquinas.


A mãe dizia que eles eram bons até a comer e que nem era preciso servi-los. Sozinhos procuravam a panela da sopa e comiam até haver.
Muitas tardes dava gosto vê-los brincar. Eram as corridas a pé pela estrada fora.
- Vamos ver que chega primeiro !.........


Nessas horas, eles eram os donos de toda a estrada da Ameixoeira até ao Casal.
Havia pouco movimento. Quando ouviam o som de uma motoreta ou de algum carro, saltavam como pardais para a beira da estrada e outras vezes pelos terrenos laterais.   


A eles juntavam-se alguns primos e ainda a vizinhas. As filhas da Maria Freira.
Quando faziam aquelas procissões religiosas, tudo era levado muito a sério. Tinham uma imaginação prodigiosa. Uma boneca de trapos servia de santa e para a  transportar arranjavam quatro paus compridos com uma tábua no meio deles.


Com duas canas armavam uma cruz. Depois organizavam o cortejo com os voluntários. Um transportava a cruz e dois levavam o andor, como se fosse uma padiola.
Havia ainda os pagadores de promessas. Seguiam descalços  e outros de joelhos, mas o melhor eram os cânticos religiosos. 


As meninas sabiam tudo de cor e cantavam a plenos pulmões. Por vezes desafinavam, mas ainda assim, mantinham um compasso que lhes dava satisfação.
Depois de darem a volta pelas quatro casas ali em perto, regressavam ao ponto de partida.

Eram tardes em que reinava a imaginação e nem o calor sufocante os separava da brincadeira.
Mais tristes eram os funerais que improvisavam com um sapo ou outro animal que apanhassem.
Não havia cânticos, mas havia sempre que chorasse pelo morto chamando-lhe nomes queridos.


Caminhavam atrás da cruz e do caixão ora rezando ora chorando em direcção ao milheiral que servia de cemitério.
Os sinos eram feitos com canas verdes que atavam ao pessegueiro. O som saía da garganta a plenos pulmões - dalim...dalão... mais rápido ou vagaroso conforme a inspiração.
Eram tardes de plena actividade.

A procissão fez tudo o percurso. Quando abriram as duas telhas de canudo (telha romana), para o adeus final ao morto, o sapo saltou assustado e eles acabaram todos numa risota pegada.
Mais um que saltou para a liberdade.


Uma vez, a história foi pior. O Henrique, lembrou-se de brincar aos carvoeiros.
Faziam montinhos de ervas secas e cobriam-nos com terra. Depois pegavam-lhe fogo com um fósforo.  Ninguém sabe como, mas o palheiro que estava próximo começou a arder e foi uma confusão muito grande.


O palheiro eram grandes montes circulares de feno seco, colocado à volta de um pau que podia ir até aos quatro metros de altura por dois metros de circunferência.  Era um método tradicional de guardar a palha para alimentação do gado ruminante - bois, ovelhas ou o burro.


Vieram todos os vizinhos com pás e baldes de água para apagar o fogo.
A Avó gritou quanto pode por socorro e as chamas fizeram o resto.
Juntou-se ali quase toda a freguesia. 
Nunca mais os vi brincar aos carvoeiros. Esta foi uma lição que os marcou muito.


O pior estava para vir. 
O pai iria castigá-lo severamente.
Então, a mãe pediu para os tios esconderem o Henrique, lá em casa, até que o pai arrefecesse o mau humor. Era fácil bater-lhe e deixar-lhe marcas muito grandes. O pai quando batia tinha as mãos muito pesadas e facilmente descontroladas.
Assim aquela dor passou ao pai e ao filho bastou-lhe o susto que sofreu sem querer.
Luíscoelho