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Amanheceu lentamente, acordando-nos num frio suave. Era Primavera. Estávamos a chegar à festa da Páscoa.
Nesta manhã deixaram-nos dormir mais tempo. Eram férias e era Sexta Feira Santa.
As rotinas aqui em casa eram sempre as mesmas. Apenas o Domingo seria diferente.
Comemos um prato de sopa quente.
- Comam meninos! Hoje é dia de jejum. Ninguém comerá mais nada até ao almoço, avisou a mãe.
Pelo aviso percebemos que não seria o dia indicado para as nossas birras de momento: - "não gosto disto".......
As palavras da mãe foram num tom de grande severidade e ainda num misto de respeito pela morte de Jesus. Era preciso fazer algum sacrifício e penitência.
Pareceu-nos bem comer mesmo sem gostar. Estes dias de jejum eram para cumprir.
Não podíamos correr o risco de ser apanhados a procurar um naco de pão na cozinha. Se tal acontecesse, o castigo seria ainda maior que a fome.
Depois de limpar os pratos, saímos para o jardim. Este dia era dedicado a tratar das nossas flores.
O pai, com uma enxada, já havia cavado todo o terreno, deixando os craveiros com um círculo de terra mais alta em toda a volta. Com a pá do sacho, batia nessa terra deixando-a lisa e muito certinha, parecia que lhes tinha construído um grande vaso de barro em toda a volta.
Junto à parede da casa alinhavam-se os goivos roxos e brancos. Na parte lateral eram plantados de novo os malmequeres brancos singelos.
Todos queríamos ajudar. O pai, deu-nos uma faca para limpar as canas e ensinou-nos como trabalhar sem nos magoarmos. Aproveitava aquelas canas que eram mais finas e que não serviam nem para estacas da vinha nem para o feijão verde.
No final quando tivéssemos limpo uma quantidade razoável, ele cortava-as com um serrote de mão, de modo que todas as canas ficassem com o mesmo comprimento.
As canas eram espetadas na terras inclinando-as para a frente e outras incinando-as em sentido oposto o que dava uma cercadura muito bonita.
A alegria e a curiosidade de ver tudo bonito deixava-nos tão entusiasmados que nem se dava conta do avançar das horas.
A mãe na cozinha tinha quase o almoço pronto. Cheirava bem aquela comida feita à fogueira numa panela de ferro.
- O que é o almoço mãe...? Perguntámos quase ao mesmo tempo....
- Hoje vão comer sopa de feijão, com batatas e couves miúdas. São temperadas com azeite.
- Depois podem comer sardinha assada. Não se esqueçam que até à noite não podem comer mais nada. Esta foi a sua última recomendação.
Depois da sopa continuámos o trabalho do jardim.
A mãe pegou numa foice e foi ao campo procurar junco. Era uma planta que crescia nas valas pouco fundas e com pouca água corrente.
Chamou a mana e foram por um carreiro em direcção aos campos do Liz onde havia muitas valas.
A mãe sabia onde procurar o melhor junco.
Voltaram algum tempo depois e cada uma trazia à cabeça um molho daquela verdura. A mana estava feliz por ajudar a mãe naquela tarefa.
O trabalho no jardim estava quase pronto.
O pai pegou num pouco daquele junco e espalhou-o pelo corredor do jardim até à porta de casa.
Agora tudo estava mais bonito. Faltava apenas colher uns ramos de louro e colocá-los nos cantos o que dava um ar de festa a toda a casa.
No domingo, tem de estar tudo pronto, limpo e enfeitado. Recordo aquele cheirinho que se perdia no ar do alecrim, louro e do junco. Toda esta azafama seria para receber a visita pascal.
Atrás da porta, o pai guardava dois ou três foguetes, que lançava logo que o senhor padre saísse de nossa casa com os seus acompanhantes.
Isto funcionava ainda como um código. Pelos foguetes calculava-se a que distância se encontrava o grupo da visita pascal. Os foguetes pelo estalido no ar davam um ar mais solene a este acto que era aguardado com grande ansiedade.
A Sexta-feira Santa era um dia em que não se trabalhava no campo, mas que se tornava agradável pelo convívio da construção do jardim. Chegávamos até a ir ver os jardins dos vizinhos que eram geralmente iguais ao nosso.
Luíscoelho