(foto google)
Simpática Senhora. Tinha uns olhos grandes e sempre sorridentes.
Fazia bolos tradicionais que vendia nas feiras e mercados ou ainda pelas festas populares. Empilhava os bolos dentro de uma poceira trabalhada. Depois cobria-os com uma linda toalha branca com as pontas metidas para dentro da poceira.
O marido ajudava-lhe a colocar tudo à cabeça. Num canto da poceira levava ainda algumas enfiadas de pinhões. Com uma agulha e linha iam enfiando os pinhões formando um colar que as meninas gostavam de pôr ao pescoço. Nas mãos levava ainda uma saca com tremoços curtidos e outra de pevides torradas que vendia a copo ou com uma pequena medida de madeira.
Os dias da Maria começavam muito cedo.
Saía de casa ao nascer do Sol e só voltava quando tivesse tudo vendido.
Percorria distâncias entre cinco a dez quilómetros com o cesto à cabeça e seguindo por carreiros ou caminhos no meio de matas densas e escuras.
Saía de casa ao nascer do Sol e só voltava quando tivesse tudo vendido.
Percorria distâncias entre cinco a dez quilómetros com o cesto à cabeça e seguindo por carreiros ou caminhos no meio de matas densas e escuras.
No mercado, escolhia um lugar e colocava os bolos bem à vista de todos, mas fazia também a sua propaganda comercial:
- Então freguesa não quer comprar um bolo...? São baratinhos...!
- Leve também tremoços ou pevides....São os melhores que se vendem por aqui!
Depois do primeiro negócio benzia-se com o dinheiro e dizia:
- Que nossa Senhora me ajude e que me dê boa venda....
A Maria da Luz gostava muito de falar e quando não tinha assunto, inventava. As mentiras eram tantas e tão grandes que já ninguém acreditava nela.
Umas vezes falava de grandes negócios que fizera e que lhe renderam umas patacas. Outras vezes falava dos seus conhecimentos onde já tinha pedido emprego para os seus rapazes.
Conhecia o Senhor comandante da Base Aérea de Monte Real e os donos dos melhores hotéis das Termas.
- Ah os meus filhos estão garantidos. Tem emprego certo...!
O Chefe da CP (Caminhos de Ferro Portugueses) já me disse que assim que eles façam a quarta classe que os leve lá. Devem começar logo a trabalhar.
- Ai eu nem sei como é que hei-de agradecer a esta gente tão importante.....
- Ai eu nem sei como é que hei-de agradecer a esta gente tão importante.....
- Estou aqui muito preocupada para chegar a casa. Tenho tantas coisa para fazer.......
Mas atacava novamente:
Mas atacava novamente:
- Então e você não sabe que ....e lá começava outra história sem pés nem cabeça....
- Ai o meu homem hoje bate-me ....vendi tudo tão barato...Não havia quem quisesse comprar e eu não queria vir carregada outra vez.....
- Ando aflita da minha espinha, sabe ?
Os médicos mandaram-me ir a banhos para a praia da Vieira, mas como?
Os meus filhos não podem passar sem a mãe.... Talvez para o ano que vem. O meu filho mais velho, se Deus quiser, já vai trabalhar....
Um dia foi à fonte de Santo Amaro buscar água para fazer a ceia. As horas passavam e nada de voltar para casa. O homem estava desesperado e foi bebendo uns copos.
Noite fechada meteu-se ao caminho e foi procurá-la. Encontrou-a já de regresso a casa com a bilha da água à cabeça.
- Olha lá são horas de chegar a casa...? Tu não tens juízo nem vergonha....onde chegas tens que "botar conversa". Nunca te fartas de conversas...
- Oh homem, não me batas. Estive a ajudar o sr Neves a debulhar o milho e demorei mais um pouco. Não havia por lá ninguém para ajudar !
- Oh homem, não me batas. Estive a ajudar o sr Neves a debulhar o milho e demorei mais um pouco. Não havia por lá ninguém para ajudar !
Quando a discussão começou a levantar de tom apareceu um estudante que se meteu à conversa com o marido da Maria da Luz.
Ela, assim que os ouviu falar, sumiu-se com o cântaro cheio de água. Foi para casa e começou a fazer a ceia.
Quando o marido regressou, já lhe tinha passado a fúria. Aquela vontade de partir tudo.
A ceia estava na mesa e tudo acabou bem.
A ceia estava na mesa e tudo acabou bem.
Na semana seguinte, depois de cozer os bolos no forno, escolheu o maior de todos e foi levá-lo de presente ao estudante.
- Isto é para te agradecer. Se não fosses tu ele tinha-me batido! Disse-lhe ela ao chegar.
- Mas não é preciso nada, nem as coisas aconteceram por minha causa.
- Aceita e cala-te que eu é que sei quando ele está bravo.............
Não havia nada a fazer. Ela era mesmo assim. Para tudo tinha pé de conversa e parece que nunca tinha pressa de se ir embora.
Repetia muitas vezes:
- Ai tenho tenho tanta coisa para fazer...nem sei por onde devo começar....e se o meu homem chega a casa primeiro do que eu, vou ter de o ouvir ...ai vou, vou...
O marido da Maria da Luz era um bonacheirão. De quando em vez bebia uns copos mais bastos para esquecer a vida dura que levavam. Cambalhota aqui... cambalhota ali, mas lá ia de regresso a casa. Nestas noites a mulher não lhe dizia nada. Ajudava-o a deitar-se, porque dormir isso ele fazia muito bem.
Morreu ainda novo. Deu-lhe uma coisa. Dizia a Maria da Luz....
Morreu ainda novo. Deu-lhe uma coisa. Dizia a Maria da Luz....
Alguns anos depois, ao anoitecer, vinha ela para casa carregada com a bacia da roupa lavada. Tinha passado a tarde toda no lavadouro público. Lavou a roupa dela e a alma de toda a freguesia.
Nunca se calou enquanto teve com quem conversar.
Depois quando atravessava a estrada nacional 109, foi colhida por um carro. Teve morte imediata.
Nunca se calou enquanto teve com quem conversar.
Depois quando atravessava a estrada nacional 109, foi colhida por um carro. Teve morte imediata.
Cada pessoa da minha aldeia tem uma história dentro de mim. Como as conheci, as vezes que falámos e as suas particularidades. Se pudesse escreveria um pouco sobre cada uma.
Todas contribuíram com as suas palavras e a sua vida para que as recorde hoje com saudade e também o prazer de relembrar as suas histórias.
Luíscoelho
P. S - O final do texto é triste, mas foi assim a vida da Maria da Luz. Foi assim que ela acabou. Poderia ter escolhido outro, mas já não seria a mesma pessoa. Seria outra sem o olhar vivo desta minha vizinha, que naquela tarde dizia que ia tirar a carta de condução. (tinha sessenta anos)
Todos riram e disseram: - essa é branca....xiça...que imaginação....
- É verdade, tão verdade como nós estarmos aqui todos....Juro, juro e juro....
Para ela foi verdade...era assim que via....
Luíscoelho
P. S - O final do texto é triste, mas foi assim a vida da Maria da Luz. Foi assim que ela acabou. Poderia ter escolhido outro, mas já não seria a mesma pessoa. Seria outra sem o olhar vivo desta minha vizinha, que naquela tarde dizia que ia tirar a carta de condução. (tinha sessenta anos)
Todos riram e disseram: - essa é branca....xiça...que imaginação....
- É verdade, tão verdade como nós estarmos aqui todos....Juro, juro e juro....
Para ela foi verdade...era assim que via....
La verdad, no encuentro el traductor. Quizás me puedes informar en dónde está. No lo veo.
ResponderEliminarGracias.
olá amigo, passei para deixar um abraço. ter~e.
ResponderEliminarMeu caro amigo
ResponderEliminarÉ de facto brilhante o seu dom para contar histórias sobre qualquer tema!!! A sua personagem desta história, para além de gostar de conversar, era também muito mentirosa. Normalmente, as pessoas que falam muito têm tendência a inventar. Todos nós conhecemos pelo menos uma Maria da Luz que pode ser um colega de trabalho, um amigo ou mesmo um familiar. Quem é que não conhece pessoas que mmentem por tudo e por nada e que têm a mania das grandezas? Coitadas! Mentem tanto que ninguém as leva a sério mesmo que alguma vez falem verdade. Coitado do mentiroso, mente uma vez mente sempre e ainda que fale verdade, todos lhe dizem que mente.
Obrigado pelas suas histórias. Eu delicio-me com elas.
Meu querido amigo, adorei a história.
ResponderEliminarA maneira como contas me encanta.
Tenha uma linda semana.
Um beijo
Amigo Luís,
ResponderEliminarConheci muitas Maria da Luz.
Quase todas já desaparecidas, infelizmente.
Que gostavam muito do "menino" e que, como tal, levavam os bolinhos, a broa, o pão, acabados de fazer, ainda quentinhos, ao "menino" (só havia um "menino").
Que saudades que eu tenhos desses mimos e desses sabores, Luís...
Lembro-me bem dessas Marias da Luz… Na Nazaré, por exemplo.
ResponderEliminarAo que referes, acrescentavam ainda algum marisco.
Receio no entanto que hoje o “mau da fita” não fosse o marido, mas… a ASAE…
Abraço
João
Mas que bela é a tua capacidade para contar estas maravilhosas histórias.
ResponderEliminarSó quem tenha vivido e sentido a sua terra e as suas gentes de forma muito humana, muito pura e carregada de verdade, é que pode depois escrever histórias com este amor, com este enternecedor enredo e tom quase de fábula.
Um grande e sentido abraço.
Ilustre Romancista Luis Coelho,
ResponderEliminarLi e reli sua adoravel história que tomo como verdadeira.
Quando era jovem havia uma senhora do género da Dona Maria da Luz, era conhecida pela Má Bicho, vendia na praça de Évora e tinha igualmente um esposo do género do da Dona Maria da Luz.
Conheci também uma vendeora de castanhas, a Dona Margarina que durante a estação do inverno, se instalava junto à porta de minha casa e ali exercia seu mister, era viúva, senhora delicada, tinha vindo do norte e por Évora ficou, esta era bem modesta e prestavel, sem filhos, levava uma vida de miséria, vivendo num pequeno barracão lá para os lados do Montinho de Ferro onde meu saudoso pai tinha uma herdade e sempre a ajudava no que podia, bem como a minha saudosa mãe.
Um abraço amigo
Hola Luis,paso a darte las gracias por tu visita a mi casa,asi me has enseñado la forma de llegar hasta ti.Tienes un blog,maravilloso¡me encanta¡.Te mando millones de besos de luz para ti y los que amas.
ResponderEliminarComo sempre meu amigo, belas histórias...abraços de boa semana pra ti...
ResponderEliminarGosto imenso de me deixar embalar pelas histórias contadas de forma cativante.
ResponderEliminarUm abraço Luís
Te dejo cariños y el deseos de una buena semana junto a este pensamiento leído:
ResponderEliminarLo admirable no es que existan las estrellas sino que el hombre haya podido dar cuenta de su existencia.
Anatole Francie
.
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Esta história acabou com um final
ResponderEliminartriste.Ainda bem que a srª. falou
muito enquanto pôde.Mas é bom o
amigo recordá-las.As pessoas
puras deste país.
Um beijinho para si.
Olá,Luís!!
ResponderEliminarNossa, que história!! Uma vida bem difícil desta senhora, que gostava de conversar!Conheço algumas assim!
Um final triste o dela...
beijos pra ti!
Bom início de semana!
Amigo Luís,
ResponderEliminaruma linda história cheia de detalhes. Gostei muito. Acho que todo muito ja conheceu, ou conheço uma Maria da Luz.Obrigada pela leitura. Gostei muito!
Um beijo e ótima semana.
Smareis
Me encantó tu escrito, escribes muy bien, es agradable leerte, aunque el final un poco triste...
ResponderEliminarFeliz semana
Un abrazo
Amigo sonhador, gostei muito da história, pensando que ela fosse arrumar um marido melhor, mas...que final triste.Eu não esperava, viu...
ResponderEliminarQueria que todas as histórias tivessem um final feliz, igual as novelas.
Beijos da Mery.
Olá Luís
ResponderEliminarSuas estórias são emocionantes. Tivestes uma vida rica de acontecimento, e hoje suas lembranças, nos encantam.
Abração
Olá Luís,
ResponderEliminarSuas histórias são sempre ricas de detalhes e muito bem contadas.
Tive uma faxineira que era a própria
Maria da Luz.
Abração.
Dai-me algumas palavras,
ResponderEliminar- porém, somente algumas! –
que às vezes apetece,
pelos jardins da areia,
colher flores de espuma.
Cecília Meireles
Beijos e meu carinho....M@ria
Esta é uma daquelas histórias que eu leio de um fôlego só, e no fim fica-me aquele gostinho de "quero mais"...
ResponderEliminarE depois, como fala de lugares (alguns) que conheci em criança, ainda me agrada mais.
E ainda... a sua maneira de escrever é deveras cativante.
Gostei imenso!
Passe muito bem por cá, e aguarde meu regresso...
Uma semana feliz, (um mês...)e até à volta.
Beijinhos
PS - A bicharada não pode ir de férias comigo. Só uma vez levei o meu cão; agora fica de férias com a minha empregada:)
Um belo dia pra ti meu amigo,,,abraços.
ResponderEliminarTodas as pessoas que cruzam nossa vida deixam as suas marcas, boas ou más, ou simplesmente doces lembranças. E sempre que as recordamos, elas revivem em nós.
ResponderEliminarOlá amigo não sei por que me perdi deste teu caminho, mas agora não perco mais, já está nos meus favoritos, adorei esta história, e não tem que mudar nada, o fim é como é, é história de gente simples, como a Maria da luz, que guerreava com a vida e as suas conversas com certeza era para esquecer uma realidade sofrida e suas mentiras eram suas ilusões que a mantinham com esperança de vida melhor, só tenho que te parabenizar, beijos Luconi
ResponderEliminarUma excelente narração, ao que já nos tens habituado, e que tanto gosto.
ResponderEliminarEsta, tem luz própria. Brilha com todo o seu esplendor pois uma mulher como esta merece bem uma homenagem assim.
Um grande abraço
Adorei a sua Maria da luz. O amigo é um excelente contador de histórias.
ResponderEliminarDiz que a história é real uma vizinha. Todos nós conhecemos gente que dá excelentes histórias. O problema é que são pouquíssimos os que as sabem contar.
Um abraço