Um
sorriso azul brilhava naquela manhã. Era a cor dos seus olhos no dia
do seu casamento.
Suavemente nascia
uma esperança que lhe enchia o peito e criava raízes de uma vida em comum
partilhada com amor e respeito.
Acreditava que a formosura também era felicidade. O noivo era um galã. O cabelo preto e
encaracolado emoldurava-lhe um rosto perfeito num corpo atlético. Tinha
palavras fáceis e respostas prontas. Parecia ser um homem talhado para a vida.
Algum
tempo depois, bem cedo, descobriu as traições. Nem a matemática consegue ser
justa provando as somas ou as divisões das despesas diárias, nem das manhãs
passadas na cama sem vontade de meter as mãos ao trabalho.
Lentamente,
em silêncio, aquele azul foi-se apagando. Agora é a força da mulher que sorrindo
encanta, mas ao mesmo tempo esconde o sofrimento no desfazer dos seus sonhos e
projectos.
A força
do amor abrigava-se dentro de ti, suportando tantos enganos. As pessoas ao teu
redor viam, mas deixavam que fosses tu a decidir os teus projectos, a tua
vida. Ninguém te deu conselhos, nem comentaram esses comportamentos estranhos do
teu marido. Ele parece já ter perdido toda a delicadeza e não vê o teu
sofrimento.
Prometia-te
uma vida dourada. Seria empresário individual e ganharia muito dinheiro, mas
tudo isso não passava de gestos baratos que lhe permitiam viver com toda a
liberdade.
Ele está "na maior". Vive "à grande".
Um carro,
uma moto, telemóveis topo de gama, passeios e muitos sonhos...não sobrou nada e
agora nada funciona sem mais dinheiro.
- Podias pedir ao teu pai ou à tua mãe, disse-lhe num gesto de sem vergonha. Gastámos tudo o que tínhamos. Não sei como fazer
para pagar as dívidas e o empréstimo ao banco. Estou sem clientes...A minha actividade não
resultou.
- Tu
andaste a enganar-me e a viver numa ilusão. Respondeu-lhe.
E
continuou os seus desabafos em tom de lamento.
- Parece
que todos te tramaram a vida, mas foste tu quem nos tramou. Cada dia é ainda
pior. Arranja
emprego. Vai trabalhar. Ainda que o salário seja pequeno será sempre uma ajuda
até que venham dias melhores. Estou cheia de promessas que não passam disso
mesmo.
Em mim
renascem agora sonhos desencontrados de todos os meus projectos e desejos.
Tu deixaste de pensar e de crescer. És uma criança com
necessidades mas sem obrigações.
Pára com
isto e vai trabalhar. É tempo de seres homem. Chega, basta...assim não dá.
Em
resposta ele abraçava-a ainda mais cantando-lhe velhas canções e tentando ganhar espaço e tempo.
- "Não
sejas má para mim"... "Vá lá"...Eu amo-te muito...Só quero que sejas feliz...
Nesta
situação deixou-se engravidar. Aconteceu.
- O nosso
bebé será o encanto dos avós. Será o nosso mealheiro. Será ele que nos vai
ajudar a ser um casal mais forte. Pensava ele, convencido que era um grande
artista.
Dias
depois, ela voltou à carga com novos alertas.
- Amigo
tens de trabalhar. Assim não dá. Não pode ser. Eu ganho pouco e as
nossas despesas são grandes.
Se a ti
ainda te sobra dinheiro para o tabaco e os almoços, a mim falta-me para
as despesas diárias e para criar um lar. "Quem não tem
dinheiro não tem vícios". Começa a organizar a tua vida em vez de culpares
os outros pelos teus erros.
E
continuou:
- És um
homem novo e saudável. O trabalho faz parte do nosso crescimento e realização
pessoal. Os teus sonhos e promessas não te dignificam nem nos matam a fome.
Aquela
cabeça dura não dá sinais de mudança. Para ele tudo está bem. Tudo
se há-de resolver. "Dêmos tempo ao tempo"
Sem
dinheiro para pagar o aluguer da casa mudaram-se para casa dos
familiares.
Agora
acreditava que ele ajudasse nas lides do campo e a cuidar da horta e dos
animais domésticos, mas nem isso ele foi capaz de fazer. Era duro e sujava-se
muito.
Um dia,
sem motivos nem razões, arranjou uma zanga e aproveitou-se disso para
abandonar a mulher e o filho.
Dias e
noites sem vir a casa.
Corajosa,
ela procura-o e enfrenta-o, mas as mentiras continuaram.
Ele
continua a fazer-se vítima.
Ardilosamente
procura que a mulher esteja do seu lado.
Parecia mentira. Cega de amor, ela ia cedendo. É preciso amar a dobrar e desculpar sem
entender...
- Vou dar-te mais uma oportunidade.
Já sei das tuas novas
amizades e também das muitas noitadas...
Ele não
muda, não se emenda nem quer trabalhar.
Já não
sobram espaços para continuar nesta vida de "faz de conta". Hoje
venho dizer-te que já não sei porque aguentei todos estes anos.
- Agora acabou tudo. Quero o divórcio.
Haverei
de conseguir tratar do meu filho e fazer dele um homem. Ainda que passe fome
lutarei para que nada lhe falte e ele nunca se envergonhe de mim, sua mãe.
A vida
continua a dar voltas. Ninguém sabe o lado melhor da vida mas todos sabemos o
lado pior. O sorriso azul já não esconde o seu desencanto nem a dor da última
ameaça do marido.
-
Divórcio ? Só o litigioso.
- Que
pretende este fala-barato?
Um dia, a caminho da escola e vendo as outras crianças com os pais, o menino
disse:
- O meu
pai não me dá nada e agora nem me visita...
Todos os
presentes trocaram olhares interrogativos...
- Olha,
respondeu um deles, mas nós todos gostamos muito de ti e vamos ajudar-te a ser
um bom menino - trabalhador e amigo de todos as outras crianças e de todas as
pessoas.
Anda,
vamos para a frente! "Vamos dar corda aos sapatos" para chegarmos à
escola mais cedo e aprendermos tudo aquilo que precisamos para sermos bons –
pessoas de bem.
Luíscoelho
Agosto/2014