(foto google)
Um
sorriso azul brilhava naquela manhã. Era a cor dos seus olhos no dia
do seu casamento.
Suavemente nascia
uma esperança que lhe enchia o peito e criava raízes de uma vida em comum
partilhada com amor e respeito.
Acreditava que a formosura também era felicidade. O noivo era um galã. O cabelo preto e
encaracolado emoldurava-lhe um rosto perfeito num corpo atlético. Tinha
palavras fáceis e respostas prontas. Parecia ser um homem talhado para a vida.
Algum
tempo depois, bem cedo, descobriu as traições. Nem a matemática consegue ser
justa provando as somas ou as divisões das despesas diárias, nem das manhãs
passadas na cama sem vontade de meter as mãos ao trabalho.
Lentamente,
em silêncio, aquele azul foi-se apagando. Agora é a força da mulher que sorrindo
encanta, mas ao mesmo tempo esconde o sofrimento no desfazer dos seus sonhos e
projectos.
A força
do amor abrigava-se dentro de ti, suportando tantos enganos. As pessoas ao teu
redor viam, mas deixavam que fosses tu a decidir os teus projectos, a tua
vida. Ninguém te deu conselhos, nem comentaram esses comportamentos estranhos do
teu marido. Ele parece já ter perdido toda a delicadeza e não vê o teu
sofrimento.
Prometia-te
uma vida dourada. Seria empresário individual e ganharia muito dinheiro, mas
tudo isso não passava de gestos baratos que lhe permitiam viver com toda a
liberdade.
Ele está "na maior". Vive "à grande".
Um carro,
uma moto, telemóveis topo de gama, passeios e muitos sonhos...não sobrou nada e
agora nada funciona sem mais dinheiro.
- Podias pedir ao teu pai ou à tua mãe, disse-lhe num gesto de sem vergonha. Gastámos tudo o que tínhamos. Não sei como fazer
para pagar as dívidas e o empréstimo ao banco. Estou sem clientes...A minha actividade não
resultou.
- Tu
andaste a enganar-me e a viver numa ilusão. Respondeu-lhe.
E
continuou os seus desabafos em tom de lamento.
- Parece
que todos te tramaram a vida, mas foste tu quem nos tramou. Cada dia é ainda
pior. Arranja
emprego. Vai trabalhar. Ainda que o salário seja pequeno será sempre uma ajuda
até que venham dias melhores. Estou cheia de promessas que não passam disso
mesmo.
Em mim
renascem agora sonhos desencontrados de todos os meus projectos e desejos.
Tu deixaste de pensar e de crescer. És uma criança com necessidades mas sem obrigações.
Tu deixaste de pensar e de crescer. És uma criança com necessidades mas sem obrigações.
Pára com
isto e vai trabalhar. É tempo de seres homem. Chega, basta...assim não dá.
Em
resposta ele abraçava-a ainda mais cantando-lhe velhas canções e tentando ganhar espaço e tempo.
- "Não
sejas má para mim"... "Vá lá"...Eu amo-te muito...Só quero que sejas feliz...
Nesta
situação deixou-se engravidar. Aconteceu.
- O nosso
bebé será o encanto dos avós. Será o nosso mealheiro. Será ele que nos vai
ajudar a ser um casal mais forte. Pensava ele, convencido que era um grande
artista.
Dias
depois, ela voltou à carga com novos alertas.
- Amigo
tens de trabalhar. Assim não dá. Não pode ser. Eu ganho pouco e as
nossas despesas são grandes.
Se a ti
ainda te sobra dinheiro para o tabaco e os almoços, a mim falta-me para
as despesas diárias e para criar um lar. "Quem não tem
dinheiro não tem vícios". Começa a organizar a tua vida em vez de culpares
os outros pelos teus erros.
E
continuou:
- És um
homem novo e saudável. O trabalho faz parte do nosso crescimento e realização
pessoal. Os teus sonhos e promessas não te dignificam nem nos matam a fome.
Aquela
cabeça dura não dá sinais de mudança. Para ele tudo está bem. Tudo
se há-de resolver. "Dêmos tempo ao tempo"
Sem
dinheiro para pagar o aluguer da casa mudaram-se para casa dos
familiares.
Agora
acreditava que ele ajudasse nas lides do campo e a cuidar da horta e dos
animais domésticos, mas nem isso ele foi capaz de fazer. Era duro e sujava-se
muito.
Um dia,
sem motivos nem razões, arranjou uma zanga e aproveitou-se disso para
abandonar a mulher e o filho.
Dias e
noites sem vir a casa.
Corajosa,
ela procura-o e enfrenta-o, mas as mentiras continuaram.
Ele
continua a fazer-se vítima.
Ardilosamente
procura que a mulher esteja do seu lado.
Parecia mentira. Cega de amor, ela ia cedendo. É preciso amar a dobrar e desculpar sem
entender...
- Vou dar-te mais uma oportunidade.
Já sei das tuas novas amizades e também das muitas noitadas...
Ele não
muda, não se emenda nem quer trabalhar.
Já não
sobram espaços para continuar nesta vida de "faz de conta". Hoje
venho dizer-te que já não sei porque aguentei todos estes anos.
- Agora acabou tudo. Quero o divórcio.
Haverei
de conseguir tratar do meu filho e fazer dele um homem. Ainda que passe fome
lutarei para que nada lhe falte e ele nunca se envergonhe de mim, sua mãe.
A vida
continua a dar voltas. Ninguém sabe o lado melhor da vida mas todos sabemos o
lado pior. O sorriso azul já não esconde o seu desencanto nem a dor da última
ameaça do marido.
-
Divórcio ? Só o litigioso.
- Que
pretende este fala-barato?
Um dia, a caminho da escola e vendo as outras crianças com os pais, o menino disse:
- O meu
pai não me dá nada e agora nem me visita...
Todos os
presentes trocaram olhares interrogativos...
- Olha,
respondeu um deles, mas nós todos gostamos muito de ti e vamos ajudar-te a ser
um bom menino - trabalhador e amigo de todos as outras crianças e de todas as
pessoas.
Anda,
vamos para a frente! "Vamos dar corda aos sapatos" para chegarmos à
escola mais cedo e aprendermos tudo aquilo que precisamos para sermos bons –
pessoas de bem.
Luíscoelho
Agosto/2014
Maravilhoso,Luis! E tantas vezes tão real! Ainda bem que ela foi corajosa e forte e agora pode contar comn a ajuda da família que amparará também ao neto...Tão e tão real meeeeeeeesmo!!! abração,chica
ResponderEliminarUma bela história verdadeira!
ResponderEliminaras crianças são inocentes sem maldade
promessas de amor para a vida inteira
ditas por quem não ama de verdade!
Promessas de bem falante!
o pobre fica desconfiado
quando a esmola e grande
diz o ditado...
Bom fim de semana para você amigo Luís,
muita saúde, paz, amor e carinho e muita alegria.
Um abraço.
Uma bela e comovente história, amigo Luis!
ResponderEliminarA vida deste casal, que deveria ser de uma comunhão e uma partilha constantes, passou a ser uma caravana de desilusões
O vitimismo do marido, que cada vez o fazia mais débil, acabou por deixá-lo fora de jogo. Só via o que queria ve,r embora a mulher o tivésse alertado para isso.
Assim, ela decidiu, com fôlego renovado, encarar a vida, seguir em frente, protegendo assim o seu filho.
Um abraço,
Jorge
Luis, é uma crónica dos dias de agora
ResponderEliminarTemo que não haja resposta na escola...
A professora, a directora a contínua,
passam por igual sina...
Fossem todas as mulheres assim, de atitude tão firme - mesmo depois de ter dado tantas oportunidades ao marido - muitos momentos de brigas, tristezas e humilhações não ocorreriam na vida de muitos casais. Você retratou com grande perfeição, o que presenciamos em muitas famílias à nossa volta...(conheço tantas!)..Quando envolve filhos, mais razão para a mulher tomar atitudes dessa natureza, quando o marido comete tantos "deslizes", como o personagem dessa história tão bem estruturada, tão realista...
ResponderEliminarMeu abraço, Coelho.
Situações familiares que se repetem todos os dias.
ResponderEliminarInfelizmente é a vida de muitas mulheres. Fica-se com um nó no estômago ao ler histórias como esta...
ResponderEliminarCaro confrade luis!
ResponderEliminarEsta mais imperdível crônica de sua lavra trouxe à baila o drama de uma mulher amorosa e destemida, que tentou manter um casamento fadado ao fracasso por conta do fato do marido ser um desalmado.
Felizmente esta mãe valorosa tomou uma decisão corajosa - deu um basta - e rompeu o vínculo matrimonial.
Caloroso abraço! Saudações divorciadas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver
Oi luis,
ResponderEliminarMocinha ingênua a do seu conto, fosse eu na primeira traição dava-lhe uma panelada na cabeça e mandava-lhe caçar tatu sozinho. Largava separava desse imprestável, casava com outro e ia viver minha vida feliz
Beijos
Lua Singular
~
ResponderEliminar~ ~ Olá, Luís.
~ ~ As tuas narrativas são sempre emocionantes!
~ ~ A de hoje é muito triste e está acontecendo frequentemente, nos dias de hoje
.
~ ~ Por um lado, temos os que aceitam qualquer trabalho para seu sustento. Sei de licenciados que estão a servir à mesa, na construção civil e a fazer trabalhos de eletricista. Muitos deles batem à minha porta, a distribuir panfletos-- só ganham se venderem.
~ ~ Por outro lado, temos os que se recusam a investir em trabalhos a que não estão habituados. Sei o caso de um sujeito que passa as tardes numa esplanada a bebericar, porque achou que ser segurança era uma vergonha. Vive à custa da mãe, viúva, reformada.
~ ~ ~ A senhora dos olhos azuis que perderam o brilho dos sonhos juvenis, foi muito corajosa e todos desejamos que consiga recompor a sua vida e que volte a ser feliz, assim como o seu menino.
~ ~ ~ Querido amigo, um Agosto muito feliz para ti e tua família. Que seja muito bem aproveitado com bons e alegres passeios.
~ ~ ~ ~ ~ Abraço. ~ ~ ~ ~ ~
Muito aguentam certas mulheres, nem consigo perceber porquê!!!
ResponderEliminarComo sempre muito bem escrita, pelo amigo, mais esta história
de vida.
Desejo muito que esteja bem.
Bj.
Irene Alves
UN TEXTO MUY TRISTE Y DESAFORTUNADAMENTE MUY REAL.
ResponderEliminarUN ABRAZO
Oi luis
ResponderEliminarPassando para lhe desejar um bom domingo.
Já deve estar dormindo, agora.
Um beijo no coração
Lua Singular
E há tantos homens(?) assim. E tantas mulheres que sobrevivem debaixo de trabalhos incansáveis para aguentar a casa e a família, sem coragem para cortarem o mal pela raiz , e algumas ainda apanhando pancada.
ResponderEliminarFelizmente que a mulher da sua narrativa teve coragem para dizer Basta.
Um abraço e bom domingo
*Olha, amigo Luís Coelho, sempre que alguém fala em casamento , lembro-me de um amigo que um dia me disse : - Olha,
ResponderEliminarEdméia, é mais fácil viver a três, a quatro, a cinco ... do que a dois !!! A vida de um casal não é nada fácil !!! (Este meu
amigo está no quarto casamento e eu estou separada já há treze anos e não tive coragem de me relacionar a sério
com mais ninguém até o dia de hoje !!! ).
Agora, falando de dinheiro ... se um dos cônjuges não quer trabalhar e só sabe gastar ... não tem mesmo COMO
conviver com uma pessoa desse tipo !!! Ela passa a ser UM FARDO !!!
*Luís, gostei do término do texto, do carinho dos colegas da escola para com o miúdo !!! :))
LUis, aleccionante el poema.El matrimonio debe ser para formar una familia en el amor...UN abrazo. carlos
ResponderEliminarÀ quem pensa que se pode viver só da imagem, que grande equivocação: são figuras de barro, e do mau!
ResponderEliminarSão dos que dizem que um saco vazio não se pode endireitar e, depois de comer, que não se podem dobrar, que cara!
Ela sim mulher valente, um orgulho da nossa raça.
Aquele abraço amigo...
Um texto que mexeu demais comigo, trabalhei imenso para manter comida para as minhas filhas após eu ter ficado viúva...mexeu comigo também porque alguém que amo muito durante 14 anos sofreu violência domestica, física e psicológica.
ResponderEliminarBom resto de domingo Luís.
beijinho e uma flor
Meu amigo uma história de vida que infelizmente ainda tantas e tantas vezes se repete.
ResponderEliminarEstou um pouco como a Dorli, a primeira que me fizessem seria também a última, pois não haveria perdão possivel. Há um ditado antigo que diz " mais vale só que mal acompanhado".
Um beijinho
Maria
Uma situação que é repetida em muito sírio e por muita gente, infelizmente.
ResponderEliminarComo costumas relatar personagens reais, penso que estas desta história também o serão.
Como o João Roque, deduzo que se trata de uma situação real.
ResponderEliminarInfelizmente ainda muito comum.
Aquele abraço e votos de boa semana!
Quem não conhece uma história semelhante, até mesmo tratadas como assunto de romances. Parabéns pela narrativa. O livro O Feijão e o Sonho, de Orígenes Lessa, é romântico, mas aborda essa situação.
ResponderEliminarOi amigo passando para lhe desejar tudo de bom em sua vida, deixo um grande beijinho para todos ai de casa.
ResponderEliminarOlá, Bom dia, Luís
ResponderEliminarsim,muito real, infelizmente...
Há muitos homens assim, vive no mundo ideal e não no real , o ter do que ser, que se não cresceu até agora, as chances de assumir alguma responsabilidade são nulas...
há muitas mulheres assim,lutadora e guerreira,incansável defensora do que é justo e correto e extremamente fiel aos seus princípios, mesmo que tenha dado um passo errado em sua vida...e com certeza, como mãe, irá ensinar ao menino, tudo aquilo que precisamos para sermos bons – pessoas de bem...
...gostei bastante dessa parte, "As pessoas ao teu redor viam, mas deixavam que fosses tu a decidir os teus projectos, a tua vida"...
Obrigado pelo carinho, bela semana,abraços!
Se é real , que tristeza!
ResponderEliminarAbraços
Amigo Luís, estive uns dias fora e só agora volto ao convívio.
ResponderEliminarO conto é magnifico, um retrato vivo do que vai acontecendo como se fosse a coisa mais natural deste mundo.
És um mestre e consegues, até, fazer o milagre das crianças serem tão compreensivas perante a vida.
Um abraço
Meu querido amigo
ResponderEliminarInfelizmente uma estória muito verdadeira e cada vez mais nos tempos que correm, em que não há tempo. Adorei como sempre.
Um beijinho com carinho
Sonhadora