Hoje tenho vontade de falar de ti. Não sei bem o que escrever nem como fazê-lo.
As coisas que nos contavas, dava um livro muito grande. Um romance. Um grito de coragem.
Aos poucos revejo os quase sessenta anos de convívio de encontros e desencontros.
Relembro os teus conselhos, os teus pontos de vista. A tua experiência de saber estar e saber viver.
Relembro a tua capacidade de ouvir e aconselhar o caminho melhor.
Não terei lágrimas suficientes para chorar a tua partida. Quero apenas recordar sempre a tua serenidade quando nos olhavas com o azul doce e profundo dos teus olhos.
Nem sempre estivemos de acordo e sabias que eu não tinha razão, mas deixavas que eu fizesse como queria e desse asneira. Depois mostravas-me como eu estava errado e ajudavas a reconstruir tudo de novo.
Quantas noites te tirei o sono porque ficavas acordado a pensar como resolver os meus problemas. Às vezes, quando acordava, já tinhas iniciado algumas tarefas que eu devia fazer e sorrias dizendo:
- Agora tu vais ajudar-me. Tenho ali uma coisa que também não consigo fazer sozinho.
Bonitos estes dias em que brincávamos construindo o meu futuro.
Recordo algumas frases:
«nunca peças a quem pediu e não sirvas a quem serviu»
É um ditado popular que transformava a tua vida. Eras incapaz de ir ali ao lado pedir uma ferramenta emprestada, um punhado de sementes ou outra coisa que fosse necessária nessa altura.
Procuravas sempre ver todas as outras soluções. Acabavas resolvendo tudo sem pedir nada aos outros.
Muitas vezes as pessoas emprestavam, mas ficavam com medo que não devolvessem ou que as danificassem.
Sempre nos ensinaste a resolver os nossos problemas e a não ter medo de enfrentar as situações adversas.
Quando casaram em 1943 não tinham tudo aqui em casa e o forno para cozer o pão fazia-lhes muita falta e numa noite enquanto ceavam a mãe disse-lhe:
- Luís, amanhã vais comigo a casa da minha mãe para cozermos o pão.
- Está bem, mas será a última vez. Na próxima semana, já teremos aqui tudo pronto para fazeres o pão cá em casa. O forno vai ser concluído ainda hoje ou o mais tardar amanhã.
Levantaram-se cedo e lá foram eles até ao outro lado da povoação. Um levava a lenha e a água e outro a farinha e os restantes ingredientes. Enquanto a mãe amassava o pão o pai acendeu a fogueira no forno e foi vendo se aquecia até a massa levedar.
Ajudava ainda a colocar as bolas de pão no forno e depois regressava a casa.
A mãe ajudava a avó enquanto o pão cozia no forno.
Nessa tarde, foi procurar o pedreiro e combinar o dia em que o mesmo poderia vir concluir o o nosso forno.
Só faltava mesmo a fornalha.
A mãe dizia que eras teimoso, mas essa teimosia era positiva e era o teu próprio selo. Enfrentar as situações e resolvê-las com dinamismo e simplicidade.
Recordo também a tua calma frente ás adversidades. Não era fácil aborrecer-te.
Sabias desculpar como ninguém e ainda ajudar a que as outras pessoas compreendessem as falhas humanas.
Lembro daquela vez que andávamos todos na vinha e a mãe foi, levar-nos o almoço. Aquilo era um piquenique ali sentados na terra à sombra das videiras mais altas.
A mãe pousou o cesto no chão. Estendeu uma toalha e chamou-nos para almoçar. Foi dispondo as coisas em cima da toalha e só então viu que se tinha esquecido dos pratos. Quando reparou na sua falta começou com lamentações.
- Mas que esquecimento o meu ....e agora como é que posso dar-vos o almoço...?
Lembro de lhe dizeres:
- Deixa lá isso, nós temos cá a comida, vamos inventar uma maneira de nos safarmos como pudermos. O mais importante trouxeste. Não te estejas a mortificar !
Duas pessoas podem comer na tampa da panela da sopa. Leva pouco, mas vão acrescentando como quiserem
Outros dois podem comer no tacho da carne. Retira-se a carne para outra coisa.
Quem não gosta da sopa pode começar a comer o "conduto" e parece-me que já estamos mais ou menos entendidos.
Vamos lá pessoal que a seguir querem dormir a sesta e o calor vai apertando.
No final todos acharam graça e a mãe acabou sorrindo com a brincadeira.
Outro dia continuarei com mais histórias que fazem os retalhos da vida.
Luiscoelho
Luis, amado!
ResponderEliminarLindo post, memórias recheadas de amor...
Beijuuss n.c.
Rê
www.toforatodentro.blogspot.com
Amigo Luis,
ResponderEliminarEmocionei-me com a tua maravilhosa história, humana, sentida...
No meu tempo, na vida rural, as mulheres,deslocavam-se a pé, de cesta à cabeça, com o almoço coberto pela toalha, para os maridos que trabalhavam "à jeira" no campo. Também não faltava o "peguilho" [conduto].
O efeito das memórias é levar-nos aos ausentes para que estejamos com eles, trazê-los - a eles - a nós para que estejam connosco.
Abraço.
Jorge
Luís
ResponderEliminarRegressei após um pequeno interregno e logo deparo com um lindo momemto de nostalgia.
Quantas recordações agradáveis dum pai que até é teimoso em permanecer assim presente na memória.
Parabéns. Uma homenagem emocionante.
Beijinhos
Lourdes
Luís
ResponderEliminarque bom ter alguém que durante sessenta anos nos possa dizer "tenho ali uma coisa que também não consigo fazer sozinho"...
uma coisa importante essa
que precisa de amor para ser completada!
um abraço
Manuela
Meu amigo
ResponderEliminarSempre histórias muito bem escritas e
cheias de sentimento.
Beijinhos
Sonhadora
um beijo e...POESIA
ResponderEliminarCONFIANTE
Uma semana vai...
Uma semana vem...
E com ela mais sonhos...
E vamos aprendendo a sonhar...
Para podermos viver
E sentir que a vida é linda
E tem sempre algo de novo...
Para podermos sorrir...
Temos que olhar à nossa volta...
E estar sempre atentos...
Pois algo de novo aparece...
E muitas das vezes...
Nada esperamos...
Na corrida da vida...
Fica pouco tempo...
Mas quando a felicidade surge...
É com a mão aberta...
Que a esperamos...
E a guardamos!...
LILI LARANJO
São historias, tempos, pessoas e recordações assim que nos completam, meu amigo.
ResponderEliminarUm forte abraço e uma boa noite para ti
Luis
ResponderEliminarComo sempre uma história feita de sentimento, gostei muito.
Beijinhos
Sonhadora
Sede como os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas.
ResponderEliminarVictor Hugo
Ah, doces sussurros dos meus tempos de menina em casa dos meus avós perto de Montalegre, tinha 10 tios e tias, os avós um sonho de seres humanos, tinahmos terras, gado, que saudade me deste. O meu avô materno era assim um homem de tudo, o meu pai também era assim desse jeito, foi criado sem pai, mas fazia de tudo e para tudo arranjava solução. Não gostava de pedir é verdade, desenrascava-se...mas que linda a tua prosa, que sonho de pais não tiveste... Eles tanto nos queriam fazer ver a vida, mas a verdade é só uma...temos de errar para aprender..e chegaremos lá á custa de asneiras, tempos perdidos, enfim...
ResponderEliminarGostei muito de me sentir nos meus tempos d emenina..
Abraço da laura
Mais ou menos assim, todos temos histórias (retalhos) parecidas. Não é essa, por isso, a novidade. A novidade é a forma terna e simples como o fazes.
ResponderEliminarAbraço
João
Uma linda homenagem a um pai...
ResponderEliminarO meu também tinha olhos azuis...
e nunca lhe farei as homenagens
que ele merece. Infelizmente já
partiu o pai e a mãe, e só compreendemos muito tarde, que são
as únicas pessoas que nos amam
com as qualidades e defeitos e que
estarão sempre do nosso lado, mesmo
quando partem...(eu sinto-os).Obrigada por este texto, meu amigo. Os meus avós maternos eram
agricultores, respeito muito essa
actividade.
Beijinho/Irene
Gostei muito dsta recordação de uma unfãncia feliz.
ResponderEliminarTudo de bom.
Sempr bom guardar no coração essas boas memorias,,,lembranças pra toda a vida meu amigo,,,forte e fraterno abraço de bom dia.
ResponderEliminarAmigo esse é bem o retalhos de muitos de nós, tenho memórias de coisas muito parecidas.
ResponderEliminarQue bom vir aqui, e enquanto vou lendo a sua história, vou lembrando de lágrimas nos olhos e aperto em meu coração, de tantos momentos tão idênticos.
Beijinhos de luz e paz, e um grande bem-aja
...lembranças tão remotas
ResponderEliminarmas ao mesmo tempo tão presentes
e vivas no coração!
ai my God!
saudades da minha mamãe!
bj
Foto excelente e o texto é digno de uma antologia. Parabéns.
ResponderEliminarPrezado amigo, mas que histórias mais cativantes!
ResponderEliminarJá estava sentindo falta delas, viu?
Quero dizer que esse é um dom que pouco tenho, mas que aprecio.
Por isso venho aqui ler tuas histórias, que para mim é como se estivesse em volta de uma fogueira, ouvindo tu narrar para nós.
Meu abraço fraternal, meu apreço.
Olá, Luis
ResponderEliminarDeste teu texto escorre um misto de ternura e respeito próprios de um filho por um Pai. E de gande Amor, também.
São recordações como estas que prolongam a "vida" dos que se foram, nos nossos corações.
Gostei imenso e...quero mais!
Beijinhos
São estas passagens que vão escrevendo o nosso livro da vida, é lindo ver assim um casal que se complementam que se ajudam dão ideias, constroem o amor no dia a dia, conheço muitas pessoas que em vez de inventarem soluções iriam simplesmente dizer coisas depreciativos,.
ResponderEliminarbeijinhos
Amigo Luís,
ResponderEliminarTodo o seu texto me fez lembrar as minhas férias na casa do meu avó paterno na aldeia.
Era pequenina, o meu pai tinha mais dois irmãos e duas irmãs.
A família era enorme e entretanto cresceu muito mais.
Comia-se no campo sim, muitas vezes sobre um naco de broa, e que bem que sabia aquela comida.
O temperamento do seu irmão, lembrou-me o meu tio Lourenço, sempre com ideias e muito resoluto.
Obrigada por estes momentos lindos.
beijinhos
Ná
Meu Bom e amado amigo escriba do amor e da vida,lindo lindo,chama inapagável essa,que a todos nós iluminastes!
ResponderEliminarTu és ecriba e da vida poeta!
te abraço,senhor,mágico das palavras em vida e amor forma!
Viva La Vida!
Texto de envolvente ternura e simbolismo, prova de que certas memórias, feitas presente, sempre serão fonte de vida!
ResponderEliminarParabéns, amigo, por estes momentos maravilhosos (desta vez foi conseguindo sozinho ou... talvez não!?...)
Um abraço
Amigo,
ResponderEliminaruma vida rica em memórias!! E todas recheadas com muitos sentimentos. As pessoas que vivem hoje nos grandes centros urbanos, no futuro nao terao estas histórias para contar.
Meu grande abraco e muito obrigado pelas suas sempre amáveis visitas!
Caro Luís,
ResponderEliminarSão tempos que não se esquecem e que nos trazem aquele gostinho doce do carinho e amor dos nossos pais.
Adorei ler!
Beijinhos,
Ana Martins
Direitinho
ResponderEliminarSempre gostei de ter a mão aberta para poder dar e receber.
Gostei muito do teu conto.Lindo de verdade
um beijinho
Amigo Luís, encantou-me a forma como homenageaste o teu Pai.Eu fico encantada quando "ouço" histórias passadas em meios rurais, porque sempre fui da cidade. E, para trás,para trás,para trás,toda a família vinha de meios citadinos.Gosto de perceber como se fazia o pão(huuumm,devia ser uma delícia),como se amanhava a terra,como se ordenhava uma vaca etc...o pouco que sei, é o que vou ouvindo, lendo e vendo em documentários.Achei imensa piada à forma tão pronta como o teu Pai resolveu a situação da falta dos pratos.Enfim Luís, uma história real com sabor a muita saudade, mas, recordar é...VIVER!!
ResponderEliminarBeijinhos e Muitos Parabéns
Gostei MUITO
Olá amigo, pois realmente aquela
ResponderEliminarcoisa do dia da cor, foi iniciativa
de um blogue (a que eu aderi) mas
já não vou aderir a mais nada,
porque já andam por aí outros a
fazer sobre outras coisas.Cada
semana é uma cor, termina segunda-
-feira com a cor branca.Eu quando
iniciei o meu blogue não percebia
nada sobre os mesmos(ainda hoje
percebo pouco)mas nunca pensei vir
a ter algumas chatices que já tive, e às vezes apetece-me desistir...mas depois considero
que por detrás de cada blogue está
uma pessoa(e tenho encontrado
pessoas excepcionais,como o amigo)
que me merecem todo o respeito e
continuo.
Beijinhos/Irene
Abraços fraternos de bom dia pra ti amigo,,,
ResponderEliminarOlá, entrei de mansinho, li e adorei. São essas recordações que nos fazem andar para a frente, embora nos deixe muitas saudades e um valente nó na garganta. Saio deliciada e vou voltar se não se importar. Beijo com carinho
ResponderEliminarMuito bonito Luís o seu texto, escrito com amor, respeito e uma grande nostalgia por tempos passados. Os nossos pais são sempre um grande exemplo para nós, mesmo quando na altura não os saibamos compreender como merecem. Por tudo que li, não é difícil contestar que também o Luís foi um bom filho.
ResponderEliminarBeijinhos,
Manú
Tenho de voltar mais tarde, que o "post" é comprido e não gosto de leituras apressadas.
ResponderEliminarOi amigo passei para desejar uma santa e feliz noite,
ResponderEliminarbeijinhos de luz e paz
Meu amigo, obrigado por tua amável visita, o que para mim, é sempre um prazer recebe-lo.
ResponderEliminarUm abraço fraterno.
emocionante, falar da vida de uma forma tão divina.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo belo texto.
Depois de 30 dias de ferias merecidas e com saudades dos amigos blogueiros, volto aqui para matar esta saudades do teu blogger e disser que tudo aqui continua lindo.
ResponderEliminarEsta menagem é linda e vale a pena refletirmos ...
Nelma Yamakawa
"Educai as crianças e não será preciso punir os homens"
Abraços com todo meu carinho
Olá Luís!
ResponderEliminarSabe, a história que aqui nos conta podia ter sido escrita por mim - só as personagens seriam outras.O levar a comida para a terra, o forno para coser o pão, a vida do campo, tudo isso eu consigo ver como se lá tivesse estado.E imagino que lhe saiba lindamente voltar a esses tempos: a mim, sabe sempre, e um destes dias, com mais tempo, vou seguir-lhe as pisadas.
Gostei muito.
Grnde abraço.
Vitor
Um forte e fraterno abraço pra ti amigo e um belo final de semana.
ResponderEliminarLindo texto cheio de recordações gostosas e que ficam para sempre no baú de nossa memória.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLuis: Como temos histórias de nossa infância, e nossas mães sempre são protagonistas, pelo menos nas mais importantes; naquelas que ficam no coração.
ResponderEliminarHoje, teria histórias, muitas histórias pra contar, umas bonitas, outras de criança arteira.
Mas tenho algo mais importante a declarar à alguém que já não está mais comigo: tenho saudades, tantas, que, por hora nem quero lembrar das histórias; mas um dia, sei que lembrarei...
Beijos
Tais Luso
E eu que me julgava sozinho na tarefa de descrever as coisas.É curioso que ao ler o que escreves tão maravilhosamente, parece que me estou a ler a mim próprio. Talvez a vida tenha passado por nós da mesma forma, bruta e doce, e isso tenha deixado, a nescessidade imperiosa de contar histórias, em nós mesmos.Aqui, estou na minha estrada, posso percorrer caminhos novos e sentir outras aragens que decerto me vão fazer mais rico.
ResponderEliminarAbraço
M. Araújo da Cunha