Nasceu em mil oitocentos e setenta e quatro, no dia 18 de Junho, no lugar dos Conqueiros.
Famílias carentes, mas muito trabalhadoras e respeitadas.
Mourejavam nos campos do nascer ao pôr do Sol, arrancando da terra o seu próprio sustento e dos animais que iam criando para sua alimentação. Porcos ,cabras e galinhas e ainda os bois.
Moça cheia de vida e de orientação para se bastar sem ter de mendigar nada a ninguém.
Cedo foi servir para casa dos Senhores - Alves de Matos - dos Conqueiros.
Família de Bispos, Arcebispos e abadessas. A mais importante de toda esta região.
Aprendeu regras de trabalho e horários que tinham de ser cumpridos, chovesse ou fizesse Sol, estando doente ou com saúde.
Não soube o que era ler nem escrever. Aprendeu a cozinhar e a remendar as suas roupas.
Aprendeu a amar o seu próximo com respeito e muita delicadeza.
Aprendeu a amar a Deus com toda a sua alma e bastante fervor.
Casou nova e em nada alterou os hábitos de trabalho. Criou quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas ensinando-lhes os seus princípios e orientações e obrigando-os ao cumprimento rigoroso dos mandamentos da Lei de Deus e também os mandamentos da Santa Igreja Católica .
Deu-lhes o pão mas soube dar-lhes a educação.
Nenhum filho a deixou envergonhada ou teve a ousadia de discordar da sua orientação.
Logo que pudessem fazer algumas tarefas não os poupava e exigia mesmo que as fizessem bem feitas e com prontidão.
Quando voltavam da escola tinham de juntar lenha para à noite acender a fogueira e cozinhar os alimentos. Deviam também guardar os irmãos mais novos e ir à fonte buscar água para casa.
Casou nova com José Francisco Carnide, carpinteiro de profissão e elemento activo da banda filarmónica cá da nossa terra. Pessoa muito respeitada.
Com o apoio do marido e também sob a sua orientação construíram uma grande casa agrícola, comprando terrenos e valorizando-os.
No dia do casamento, depois da cerimónia na Igreja, era tradição a noiva ficar em casa dos seus pais, e o noivo ia também para a casa dos seus.
A boda era separada. Cada um em sua casa e com os seus convidados.
No final da boda, depois da meia noite, o noivo ia com os padrinhos e os convidados, buscar a noiva. Nesta altura, juntavam-se à festa com todos os convidados.
Como a noiva ficou sozinha e a boda ainda estava atrasada, trocou de roupa, pegou numa foice e foi cegar erva para os bois, nuns terrenos um pouco afastados da residência.
Todas as pessoas ficaram admiradas pela sua força e determinação de valorizar o tempo.
Ralharam com ela, mas de nada valeu.
- Hoje, dia do teu casamento, não devias ter feito isto!
- Hoje, dia do teu casamento, não devias ter feito isto!
- É preciso trabalhar e pronto! O tempo não é de malandragem....! Respondeu a avó com prontidão.
Ficou viúva aos setenta anos. Já tinha casado todos os filhos.
Não se resignou andar de porta em porta, em casa dos seus filhos. Enquanto pôde trabalhou e manteve-se ocupada.
Lembro-me de a ver aqui por casa, sempre vestida de preto. Até os brincos na orelhas mandou forrar de preto em memória do seu falecido.
Nesta altura, já a avó mal podia andar, e por isso, apoiava-se num pau de marmeleiro muito lustroso.O corpo estava sempre inclinado para a frente e para baixo.
Quando a chamávamos, ela apoiava-se mais naquele pau e torcia a cabeça para nos ver.
- Quem és tu "piqueno"...
Um dia os pais lembraram-se de ir a um passeio. A mãe contou à avó que iriam a Lisboa e a outras cidades.
Desta vez a mãe ia levando umas pauladas o rabo. A avó ficou perdida e furiosa.
- Não tens vergonha de ir passear e com tanto trabalho para fazeres cá em casa...?
Seu estafermo ....! Mais velha sou eu e nunca lá fui....! Estás a ouvir...?
Lembro de ver a mãe dobrada para a maceira onde amassava o pão e atrás dela a avó, com um ar muito zangado e levantando mais a voz do que era costume.
Enquanto barafustava, ia batendo com a ponta daquele pau, no soalho de casa provocando um som de meter medo.
A mãe pensava:
-Agora é que ela me vai bater. Paciência....! Já tenho quarenta anos e ela nunca me bateu. Mas... desta vez ....
Resignada por não conseguir demover a filha deste passeio. lá se foi embora para a sua casa que ficava no extremo da povoação.
Algumas tardes passava-as junto com os compadres Silvas e a Maria que era muito beata e passava os dias e as noites a rezar.
Era ceguinha mas conhecia todos os que conviviam com ela. Não tinha mais família e foram estes os sobrinhos que a acolheram até que Deus a chamou para a outra banda.
Os gatos eram a sua grande paixão.
Os gatos eram a sua grande paixão.
Se lhe deixassem até de noite queria dormir com eles.
- Agora vamos rezar o terço, Senhora Emília....?
Reze lá a Senhora, que eu não tenho vagar....! Respondia-lhe logo a avó farta de tanto rezar....!
Recordo a sua casa.Uma habitação rústica, com um alpendre que dava acesso a uma sala ampla e aos três quartos. Ao fundo da sala havia um relógio alto com umas pinturas muito esquisitas e aquele pêndulo sempre a brilhar naquele amarelo que parecia ouro.
Do lado direito do relógio ficava uma mesa com um crucifixo e um vaso com flores secas. Do outro lado da parede havia um arquibanco com o encosto todo trabalhado de enfeites simples de encaixar. Hoje corresponderia ao sofá de quatro lugares.
Havia uma segunda entrada que dava acesso ao pátio interior e à cozinha sempre muito escura.
Hoje não resta nada daquela casa e toda a família se dispersou, formando outros agregados famíliares.
Luíscoelho
Isto é uma fotocópia da fotografia original, tirada pelo Reverendo Padre Manuel da Silva Gaspar no tempo Capelão da nossa Igreja.
ResponderEliminarData do ano de 1947 em finais do mês de Abril.~
Apresento a família
Da esquerda para a direita.
José, Joaquim, Avô José Francisco e a Avó Emília, a Maria e a Virgínia.
Faltam poucos dias para eu nascer.
- Quem és tu "piqueno"...
ResponderEliminarSeu texto é fantástico. me reportei a Portugal. O seu texto tem uma nota de conto de fada, desses que contèm sempre um ensinamento, que trabalha certa emoções da infância. Imaginei a vovó Emília andando curvada bem velhinha pelas ruelas da vila.
Grande abraço e estarei sempre por aqui lendo essa maravilha que são seus textos.
encantei-me com a fotografia e com o texto...mulher de armas, que nos lembra as mulheres que conmstruiram este país anonimato dos dias
ResponderEliminarum beijo
Meu amigo
ResponderEliminarComo sempre um texto muito bem escrito e contado...são essas mulheres de armas, que fizeram muito e continuam anónimas.
gostei da fotografia.
beijinhos
Sonhadora
Bonito retrato da época...e palavras a descreverem os tempos em que trabalhar não era "pecado". Era sim, corresponsabilizar deade novinhos para um dia sermos responsáveis e úteis a nós próprios e ao próximo/sociedade...como os tempos mudaram e neste sentido para muito pior...não há coerência nem discernimento para se dosear as horas de lazer...enfim, mudam-se os tempos mudam-se as vontades...e as prisões vão ficando atafulhadas de jovens e não só...ainda há aqueles que pelo seu poder económico e de estado...nem para lá vão.Esses que deveriam dar o exemplo são os que andam cá fora...
ResponderEliminarPor aqui me fico.
Assim penso. Assim sinto.
Linda a sua avó e a sua história de vida.
Abraço
Mer
Pedaços de vida; pedaços de nós...
ResponderEliminarAbraço
João
Que bela homenagem!A fotografia parece retirada de um filme de época.
ResponderEliminarMuito bem conservada,parabéns pela reconstrução genealógica!
Abraços,Bergilde
Fotografias,,,palavras,,,saudades da minha avó....um forte abraço meu amigo e uma bela semana pra ti.
ResponderEliminarOlá Amigo Luís,Essa cabecinha está ai
ResponderEliminarcomo nova, eu conhece algumas pessoas com esta idade, que já se esquecem do que disseram no minuto anterior.
Sim senhor uma história muito bonita da avó Emília, mulher trabalhadora logo desde muito novinha, pena foi não ter aprendido a ler,já que teve servindo em casa de pessoas tão ilustres, mas eles também queriam as pessoas era para trabalhar, não para lhes ensinar.
Eu também por elas sei do que estou a falar.
um abraço,
José.
O que será que se passa hoje.
ResponderEliminarEu queria dizer, eu também passei por elas sei do que estou a falar!
Adoro ler estas prosas lindas e remeter-me aos tempos de antanho.
ResponderEliminarA minha avó laurinha nasceu em 1901.
Mas essa senhora, caramba, nem podia ir a Lisboa que não lhe ralhassem, mas que vida de mourejar, só que o trabalho tinha de ser feito...Eu própria aprendi a cegar erva a encabar cebolas a semear batas quando nas férias ia para lá para a aldeia de Covêlo, perto de Ferral, tão belos os tempos em que aprendíamos alguma coisa...
Gostei, levaste-me de novo até á minha avó querida a avó laurinha...
beijinho da laura que é laurinha também para os amigos...
Simplesmente maravilhoso... que grandes que eram as nossas avós! Ainda me lembro da avó Arminda tão pequenita debaixo dum feixe de lenha que apenas a podia ver...
ResponderEliminarSão as rosas mais lindas do teu jardim...
Parabéns e obrigado. São estes relatos plenos de vida e fieis à recordação que nos fazem imensos.
Aquele abraço
Você me faz feliz mesmo quando a vida me faz triste.
ResponderEliminarBjs
Fiquei com vontade de ter mais linhas para acompanhar...Viajando no tempo, a construir imagens de tudo isso que contas com tanta naturalidade e ao mesmo tempo com tamanha riqueza.
ResponderEliminarMuito bonito!
É sempre um prazer parar por aqui a ler suas histórias, tão bem contadas! E essa querida avó, sim, merece bem ser assim perpetuada!
ResponderEliminarAbraço
Não às armas nucleares,
ResponderEliminarnão ao tormento da guerra.
Minha canção sobe aos ares
como um beijo vindo da terra.
(Drummond)
Beijos & Flores & Poesia...M@ria
Um belissimo dia pra ti amigo,,,forte abraço.
ResponderEliminarPassaram pouco mais de sessenta anos após esta foto de família! Pouco tempo...para se ter perdido o sentido da família, do trabalho, da honra e da dignidade...
ResponderEliminarMuito tempo para se ter saudades de uma avó Emilia que todos gostaríamos de ter tido...emocionei-me, pelo modo como contaste esta história de família...
Beijos
Graça
Parece que estava lá, e imaginei a família feliz.
ResponderEliminarAdorei tu ter nos contado esta parte da tua vida.
Família é uma riqueza q todos deveriam valorizar.
Como sempre um texto muito bem escrito e contado...bela foto...realidade de uma familia feliz.Boa tarde! M@ria
ResponderEliminarAntigamente as pessoas tinham outra fibra, a vida difícil fazia com que lutassem pela sobrevivência dia a dia, e tinham algo que hoje se esta a perder que é a transmissão de valores, essas fotos antigas tem uma magia especial
ResponderEliminarbeijinhos
Mas que documento historico de valor incalculável1
ResponderEliminarParabéns!
Um abraço.
É emocionante estar a homenagear
ResponderEliminara sua família.Merecem.
Você é uma pessoa muito especial.
Beijinho/Irene
Eu não posso, deixar de ver em teus contos, sempre algo de familiar.
ResponderEliminarLembrei-me da Vó Quina de quem minha mãe sempre falava.
Hoje aqui próximo, o Sr Renato é um idoso de 78 anos e trabalha feito um jovem, inventando mil e uma tarefas em sua casa! Bem, seus amigos são 24 cães que ele cuida como se fossem filhos. Então, trabalho não lhe falta mesmo.
Um abraço, até a próxima, um bom dia.
Olá Luiz bom dia!
ResponderEliminarDe passagem por estes cantos da vida, tive eu a felicidade de teu blog encontrar.
E aqui me apresento a você, sou Jota Sena e gostaria de falar-te sobre esta bela postagem onde contas um pouco do teu convívio familiar. Principalmente esta bela narrativa da sua saudosa avó. Fizestes muitos de nós voltarmos ao passado e recordar com saudades de nossas avós e bisavós… E o exemplo de vida nos deixado por elas… Eu lendo seu texto, recordei com saudades da minha saudosa avó e da bisavó… Lidia de origem Portuguesa, que era avó materna de meu pai.
Gostei de ver esta foto, com os trajes da época.
Parabéns por teres descrito em poucas palavras, um grande estória de vida de sua avó.
Abraços e até +.