(foto google)
Tenho uma
leve lembrança desta personagem. Vivia no extremo da Aldeia, numa
encosta virada a nascente. Subíamos do lado poente e só no cimo do
monte é que começávamos a ver o telhado da sua casa. Era uma casinha simples e
escondida na vegetação.
Poucas pessoas passavam por ali.
Alguns metros antes da casa o caminho virava à direita em direcção aos pinhais e matas que pintavam de verde toda aquela zona inabitada e que se estendiam para Sul e para nascente até perder de vista.
Nas tardes quentes do Verão, quando o Sol se inclinava para o Oceano havia tonalidades diferentes por toda aquela vasta área. As aves e as cigarras completavam este quadro em alegre e monótona sinfonia.
Poucas pessoas passavam por ali.
Alguns metros antes da casa o caminho virava à direita em direcção aos pinhais e matas que pintavam de verde toda aquela zona inabitada e que se estendiam para Sul e para nascente até perder de vista.
Nas tardes quentes do Verão, quando o Sol se inclinava para o Oceano havia tonalidades diferentes por toda aquela vasta área. As aves e as cigarras completavam este quadro em alegre e monótona sinfonia.
A Canária era casada
com o Zé Sacristão. Homem forte e alto. Parecia descendente dos antigos
ciclopes (gigantes gregos). Apesar de tudo era um homem trabalhador e muito
prestável. Tinham uma filha e podiam viver em paz se não fosse o famoso
néctar da uvas que se apoderava das suas capacidades de diálogo e de
compreensão.
Conta-se que certo
dia, depois da vindima, o Zé Sacristão foi ao lagar pisar as uvas em
fermentação. Molhou os dedos no mosto e levou-os à boca para saborear.
- Que coisa boa...! Exclamou de satisfeito. Depois chamou a mulher e disse-lhe:
- Traz-me aí uma broa e uma tigela grande.
- Que coisa boa...! Exclamou de satisfeito. Depois chamou a mulher e disse-lhe:
- Traz-me aí uma broa e uma tigela grande.
Ainda antes de começar
a pisar as uvas, bebeu uns caldos de vinho em mosto com as migas da broa.
- Há!...Agora estou
satisfeito. Então vamos ao trabalho.
Foi pisando as uvas fazendo-as mergulhar no vinho que sempre as trazia para cima.
Quando terminou foi a correr lavar os pés e as pernas pois já lhe estava a doer a barriga. O mosto das uvas em fermentação começou "a dar a volta" nos intestinos. Depois ainda veio o pior... Nem de pé nem sentado...não tinha posição e corria com as calças na mão para se poder baixar constantemente. Passava muito tempo de rabo no chão...era uma diarreia seguida.../...muitas cólicas...
- Ia morrendo. Dizia ele. Só via diabos à minha volta...ufa! Juro por Deus que nunca mais farei outra coisa igual.
A mulher fez-lhe um caldo de arroz cozido para ele beber, mas aquilo saía mais depressa do que ele bebia.
- Vai "home" come mais um caldinho...Se eu pudesse punha-te uma rolha no cu...dizia ela com malícia.
- Cala-te...! Deixa-me! Ai que eu não posso mais! Gritava o pobre homem.
Foi pisando as uvas fazendo-as mergulhar no vinho que sempre as trazia para cima.
Quando terminou foi a correr lavar os pés e as pernas pois já lhe estava a doer a barriga. O mosto das uvas em fermentação começou "a dar a volta" nos intestinos. Depois ainda veio o pior... Nem de pé nem sentado...não tinha posição e corria com as calças na mão para se poder baixar constantemente. Passava muito tempo de rabo no chão...era uma diarreia seguida.../...muitas cólicas...
- Ia morrendo. Dizia ele. Só via diabos à minha volta...ufa! Juro por Deus que nunca mais farei outra coisa igual.
A mulher fez-lhe um caldo de arroz cozido para ele beber, mas aquilo saía mais depressa do que ele bebia.
- Vai "home" come mais um caldinho...Se eu pudesse punha-te uma rolha no cu...dizia ela com malícia.
- Cala-te...! Deixa-me! Ai que eu não posso mais! Gritava o pobre homem.
A Canária cantava todo o dia. Quando íamos com o carro de bois para aqueles
lados, ouvíamos parte dos seus cantos. Eram tristes. Pareciam preces,
talvez gemidos como quem chora. Seriam saudades do seu amor?
Andava sempre com as saias alteadas. Metia uma fita abaixo da cintura e depois puxava as saias para cima de modo a ficarem apenas pela altura dos joelhos. Assim não se sujava na terra.
No Inverno não havia trabalho. Ele oferecia-se para limpar as valas na ribeira do Paul. Fazia esses trabalhos como uma empreitada. Todos os dias por lá andava, descalço e com as calças arregaçadas acima dos joelhos.
Tinha uma pá estreita e era com ela que ia tirando a terra do fundo e dos lados do canal. Também trazia um balde de madeira onde guardava algumas enguias que ia encontrando.
O seu ritmo de trabalho era sempre o mesmo.
De quando em vez endireitava as costas e respirava mais fundo para aliviar as dores...
Um Sábado à noite o Patrão chamou-o para lhe darem a ceia. Encheram-lhe o prato com feijão cozido, pedaços de carne e bastante hortaliça. Ele devorou tudo tão depressa que todos ficaram pasmados. Não mastigava nada. Engolia quase tudo.
- Algum dia você engasga-se e depois é o cabo dos trabalhos, disse-lhe a dona da casa. Deve comer mais devagar e mastigar melhor. Pode um pedaço de carne ficar-lhe entalado na garganta. Cuidado!
- "Nã" se preocupe." “nã, há-de ser nada”
Se alguma vez isso acontecer eu carrego-lhe aqui com estes dois até passar tudo para baixo! E mostrou dois dedos grandes de uma das mãos..."vira-milho" é sempre a andar...e riu-se muito com a sua voz grossa e muito desconcertada.
Luíscoelho
Andava sempre com as saias alteadas. Metia uma fita abaixo da cintura e depois puxava as saias para cima de modo a ficarem apenas pela altura dos joelhos. Assim não se sujava na terra.
No Inverno não havia trabalho. Ele oferecia-se para limpar as valas na ribeira do Paul. Fazia esses trabalhos como uma empreitada. Todos os dias por lá andava, descalço e com as calças arregaçadas acima dos joelhos.
Tinha uma pá estreita e era com ela que ia tirando a terra do fundo e dos lados do canal. Também trazia um balde de madeira onde guardava algumas enguias que ia encontrando.
O seu ritmo de trabalho era sempre o mesmo.
De quando em vez endireitava as costas e respirava mais fundo para aliviar as dores...
Um Sábado à noite o Patrão chamou-o para lhe darem a ceia. Encheram-lhe o prato com feijão cozido, pedaços de carne e bastante hortaliça. Ele devorou tudo tão depressa que todos ficaram pasmados. Não mastigava nada. Engolia quase tudo.
- Algum dia você engasga-se e depois é o cabo dos trabalhos, disse-lhe a dona da casa. Deve comer mais devagar e mastigar melhor. Pode um pedaço de carne ficar-lhe entalado na garganta. Cuidado!
- "Nã" se preocupe." “nã, há-de ser nada”
Se alguma vez isso acontecer eu carrego-lhe aqui com estes dois até passar tudo para baixo! E mostrou dois dedos grandes de uma das mãos..."vira-milho" é sempre a andar...e riu-se muito com a sua voz grossa e muito desconcertada.
Luíscoelho
Mais um belo momento, de um quotidiano, que se vai perdendo no tempo.
ResponderEliminarPedaços de vida a que emprestas todo esse bucolismo que as torna reais.
Um abraço
Interessantes cenas de um cotidiano, com personagens de nomes de agradável sonoridade: "ti Canária" e "Zé Sacristão". Para quem nunca viu uma vidima, como eu, o jeito é dar asas à imaginação.
ResponderEliminarUma crônica deliciosa!
Um bom final de semana, Coelho.
Beijos!
SIEMPRE TAN EXCELENTES TUS RELATOS. MUY ABRUPTO EL CIERRE.
ResponderEliminarUN ABRAZO
Um estória que poderia ser de qualquer país... mas associamo-la sempre a Portugal
ResponderEliminarQue coisa linda,Luis! Sempre que te leio, me encanto e vejo coisas de então, humor, tudo de lindo!Adorei mais esse! abração,chica
ResponderEliminarQue tempos!.. Nem é bom lembrar!
ResponderEliminarAbomino a brutidade. Mas, infelizmente, continua a fazer parte da nossa vida.
Bom fim de semana.
Mais uma página ao seu jeito... a verdade de uma época com comportamentos que entretanto nem terão mudado muito...
ResponderEliminarComo sempre magnífico. Devias compilar estas histórias e publicá-las com um título ligado à ruralidade das mesmas.
ResponderEliminarMagnífico Relato con esas historias que marcaron una época.
ResponderEliminarAbrazos.
Cenas do dia a dia em muitas aldeias noutros tempos, contadas com a maestria de sempre.
ResponderEliminarUm abraço e bom fim de semana
Olá Luís!
ResponderEliminarMais um relato magnífico! Fico encantada a ler essas histórias de outros tempos...nem sempre felizes, mas reais.Um abraço.
M. Emília
Olá Luís
ResponderEliminarAdoro tuas lembranças, vocês as narra com tandos detalhes que até me sinto no lugar.
Abraço
Tiene su escritura ese espíritu costumbrista de la narrativa excelente del colombiano, Tomás Carrasquilla. UN abrazo. Carlos
ResponderEliminarFicam, estacionam. Não há movimento algum. Triste.
ResponderEliminarAbraços
Olá!
ResponderEliminarLuís
Mais um belo relato. Seu compromisso com o cotidiano passado, com os humildes, leva-o a compor sempre belos relatos.E eu gosto da forma que os diálogos são apresentados , a fala, do jeito como
aconteceu na conversa entre eles. Muito bom!Ri muito da situação.
...só vi colheita dos cachos de uvas, que vão para o lagar para serem pisados, em telenovelas e ou filmes.
Seu texto me lembra algo q estou passando, deve ser algo que comi, não é possível.
Meu carinho
Bom final de semana
Abraços
Um instante rico em prosa e poesia.
ResponderEliminarLuis, muito bom.
Um grande abraço.
Olá, luis!
ResponderEliminarEra mesmo assim a vida de muita gente do campo: difícil e sofrida - o que nem sempre ajudava ao ambiente lá em casa, e que nem sempre acabava bem...
Bonito relato.
Um abraço, bom fim de semana.
Vitor
Mais uma história de vidas rudes,
ResponderEliminarpassadas com gente que vivia do
campo.
Mas são histórias muito reais
e que ainda hoje acontecem.
Amigo quero pedir-lhe um favor,
me mande um email, só porque eu
não devo ter registado bem e têm
vindo devolvidos os que lhe
envio.
Um bom fim de semana.
Beijinhos
Irene Alves
Uma bela história, entre a poesia e a prosa, com laivos de bom humor retratando uma vida dura.
ResponderEliminarGostei muito!
ResponderEliminarVida do campo, no campo. Com os seus momentos que nos lembram tempos idos, mas também alguns costumes que perduram...
Abraço
Olinda
Mais uma bela viagem a histórias de outros tempos.
ResponderEliminarBom fim de semana
Beijinhos
Maria
Rude a vida das aldeias, e mais se de um trabalhador se trata.
ResponderEliminarPoucos valoram o trabalho duma mulher, quando o trabalho é assim de duro: parece que só eles trabalham.
A vida do campo, nessas condições, não resulta gratificante, é dor!
Um grande abraço e os meus parabéns por um bom trabalho... senhor cronista...
A narrativa traz o tempo, os lugares, as falas, as gentes, os jeitos... tudo num registro pleno de detalhes memoráveis!
ResponderEliminarQue venham mais!
Abraço!
Belo conto da vida rural doutrora.
ResponderEliminarO vinho mosto fermentou [ainda pra mais com migas de broa] na barriga do nosso amigo "Zé Sacristão", antecipando assim a sua fermentação na pipa. O resultado [da gulodice] foi essa desaforada diarreia.
Quem acabou por pagar as favas foi a desgraçada da ti Canária...
É necessário recuperar o nosso mundo rural que está ameaçado de desertificação.
Um abraço
Luís, momentos únicos, que restam apenas lembranças, a qual vai se perdendo ao longo do tempo... Mas, somos os únicos que podemos manter vivas em nossas mentes...
ResponderEliminarAbraços!
Leandro Ruiz
www.thetimemeandthetime.blogspot.com
Quantos, Luís, quantos?
ResponderEliminarE a desculpa era sempre a mesma - era o vinho.
Treta!!
Eram umas bestas que o vinho ainda soltava mais.
Aquele abraço e votos de boa semana!
Belo texto amigo Luis, parabéns!
ResponderEliminarDesejo-lhe uma ótima semana!
Abraços
Thiago
RioSul
canária cantadeira, porque cantava
ResponderEliminare o Zé seria sacristão
estes apelidos fazem parte da nossa cultura, são uma riqueza cultural e é bom ouvi-los aqui
um abraço
ResponderEliminarOlá Luís,
Mais uma bela narrativa, repleta de detalhes e humor.
Deliciosa leitura.
Abraço.