Na nossa
aldeia as histórias aconteciam por tudo e por nada, mas eram sempre
acontecimentos importantes para todos.
Algumas
coisas eram divertidas: as festas, os casamentos, a chegada dos emigrantes, a
matança do porco etc.
Outras
eram mais tristes: os doentes, os desentendimentos entre vizinhos, os funerais
ou os acidentes
Havia também o trabalho comunitário: arranjo dos caminhos públicos ou a reparação de alguma casa atingida pelo fogo ou derrocada.
Todas as
pessoas eram moldadas por uma grande força de viver e lutar pela vida.
Em cada
pessoa residia o sonho de um futuro melhor.
A palavra de um homem era como uma escritura. Todos cumpriam com o combinado entre todos. Eram as suas obrigações.
Uma ou
duas vezes por ano reuniam-se no adro da Igreja, depois da missa do Domingo e
planeavam alguns trabalhos comunitários. Limpeza e arranjo dos caminhos.
No dia
marcado juntavam-se todos e com as suas enxadas cortavam as silvas e outros
arbustos que dificultavam a passagem. Tapavam os buracos e deixavam
os caminhos transitáveis.
Eram
pessoas simples, claras. Era assim porque era assim, e sempre foi assim. Não
havia lugar para muitas perguntas.
As
sementeiras sempre foram feitas no tempo certo. Na Primavera.
As
colheitas eram o resultado dos cuidados de cada agricultor ou da vontade de
Deus.
Quando
faziam uma marcação de terrenos, porque se perderam os marcos ou porque surgiam
dúvidas, juntavam todos os confinantes. Descobriam um marco e alinhavam o
terreno com duas ou três canas altas até ao limite do terreno.
Depois
abriam uma cova e colocavam lá uma pedra grande no fundo e outra mais pequena
em cima daquela de modo que ficasse à superfície.
Por
último colocavam as testemunhas. Eram pequenas pedras que ficavam dos lados do
marco principal.
Cada
pedra pequena representava a direcção do outro terreno. Ninguém poderia mexer
ou alterar a posição destas marcações.
Um dia dois agricultores levaram-se de razões por uma beira de terra. Cada um afirmava que era sua. Os ânimos estavam exaltados e um deles afirmou:
- Vou
arrancar essas pedras. Esta beira de terra é do meu lado, pertence-me...
- Nem
pense nisso, respondeu-lhe o outro. Este marco sempre aqui esteve. O senhor não
pode mexer-lhe. Vou-me colocar em cima dele. Livre-se de levantar a enxada para
o arrancar...
Percebendo
as certezas do vizinho, saiu dali a resmungar e entre dentes disse:
- A cada
um o que é seu - diz o povo e com razão...
- Nem
dá-lo nem roubá-lo, acrescentou o outro, também convicto das suas razões.
Luíscoelho - Março 2013
Esta disputa não é cena inventada
ResponderEliminarMas nem sempre acabou assim o que quase sempre acabava assim.
Escreves a história do povo. E sabes disso...
hoje em dia essas disputas infelizmente chegam a acabar em mortes
ResponderEliminarbeijos
As demarcações dos terrenos com marcos e testemunhos eram outrora motivo de disputas. Então quando havia por exemplo [no caso das oliveiras] árvores "redias" metidas noutro olival as disputas eram acrescidas.
ResponderEliminarCom os meios técnicos actuais facilmente se repõem os marcos no devido lugar.
Tenho a impressão que actualmente a disputa da serventia da água comum é um dos maiores motivos de disputa.
Um abraço, amigo Luis.
Era bonito esse trabalho comunitário que...pelos vistos, se perdeu com muita pena!
ResponderEliminarEssas contendas por um palmo de terra, não eram tão raras como isso...já o meu pai nos contava de mortes entre vizinhos por esse motivo
um pouco ganancioso. Infelizmente essas guerras ainda hoje perduram...
Gostei deste relato tão verdadeiro.
Graça
Algo muito próprio das aldeias da nossa terra. Tudo, por mais insignificante que pareça é um grande acontecimento. Os homens de então tudo o resolviam com um apertão de mãos e com a sua palavra, a honradez.
ResponderEliminarAqui em Valência, existe o tribunal das águas onde, todas as quintas-feiras na porta dos Apostoles da Catedral, se reúnem os agricultores para expor as razões em litígio, e aquilo que ali se dita é sagrado. http://es.wikipedia.org/wiki/Tribunal_de_las_Aguas_de_Valencia
Um abraço bem grande
SIEMPRE NUESTRAS PROPIAS FRONTERAS, NOS DIVIDEN. EXCELENTE RELATO.
ResponderEliminarUN ABRAZO
Tempos bons aqueles onde a palavra era respeitada... abraços,chica
ResponderEliminarOs bons velhos tempos em que a palavra contava...
ResponderEliminarOlá Luís
ResponderEliminarTempo em que as relações eram baseadas no respeito e na confiança, documento era a palavra. Onde o relacionamento era mais humano e solidário. Apesar das dificuldades, bons tempos.
Grande abraço
Ainda podemos encontrar lugares pacatos, distante das metrópoles, com harmonia, boa vizinhança, mas é raríssimo...
ResponderEliminarA palavra empenhada, era de grande importância, nos tempos idos.
Crônicas assim, nos mostram o quanto era diferente,e boa, a vida nas aldeias.
Um abraço.
Lúcia
GOSTEI DO TEXTO LUÍS!!!
ResponderEliminarNA VERDADE HAVIA A PALAVRA DADA, QUE COMO O POVO DIZIA ERA SAGRADA!!!
ESSA DOS MARCOS NA MINHA ALDEIA TAMBÉM HAVIA SÓ AS TAIS PEDRA, MESMO QUE... SEM TESTEMUNHAS!!!
MAIS TARDE OS MARCOS FEITOS DE CIMENTO E GRAVILHA JÁ COM FORMAS, QUE AINDA HOJE EXISTEM!!!
PARABÉNS PELO TEXTO QUE FICA PARA MEMÓRIA FUTURA ESPERO!!!
1 BEIJO LÍDIA
Olá, Luis!
ResponderEliminarCoisa bem séria nesses tempos,o desentendimento por causa da marcação de terras: nalgumas vezes enchiam os bolsos dos advogados, noutras acabavam da pior maneira.
Hoje, de tão abandonadas que estão, difícil será encontrar os marcos...
Relato bem contado,este - com sabor a verdadeiro.
Abraço amigo; bom fim de semana.
Vitor
O pior é que ainda continuam a acontecer crimes de sacholadas e caçadeira por causa de limites de terras e por causa da divisão das águas. Temos ainda uma mentalidade muito rural.
ResponderEliminarBeijinhos citadinos...
Você me fez recordar meu pai. Para ele, a palavra não precisava estar em um contrato, valia por si só. Infelizmente, hoje nem existem pequenas contendas, mas enormes lutas pelo poder, que não levam em conta a verdade e a justiça. Abraços
ResponderEliminareram marcos
ResponderEliminare as pessoas entendiam-se
gosto do tempo em que a palavra dada, valia
não se voltava atrás, era como uma escritura
fazem-nos falta, os homens de palavra
um abraço, Luís
MUY BUEN RELATO QUERIDO AMIGO, SIEMPRE NOS SORPRENDES CON TU EXCELENTE NARRATIVA.
ResponderEliminarBESOS
PD NO TE PREOCUPES POR ENTENDER MUCHO EL POEMA, A VECES LA TRADUCCION NO AYUDA.
CARIÑOS
Amigo Luís: essas disputas de terrenos nem sempre acabavam bem mas hoje ainda é pior.
ResponderEliminarUm abraço
Santa Cruz
Adoro estes pedaços da história dos nossos antepassados, esse realismo que me leva a recordações de tempos idos.
ResponderEliminarMesmo, nesses tempos, houve algumas querelas que acabaram mal, mas o respeito era outro.
Um abraço
ResponderEliminarOlá Luís,
Uma história que me levou ao tempo em que meu pai ainda estava vivo. Na época dele, palavra era documento.
Marcações de terrenos sempre levaram a disputas terríveis, mas vejo que em sua aldeia havia maior interação e respeito.
Relato envolvente.
Obrigada pelos seus cumprimentos por ocasião do meu aniversário.
Abraço.
Cenas que se repetiram inúmeras vezes pelas aldeias do País.
ResponderEliminarE às quais assisti mais que uma vez também.
Aquele abraço e votos de boa semana!!
Passando para te desejar um inicio de semana tranquilo e feliz.
ResponderEliminarAbraços de luz.
Lua
"A cada um o que é seu","Nem dá-lo nem roubá-lo".. Gostaríamos que as coisas fossem assim tão fáceis não é mesmo ?? Se As pessoas cooperassem, viveríamos em um mundo totalmente diferente da nossa realidade atual..
ResponderEliminarMas os meus parabéns pela cronica!
Houve um tempo em que se podia confiar na palavra. Agora, não sabemos em quem nem no quê confiar.
ResponderEliminarAbraço
Olá Luís!
ResponderEliminarUma boa história de outros tempos, quando havia brio em honrar a palavra dada e as pessoas faziam por se entender e respeitar.Os meus parabéns. Abraços.
M. Emília
Quantas cenas se destas se devem ter repetido por este país fora.
ResponderEliminarUm tempo em que
" cada pessoa residia o sonho de um futuro talvez melhor."
Como paira distante esse sonho.
beijinho
Fê
Tal qual na minha aldeia em tempos passados. As leis que regiam as pessoas eram o respeito, a honradez e a palavra de honra. E para algum caso que fugisse à normalidade, havia o cabo de ordens, para cahamar as pessoas à razão.
ResponderEliminarBeijinhos
Estimado Amigo e Ilsutre Romancista Luis Coelho,
ResponderEliminarMais um belo e maravilhoso relato de tempos idos, adorei.
Antigamente havia compreensão e ajuda mutua infelizmente não acontece nos dias de hoje, onde cada um só não rouba mais porque não consegue.
Abraço amigo
Quando ficam marcados os momentos que vivemos ou ouvimos, nada melhor do que compartilhar. Recordar é viver!
ResponderEliminarAbraços!
Leandro Ruiz
Luis,
ResponderEliminarGosto do modo como você narra a história!
Agora, os tempos são outros, mas as histórias continuam se repetindo...
Um bom domingo pra você.
Bjs.