A pobreza era comum em
toda a aldeia, mas ninguém se queixava.
Todos os dias eram dias
iguais a tantos que já passaram e seriam certamente iguais a muitos outros que
ainda haveriam de vir.
A grande diferença eram os
sonhos de cada pessoa - lutar pela vida.
- Talvez um dia a sorte
nos bata à porta…Diziam muitas vezes.
A panela de ferro, de três
pernas, estava sempre na lareira. Era lá que diariamente se fazia o caldo da
sopa.
A dona da casa, antes de
sair para os campos, deixava na lareira junto à fogueira a panela com água e
feijão ou grão-de-bico a cozer.
Depois cerca do meio-dia
reacendia a fogueira e acertava a água na panela. Enquanto esperava que a água
fervesse escolhia as couves. Finalmente acertava os temperos para que ficasse
mais apetitosa.
Alguns
dias substituía as couves por feijão-verde, ervilhas ou outros
legumes se era tempo deles.
Para tornar o caldo mais
cremoso deixavam cozer junto com o feijão duas ou três batatas que se desfaziam
e tornavam o caldo mais saboroso. Para temperar havia uma ponta de
toucinho salgado ou duas colheres de azeite.
Diariamente era cozinhada
uma nova caldeirada. A receita era sempre a mesma. As verduras alteravam nas
sopas conforme a época do ano.
A sopa que sobrava
do meio-dia comia-se à noite, à ceia.
Muitos dias já era pouca e
não daria para todos. Nessas noites acrescentava-se mais água e alguma farinha
de milho. Eram as papas quando ficava mais espessa ou esparregado se ficava mais
líquido e solto.
Se algum dos meninos se
queixava:
- Não gosto disto...
Logo recebia a resposta:
- Deixa na beira do
prato...Tantos meninos com fome e vocês armados em fidalgos...
Para acompanhar a sopa e
aconchegar o estômago comiam uma côdea de broa de milho. Alguns dias os mais
pequenitos perguntavam:
- E o conduto?
- É broa com dentes e é
muito boa...Prova e verás!...Respondiam os mais velhos.
A vida na aldeia fazia-se
entre a casa e as terras de cultivo ou as vinhas perdidas nas encostas voltadas
a Sul ou a Poente. O descanso era apenas ao domingo.
Os mais pequenos iam à
Escola e aprendiam muitas histórias nos livros. À noite repetiam-nas animando
os serões à volta da fogueira. Era também um treino de leitura.
Eram, sempre histórias
bonitas.
Um dia, uma das irmãs mais
velhas que nunca tinha ido à escola, acrescentou no final da leitura:
- Havias de ir cear lá
onde se passou essa história! Nunca mais ceavas...
Luíscoelho
Retorno-me aos tempos do sítio da minha vó em que tudo era difícil mas não aparentava, pois a felicidade da família reunida, os netos correndo nos boxes junto aos cachorros, a comida no fogão à lenha e toda a simplicidade interiorana ofuscava a leve escassez que na verdade era um infímo reflexo de uma vaidade quase incurável.
ResponderEliminarSeus contos são verdadeiras viagens no túnel do tempo. Parabéns.
ResponderEliminarAbraço
Recordações lindas que nos mostram a simplicidade da vida que tão esquecida por muitos anda! Adorei mais essa leitura! abração,chica
ResponderEliminarContos onde a simplicidade é o tema emocionam o meu coração.
ResponderEliminarUm grande abraço,
Élys.
Parecem tão recentes, cenas assim, sobre a vida familiar, nas rodas de conversa, à mesa, para saborear as refeições de forma harmoniosa. Na vida vida simples de cada dia, hoje nos parece que era mais bem vivido
ResponderEliminar, que eram mais longas as 24 horas...Bela crônica, Coelho, fez-me sentir o sabor da sopa de feijão (que sobrava do almoço), que mamãe passava pela peneira e acrescentava folhas de couve, rasgadas, e tomava-se com fatias de pão. Bons e saudosos tempos!
Gostei do seu texto, é importante que se divulguem tais realidades para que não se desperdice alimento, hábito que a muitos anos mantemos nessa casa. Um abraço, Yayá.
ResponderEliminar"- É broa com dentes e é muito boa...Prova e verás!...Respondiam os mais velhos."
ResponderEliminarTalvez seja, hoje, muito diferente a nossa pobreza
ResponderEliminarMas é igualzinha a mesa
talvez o que mude
em vez de sopa e pão
prevaleça o fast-food
(é um privilégio ler-te)
siempre tan reflexivos e interesantes tus textos. gracias por compartir.
ResponderEliminarun abrazo
~ ~ Teria muito para dizer, pois sou uma apaixonada pelo estudo de nutrição. Tentarei ser o mais sucinta possível.
ResponderEliminar~ ~ Nessa altura, as pessoas que viviam na aldeia alimentavam-se muito melhor do que os pobres que viviam nas grandes cidades.
~ ~ Feijão e grão, acompanhados de broa, fornecem proteínas e ferro. As couves forneciam a vitamina C que ajudava a absorção do ferro.
~ ~ Além disto, apanhavam sol, diretamente, ou filtrado pelas nuvens, o que lhes fornecia uma boa quantidade de vitamina D, muito importante para a imunidade.
~ ~ Nas cidades, os pobres ou desempregados comiam caldo verde e broa e pouco ou nenhum sol apanhavam. O bacilo koch invadia os pulmões dos organismos enfraquecidos e anémicos.
~ ~ Ontem, estive a reler a extraordinária biografia de Álvaro Cunhal. O seu pai era advogado, nem sempre tinha trabalho, era um homem de esquerda. Álvaro perdeu dois irmãos com tuberculose. Apenas lhe restou uma irmã muito mais nova.
~ Nas cidades, a pobreza é, quase sempre, muito sigilosa. É designada por "pobreza envergonhada". ~
~ ~ ~ ~ ~ A sua humildade é impressionante e muito louvável. Revela a sua nobreza de caráter.~ ~ ~ ~ ~
~ ~ ~ Cordial abraço. ~ ~ ~
Tempo que nem dá para relembrar...
ResponderEliminar(Por mim continuo a fazer a sopa tal como descreve aí - mas sempre com azeite e nunca com toucinho...)
Beijinhos
É bom relembrar tempos que já foram mais passado do que são e recordar a essas criaturas idiotas que andam desperdiçando água que na Palestina e em África pessoas morrem por causa dela e da sua falta...
ResponderEliminarBons sonhos
És um mestre nesta arte de nos transportares a tempos que nos trazem à memoria recordações.
ResponderEliminarVida difícil, mas no meio da miséria havia uma felicidade natural, um respeito que invejamos e uma solidariedade que foi esquecida.
Parabéns Luis!
luís,
ResponderEliminarE se eu disser que, ainda hoje, me sabe bem uma sopinha quentinha (no Inverno) com pão ou broa a acompanhar?
Oi luis,
ResponderEliminarA fome dói o estômago e a vontade revira as lombrigas e quantas pessoas hoje vão comer nos lixões.
Ainda bem que vocês tinham um caldinho quentinho e broa de fubá.
Depois sempre a vida melhora, é só ter persistência, saúde e força de vontade.
Beijos
Lua Singular
O teu texto fez-me retroceder no tempo até à Rua da Cruz das Guardeiras, de Moreira da Maia, à casa da minha avó, onde vivi tudo isso. Mas fui feliz, que bons tempos aqueles!
ResponderEliminarCenas que ficaram agarradas à minha mente e que hoje recordo orgulhoso.
Abraços de vida, meu amigo
Renovando em cada leitura de seus contos e narrativas meu apreço pelo modo como vêm apresentados certos temas de um passado não tão distante daquilo que acontece ainda em nossos dias, como a fome,a pobreza. ..A diferença,entretanto,ao meu ver é que parece que antes as pessoas sabiam melhor enfrentar essas dificuldades, mesmo existindo crise não se desesperavam tanto a ponto de buscar a criminalidade como forma para sobreviver.Eis na sua história ótimo exemplo de saídas par se enfrentar certos problemas desta vida. Bom fim de semana amigo!
ResponderEliminarGosto muito de broa de milho que compro com frequência. Cheguei a ter uma panela de ferro com 3 pernas e
ResponderEliminaradorei a sua história.Sou do tempo e, que se comia pão com cebola...
Pois é, hoje (felizmente) para muitas crianças nem sabem avaliar o que isso era.
Como sempre muito bem contada a sua história.
Desejo que o amigo esteja bem.
Bj.
Irene Alves
A sopa era forte, nutritiva, bem melhor que certas "iguarias" que hoje alimentam grande parte da população. Alertam os especialistas em nutrição e saúde para o aumento da diabetes, obesidade e de outras maleitas pelos erros que cometemos todos os dias. Hoje, já não há tempo para fazer a sopinha,não é?
ResponderEliminarNesse tempo que o Luís evoca o melhor mesmo era a sobremesa: as histórias contadas à volta da mesa ou da lareira no inverno.
Gostei da história pelo conteúdo e pelo estilo encontrado. Parabéns!
ResponderEliminarA lareira,o centro da vida.
A broa tão gostosa.
Abraço
Olinda
Luis que história deliciosa, parte da vida de muitos, adorei, abraços Luconi
ResponderEliminarOlá amigo Luis Coelho
ResponderEliminarObrigado pela visita.
É sempre um prazer recebê-lo no meu modesto espaço de opinião.
Notei que em 2013 diminuiu drasticamente a sua actividade na blogosfera e, em 2014, também é menor se comparada com anos anteriores.
Isso deve-se a alguma circunstância impeditiva ou, pelo contrário, trata-se de um procedimento devidamente ponderado?
Pela minha parte, devido à actividade que exerço como Presidente da Direcção de uma Colectividade e outros compromissos familiares, resta-me muito pouco tempo para dedicar ao meu blogue e às redes sociais, motivo pelo qual não tenho visitado com frequência alguns dos blogues que antes eram objecto da minha atenção. Está, neste caso, o seu brilhante blogue, com o qual me identifico totalmente, dado que muitas das coisas que escreve se enquadram perfeitamente nos hábitos e costumes da minha região transmontana e da minha juventude.
De qualquer forma, fazendo minhas as suas palavras, "os amigos podem estar ausentes mas nunca esquecidos", se tivesse mais tempo, não deixaria de lhe enviar um abraço com mais assiduidade.
Forte abraço, amigo Luis Coelho e votos de óptima saúde e boa disposição.