(em 2000, numa tarde de Sol, com a sobrinha Albertina )
Acordou cedo.
Parece que os ossos já não se faziam à cama e doía-lhe o corpo todo. Teimosamente voltou-se para o lado oposto e tentou adormecer no vazio do tempo que lhe enchia a cama.
Acordou as suas rotinas.
- Mas o que é que eu vou fazer hoje?
Perguntas que nasciam no seu interior e que lhe roubavam o sono.
Perguntas que nasciam no seu interior e que lhe roubavam o sono.
Outros pensamentos, desejos e sonhos povoavam-lhe o escuro do quarto. Lentamente viu que falava só.
- Cavar já não tenho forças.
- Ir para a taverna não me sinto bem.
Não gosto de ver aqueles homens com a barriga encostada ao balcão.
Enchem-me de tristeza!
- Cavar já não tenho forças.
- Ir para a taverna não me sinto bem.
Não gosto de ver aqueles homens com a barriga encostada ao balcão.
Enchem-me de tristeza!
Quando os vejo parecem esperar que alguém lhes pague um copo. Outros ainda olham-se interrogativos procurando um motivo de conversa.
Alguns dias pegam-se por razões sem razão:
- Eu é que sei, eu é que vi e não me desmintam...
Depois os outros atacam e zangam-se por coisas de nada.
Alguns dias pegam-se por razões sem razão:
- Eu é que sei, eu é que vi e não me desmintam...
Depois os outros atacam e zangam-se por coisas de nada.
Não! Isso não é vida para mim.
Os tempos mudaram. Já nada é como no meu tempo.
A vida na aldeia era diferente. Havia movimento na pacatez dos dias passados no campo.
Nos caminhos cruzavam-se pessoas e animais.
As manhãs eram coloridas com a alegria das crianças que iam para a Escola. Felizes e indiferentes às grandes privações. Iam e vinham transportando às costas uma sacola de burel com os livros, uma ardósia, os cadernos dos deveres e às vezes um pião.
Quando regressavam ao entardecer já tinham tarefas marcadas e era preciso cumpri-las. No fim tinham de fazer os trabalhos da escola e estudar a lição para o dia seguinte. Só depois poderiam fazer as suas corridas até os pais voltarem para casa já noite escura.
Alguns dias o frio e a chuva obrigava-os a ficar dentro de casa e a acenderem uma fogueira na lareira.
Os mais velhos, os avós, estavam por ali e iam tomando conta da canalha. Havia respeito.
Os avós faziam parte de um todo - a família.
A vida na aldeia era diferente. Havia movimento na pacatez dos dias passados no campo.
Nos caminhos cruzavam-se pessoas e animais.
As manhãs eram coloridas com a alegria das crianças que iam para a Escola. Felizes e indiferentes às grandes privações. Iam e vinham transportando às costas uma sacola de burel com os livros, uma ardósia, os cadernos dos deveres e às vezes um pião.
Quando regressavam ao entardecer já tinham tarefas marcadas e era preciso cumpri-las. No fim tinham de fazer os trabalhos da escola e estudar a lição para o dia seguinte. Só depois poderiam fazer as suas corridas até os pais voltarem para casa já noite escura.
Alguns dias o frio e a chuva obrigava-os a ficar dentro de casa e a acenderem uma fogueira na lareira.
Os mais velhos, os avós, estavam por ali e iam tomando conta da canalha. Havia respeito.
Os avós faziam parte de um todo - a família.
Tudo mudou. Não sei se vivemos melhor.
Muitos da minha idade já partiram. Outros foram para o Centro de Dia e outros ainda levaram-nos para os Lares de acolhimento.
As vacas e os carros de bois deixaram de passar por aqui.
Deixou de se ouvir a alegria das crianças que todas as manhãs passavam por aqui a caminho da Escola.
Hoje os pais levam-nos de carro. Cada um entrega os seus filhos, indiferentes aos problemas dos outros.
Deu mais uma volta na cama, mas o sono já tinha partido.
Muitos da minha idade já partiram. Outros foram para o Centro de Dia e outros ainda levaram-nos para os Lares de acolhimento.
As vacas e os carros de bois deixaram de passar por aqui.
Deixou de se ouvir a alegria das crianças que todas as manhãs passavam por aqui a caminho da Escola.
Hoje os pais levam-nos de carro. Cada um entrega os seus filhos, indiferentes aos problemas dos outros.
Deu mais uma volta na cama, mas o sono já tinha partido.
Quando o Sol lhe invadiu o quarto sentou-se na beira da cama. Procurou os chinelos e a seguir orou sem querer saber porque o fazia. Rotina ou uma necessidade interior?
Quis agradecer o descanso e pedir coragem para o novo dia.
O Sol começava a dar sinais claros de um amanhecer quente e calmo. Estávamos no fim da Primavera.
Os dias agora eram grandes e mornos. A pardalada quebrava o silêncio dos campos. Voavam apressados e andavam numa ida e vinda constantes.
Ainda havia vida, muita vida por ali em volta de si, da sua casa e daqueles campos que se alargavam a perder de vista.
Agarrou-se à bengala e foi ao WC.
Depois de se aliviar abriu a torneira e esfregou os olhos e a cara. Já estou mais leve e também mais fresco.
- A velhice pesa. Safa!... Os pés colam-se ao chão e cada dia preciso de um esforço maior para os mover.
Bem, vou procurar uma fatia de pão e ponho-o a torrar. Depois é só juntar a água ao café e tenho o meu pequeno almoço feito.
E foi falando alto, sentindo uma necessidade de se ouvir ou de se sentir ainda acompanhado da mulher e dos filhos.
O seu tempo, outro tempo, quando lhe parecia não ter tempo para nada...
Agora tem muito tempo e nem sabe o que fazer deste tempo.
Alguns dias os netos passam por cá. Pode ser que hoje venham.
Nessas tardes volto a ter vida. É uma festa quando trazem os seus amigos.
Na outra semana pediram-me para lhes responder a muitas perguntas. Nem sei se eles entenderam tudo! Falar do meu tempo é quase falar de um outro planeta...
Eles vão tirando apontamentos e certamente os professores depois fazem uma explicação.
Na outra semana pediram-me para lhes responder a muitas perguntas. Nem sei se eles entenderam tudo! Falar do meu tempo é quase falar de um outro planeta...
Eles vão tirando apontamentos e certamente os professores depois fazem uma explicação.
Os nossos mundos são diferentes.
Nós vivíamos para os campos. Fazíamos um casamento perfeito. Passávamos por lá os dias completos, de Sol a Sol.
Até as refeições se faziam por lá.
A mulher fazia a sopa e depois ia levá-la aos campos onde estávamos. Muitos dias ficava por lá e regressávamos todos ao anoitecer.
A mulher fazia a sopa e depois ia levá-la aos campos onde estávamos. Muitos dias ficava por lá e regressávamos todos ao anoitecer.
As nossas casas eram quase um abrigo do frio da chuva e do calor. O mais importante eram os campos. Ser rico era ter muitos terrenos e uma casa cheia de cereais, feno para os animais e outras provisões.
Hoje ser rico é ter um automóvel bonito e de marca. É ter uma casa grande, bonita e com belos jardins. Alguns até querem ter uma casa diferente de todas as outras...
Agora que já estou no fim da linha gostaria de continuar esta viagem e aprender tantas coisas novas que todos os dias vemos nos noticiários da TV.
Tenho a certeza que os meus netos me ensinariam a perceber este mundo novo onde parece que deixámos de ter lugar.
Luíscoelho
Abril/2015
Agora que já estou no fim da linha gostaria de continuar esta viagem e aprender tantas coisas novas que todos os dias vemos nos noticiários da TV.
Tenho a certeza que os meus netos me ensinariam a perceber este mundo novo onde parece que deixámos de ter lugar.
Luíscoelho
Abril/2015
Mais um aniversário do nascimento e da partida do meu pai. 1913 - 2004 - 22 de Abril
ResponderEliminarMais um texto muito belo e simultaneamente muito triste, porque todos nos reconhecemos no avô. o mundo está em constante mudança, o progresso vai chegando a todo o lado. ´´E bom? Sem duvida, mas seria excelente se por ele não se esquecessem sentimentos. Vivemos cada vez mais anos, e às vezes pergunto-me para quê, se ficamos esquecidos como trapos velhos. E depois morremos um dia em completa solidão e só nos descobrem quando precisarem da casa. Antigamente havia pouco pão, mas um enorme respeito e um carinho imenso pelos mais velhos.
ResponderEliminarUm abraço de solidariedade. O aniversário da partida de meu pai também passou há pouco tempo, e ontem seria o dia do seu aniversário se ainda estivesse connosco.
Texto muito bonito. Carregado de sentimentos a amor pela vida.
ResponderEliminar"Agora tem muito tempo e nem sabe o que fazer desse tempo": é assim mesmo...
ResponderEliminaracreditando que é para todos que vivem há muito tempo, como você, eu e todos do "nosso" tempo!
Os de nossa geração, certamente, identificam-se nessa excelente crônica que retrata muito bem a vida ontem e de hoje.
Forte abraço, Coelho!
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ResponderEliminar~ Comovente a terna e amorosa homenagem que fez a seu pai.
~ São memórias e sentimentos que permanecem para sempre.
~ Como era diferente o início do século passado, deste tempo!
~ ~ Permaneceu um idoso muito bem parecido e elegante.~ ~
~ ~ ~ Um longo abraço, amigo Luís. ~ ~ ~
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O tempo passa, marca datas ...Lembrar a partida de nosso pai, nos traz sempre recordações e saudades.
ResponderEliminarBelo texto pleno de emoção.
Um abraço, Élys.
Um texto bonito amigo, nos faz ficarmos saudosos e acreditar em coisas simples
ResponderEliminargostei de emocionar
Abraços
Rafael
Olá meu bom amigo, como estas prosas me fazem recuar no tempo.
ResponderEliminarLuís há tempos eu lhe disse que as nossas vidas são muito idênticas, em distâncias opostas e sexos opostos, mas como ainda sinto saudades destes tempos, sofridos sim, mas de uma pureza imaculada, só a liberdade que nós tínhamos, até de porta aberta se podia dormir.
Sabe amigo o meu filho de tantas histórias me ouvir pede encarecidamente para escrever um livro da minha vida, enfim o tempo continua o mesmo, a sociedade é que evolui-o muito.
Como o nosso Planeta é uma bola redonda e não pára de girar pode ser que tudo isto um dia volte.
Adorei como não podia de deixar de gostar, votos de uma boa semana com beijinhos de luz e paz em vossas vidas.
Triste e fria, a velhice, amigo Luís! Nada pior que a solidão. Enfim... que se há de fazer?!
ResponderEliminarEnquanto não chegamos lá - se lá chegarmos - vivamos solidários e compreensivos.
Abraço.
Um texto escrito, carregado de verdades, porque o tempo passa a correr, mas com quem fica deixa as saudades, como dantes se fazia já não se pode fazer, não vale a pena teimar porque a idade não perdoa mesmo!
ResponderEliminarBoa noite amigo Luís, um abraço
Eduardo.
"Deixou de se ouvir a alegria das crianças que todas as manhãs passavam por aqui a caminho da Escola.
ResponderEliminarHoje os pais levam-nos de carro. Cada um entrega os seus filhos, indiferentes aos problemas dos outros."
Não sei, se quando chegar a hora dos netos nos ensinarem eles o irão fazer ou se nos quererão ouvir... nesse caso, devemos estar preparados para lhes dizer mais qualquer coisa do que falamos, como um lamento, de como o mundo era, no nosso tempo.
(teus contos são um constante apelo à reflexão)
Olá Luís! Belíssima homenagem, esta que prestas pelo aniversário de nascimento e falecimento, ao teu saudoso pai. 91 anos de vida e, com certeza, uma boa bagagem de experiência.
ResponderEliminarO meu pai partiu no dia 26 de setembro de 1970 com 80 anos, a quem, dentre muitas outras coisas, devo o saber escrever as baboseiras que escrevo, e que uns chamam de poesia, outros de poema, soneto, etc.
Abraços,
Furtado.
Oi amigo Luiz
ResponderEliminarInfelizmente só conheci a minha avó paterna, quando nasci os outros já haviam morrido. Tenho poucas ou quase nada de lembranças dela,pois a mesma morava em outra cidade e era difícil o contacto.
Abraço
A tristeza de alguns velhos, luis.
ResponderEliminarO que me custa ver os meus pais envelhecer sem poder cuidar deles.
Aquele abraço
Que texto lindo,Luis e envelhecer não é muito legal,não! Traz consequências.. E como o tempo passa! abração,chica
ResponderEliminarComo os tempos estão diferentes! O progresso é de louvar em muitas áreas, mas perdeu-se o sentido dos afetos e do carinho pelos mais velhos. O k interessa é ter roupa de marca e telemóveis topo de gama. Eles têm tudo, eles têm tudo, eles têm tudo, e não têm nada, é caso para dizer.
ResponderEliminarGostei muito da forma e do conteúdo do seu texto.
Lindos e felizes dias, Luís!
O seu pai partiu em 22/04/2004. Compreendo mto bem a sua alma, e o k nela sente, especialmente, hoje.
ResponderEliminarA foto dele e da sobrinha Albertina está fantástica e mto real. Era um homem de porte! Que esteja junto dos anjos.
Abraço.
Muito bom, a,migo Luís. A idade chega para todos e a saudade de tempos idos, também. Realmente os tempos mudaram, digo, as pessoas mudaram, a sociedade mudou, não há mais família e amigos reunidos como dantes. Parabéns.
ResponderEliminarOi luis,
ResponderEliminarAcho que estamos na mesma idade, a minha aparência não é de velha, mas hoje já vai mais uma sacola de remédios para a farmácia do povo. Nem todos aguentava tomar e saber que até os 50 anos nunca tomei uma aspirina.
A velhice dói, agora mesmo estava almoçando aquela comidinha feita com amor, parei. Me senti mal, o açúcar caiu , tive que comer doce que detesto.
O mais importante na velhice, tenho certeza que se avô dizia, eram os feitos bons da vida. O amor, os filhos, as rodinhas de conversas. Lembro quando ainda menina que uma vizinha ajudava a outra principalmente aquela que trabalhavam de doméstica.
À noite, todos com suas cadeiras e radinhos sentados à frente de suas casas, depois se juntavam e a conversa corria solta e as crianças brincavam naquelas ruas de chão batido.
Meu pai não perdia nunca a voz do Brasil e adorava Getúlio .
O mais triste na velhice são as reminiscências.
Beijos
Oi luis,
ResponderEliminarDesculpe os erros, mas não enxergo muito e as letrinhas são pequeninas
Beijos
Uma singela e justa homenagem, evocativa dos tempos doutrora, em que o trabalho de campo era braçal, de enxada ás costas. As mulheres levavam numa cesta o almoço para os seus homens e por lá ficavam a ajudá-los nas suas tarefas. As crianças brincavam ao ar livre: à cabra cega, ao tiroliro, à bilharda. Agora os tempos são outros, amigo Luis. Vieram as máquinas. Os tratores substituiram os arados e as charruas. As crianças são deixadas de carro nas escolas. Devemos transmitir estas vivências aos nossos netos, sem prejuízo de lhes prestarmos a devida atenção e carinho.
ResponderEliminarUm abraço,
Jorge
MELANCÓLICO Y NOSTÁLGICO TEXTO.
ResponderEliminarABRAZOS
Sem palavras para descrever estes momentos. É um regresso a tempos que ainda recordo e me trazem recordações tão gratas que me enchem o coração.
ResponderEliminarLembrei o meu avô e quase que o li nas tuas palavras.
És perito neste reviver dos tempos. neste recordar de emoções e nestas viagens a um passado tão perto e, ao mesmo tempo, tão distantes.
Obrigado Luís.
Um abraço.
O sentido da vida perde-se nos artefactos de ter não deixando espaço aos sentimentos essenciais do ser humano.
ResponderEliminarUma beleza de história para refletirmos.
Oi Luis
ResponderEliminarSempre é bom dar uma mexida no passado, trazer para o nosso presente momentos bons e outros não tão bons assim, mas que nos serve de lições e aprendizados, mesmo que para isso alguma mágoa role ou até mesmo uma lágrima
Abraços
Rafael
Que bom!
ResponderEliminarComo ninguém, descreves cenas que contadas assim chegam ao mais intimo do ser, à alma.
Algo parecido me passou com o meu avô Joaquim, que grandes homens!!!
Abraços
Texto muito bom, com um significado de homenagem muito sentida.
ResponderEliminarCom as naturais diferenças da vida rural para a vida urbana e com outras decorrentes de um tipo de vida familiar diferenciado, revejo-me já nalguns aspectos.
Oi Luís, bom dia e um abraço fraterno meu retornando aqui.
ResponderEliminarAtualizando-me nas leituras das tuas postagens cá e lá há sempre algo que escreves a nos identifiicar...Escreves de modo detalhado e muito bem histórias reais,autênticas de vidas vividas e que podem servir como exemplo para muita gente também.A tua forma de homenagear o avô querido é muito bonita,contando a verdade do lado difícil de quem chega a uma certa idade.É nos afetos sinceros que nos (re)descobrimos e a familia é a base de tudo!