Reportamos-nos na data de 1925. Éramos uma família muito pobre. Muitos filhos e todos pequenos e com muitas necessidades. Distanciados uns dos outros por um período de 13 /14 meses. As jornas eram poucas e mal davam para comprar os alimentos essenciais.
Os pais viviam da agricultura de subsistência. Semeavam batatas, ervilhas, favas, milho e feijão e cultivavam ainda uma vinha na encosta da Saxieira. As uvas eram esmagadas e pisadas com os pés e a meio da fermentação juntavam-lhe uns cântaros de água da Fonte de StºAmaro e ficava uma água-pé que os remediava.
De manhã quando se levantavam comiam um caldo de couves temperadas com azeite ou toucinho salgado e bebiam um copo dessa água pé. Para acompanhar a sopa era distribuído um naco de broa, pão de milho cozido em casa, a cada um. Este pão tinha de chegar para toda a semana.
Quando havia jorna o pai comia um pouco melhor para aguentar o dia de trabalho a cavar nos campos ou a carregar madeira nos pinhais.
Com tantos filhos sem ter com que lhes matar a fome, tratou de mandar o Manuel, que era o mais velho, para casa dos Carnides na Ortigosa. Era uma casa farta . Tinham muitos animais e uma junta de bois para lavrar os campos. Não recebia ordenado ao fim do mês. Estava ali só para trabalhar e lhe darem um prato de sopa todos os dias. Era menos uma boca a sustentar em casa. O Manuel não estava longe dos seus pais e irmãos. Via-os diariamente mas tinha de estar ali às ordens do Patrões.
A comida também não era melhor do que em sua casa pois estas pessoas até a água poupavam para não perder tempo em ir buscá-la á fonte.
Um dia, a patroa, mandou o rapazito cegar erva verde à Serradinha para dar de comer aos bois. Levava uma foice e um poceiro de vime às costas para fazer o transporte da erva cortada para casa. O poceiro é um grande cesto muito usado nestas paragens.
Ele foi e procurou fazer o seu melhor trabalho. Havia por ali umas forragens boas para os porcos e por sua iniciativa cortou umas poucas e carregou o cesto de vime até poder com ele às costas.
Caminhou para casa com fome e também na expectativa que a patroa lhe ficasse grata pelo seu gesto de trazer a comida para os bois e os porcos.
Quando tirou o cesto das costas disse-lhe a patroa:
- Bonito trabalho!...Não tens vergonha ?...
Vê só, nem trazes para os bois nem para os porcos....Não foi isto que eu te mandei fazer, pois agora voltas para lá e fazes como eu te disse.
Cabisbaixo, o Manuel voltou para a Serradinha com o cesto às costas e por pá ficou até quase ao anoitecer. Carregou o cesto com toda a erva que tinha cegado e veio caminhado para casa.
Os olhos do Manuel tornavam-se brilhantes ao contar-nos esta e outras histórias da sua vida.
Sabia que os seus pais não o queriam em casa e que não havia comida para ele e sabia também que nesta nova casa apenas queriam a sua força de trabalho. Não podia queixar-se a ninguém e ninguém entendia o seu sofrimento.
Os anos passaram e começou a ser homem amigo de todos e muito trabalhador.
O Carreira viu ali uma força de trabalho e convidou-o para o ajudar a gerir a sua casa agrícola.
Naquele tempo até pagava bem. O Manuel era o homem de confiança e sabia da sua tarefa.
Conhecia melhor que ninguém todas as actividades da casa e ainda dos assalariados.
Quando pediu aumento pelo dobro do trabalho e da responsabilidade o patrão enganou-o, prometendo-lhe tudo de bom, mas nada lhe deu, nem aumentou o seu salário.
Dizia o Manuel: - Quem nasce pobre nunca vai ser rico !....
Trabalhou até poder e sempre com um sorriso amável para todas as pessoas. Faleceu em 2007 com oitenta e picos de idade.
Não se queixou da vida, mas sim de ter sido enganado e não ter tido coragem para emigrar como os demais. Teria tido uma vida melhor !...
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