domingo, 5 de julho de 2009

Flores em sofrimento

Posted by PicasaNaquela manhã de Julho, com temperaturas de Verão, a tia Rufina estava radiante. Pintou os olhos , as unhas das mãos e dos pés e enfeitou-se com as suas jóias de ouro.
O conjunto das roupas combinava perfeitamente com as tintas e o brilho das jóias nas orelhas, ao pescoço e ainda as pulseiras nos dois braços. Somos colegas de trabalho há muitos anos. A nossa maior cumplicidade vem daquelas conversas ocasionais em que nos tornamos confidentes um do outro, partilhando problemas e procurando algumas soluções, talvez as mais ajustadas no nosso caso. Nestas pequenas conversas, muitos dias à sombra dos pinheiros e à vista de toda a gente,tornámo-nos cúmplices um do outro abrindo o tesouro da alma onde guardamos sofrimentos, alegrias e ainda aquelas inquietações que nos fazem procurar ajuda nos amigos de verdade, pois sabemos que não brincam com os nossos sentimentos, nem vão abrir mão destas conversas com os outros. Não podemos dar conselhos um ao outro. Apenas podemos ouvir aliviando a ansiedade e tanta angústia armazenada no fundo da alma. Na última conversa percebi um pouco a atitude da tia Rufina transcrita nas suas palavras:
«o meu homem pode ter muitas amantes mas nunca terá nenhuma mais asseada e bem arranjada como eu».
Do seu olhar saíam faíscas de revolta, ira ou nem sei dizer o quê....Tantos anos de trabalho, tantas desculpas e perdão e o seu homem ainda não se emendou de andar atrás de outras mulheres gastando o que tem e o que não tem, levando para casa os bolsos vazios e na cabeça o derespeito pela esposa e as filhas já crescidas.
- Mãe diz-nos porque não te separas do pai....?
- Ele já te fez muito mal e nunca vai emendar-se....
- O que irá ser deste pobre se o abandonar...?Todos os dias me preocupo em fazer aqueles pratos que ele gosta, em ter a casa limpa e bem arrumada quero que ele nunca tenha motivos para dizer mal de mim.
- Já me bateu muito e me deixou marcas e mazelas muito grandes no meu corpo....
- Já não terei mais medo ou vergonha.....As nossas poucas conversas são apenas para lhe pedir algum dinheiro para as despesas da casa como a água e a luz. Perdi o medo dele....
Os seus olhos flamejavam!..............E o silêncio ficava no ar sem reposta nem conforto.
A tia Rufina ainda não tinha acabado:
- Vou escrever um livro, vou contar a minha história para que saibam o que tenho passado.
Numa das últimas conversas perguntei-lhe:
- Se não és feliz, vai à tua vida e vive como sempre fizeste com muitas amantes para te comerem e destruírem. Vai... e embebeda-te para te esqueceres do mal que me tens feito e também às tuas filhas....se é isso que queres vai.....Dá-nos ainda uma razão porque não nos deixas em paz.................Então o homem diz-lhe:
Tu és limpa e muito asseada alem de seres muito trabalhadora e eu nunca te vou deixar! Novamente o silêncio parecia cair dos ramos dos pinheiros como um tecto que nos protegia dos olhares indiscretos à nossa volta. Há pessoas com uma cruz muito pesada e sem qualquer esperança de que fique mais leve ou menos espinhosa no futuro. Nem todos tem coragem desta mulher que luta para ter um pouco de felicidade e dar às suas filhas e já um neto uma imagem bem diferente de tudo aquilo que vive diariamente.
- Olhe que chegou a infectar-nos a todos lá em casa com doenças venéreas e fui eu que tive de lhe marcar uma consulta e pagar os tratamentos.Se alguma de nós se sentasse na cadeira ainda quente, ficava logo com aquela doença....que vergonha que passámos............
Olhe tia Rufina penso que esse comportamento poderá trazer um pouco dos traumas de guerra. Marque-lhe uma consulta num especialista e veja se consegue tratar-lhe da reforma por invalidez, pois mais dia menos dia acabará por ter esse peso ali em casa e terá de alimentá-lo bem como aos seus vícios. Mais nada me ocorreu para rematar este encontro na nossa hora de almoço.
O meu coração sangrava também, e só pensava o porquê desta situação ..... ?
Por vezes, quanto mais fundo estamos, menos vemos e menos vontade temos de sair dessa situação.Um tratamento fará bem a este senhor e como a esperança é a última a morrer pode ser que ainda vá a tempo de salvar o pouco que lhe resta da sua família.

«Os nomes não correspondem aos verdadeiros por motivos de respeito»

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