sexta-feira, 15 de março de 2013

A ti Canária



(foto google)

Tenho uma leve lembrança desta personagem. Vivia no extremo da Aldeia, numa encosta virada a nascente.  Subíamos do lado poente e só no cimo do monte é que começávamos a ver o telhado da sua casa. Era uma casinha simples e escondida na vegetação.
Poucas pessoas passavam por ali. 

Alguns metros antes da casa o caminho virava à direita em direcção aos pinhais e matas que pintavam de verde toda aquela zona inabitada e que se estendiam para Sul e para nascente até perder de vista.
Nas tardes quentes do Verão, quando o Sol se inclinava para o Oceano  havia tonalidades diferentes por toda aquela vasta área. As aves e as cigarras completavam este quadro em alegre e monótona sinfonia.
A Canária era casada com o Zé Sacristão. Homem forte e alto. Parecia descendente dos antigos ciclopes (gigantes gregos). Apesar de tudo era um homem trabalhador e muito prestável. Tinham uma filha e podiam viver em paz se não fosse o famoso néctar da uvas que se apoderava das suas capacidades de diálogo e de compreensão.
Conta-se que certo dia, depois da vindima, o Zé Sacristão foi ao lagar pisar as uvas em fermentação. Molhou os dedos no mosto e levou-os à boca para saborear.
- Que coisa boa...! Exclamou de satisfeito. Depois chamou a mulher e disse-lhe:
- Traz-me aí uma broa e uma tigela grande.
Ainda antes de começar a pisar as uvas, bebeu uns caldos de vinho em mosto com as migas da broa.
- Há!...Agora estou satisfeito. Então vamos ao trabalho. 
Foi pisando as uvas fazendo-as mergulhar no vinho que sempre as trazia para cima.
Quando terminou foi a correr lavar os pés e as pernas pois já lhe estava a doer a barriga. O mosto das uvas em fermentação começou "a dar a volta" nos intestinos. Depois ainda veio o pior... Nem de pé nem sentado...não tinha posição e corria com as calças na mão para se poder baixar constantemente. Passava muito tempo de  rabo no chão...era uma diarreia seguida.../...muitas cólicas...
- Ia morrendo. Dizia ele. Só via diabos à minha volta...ufa! Juro por Deus que nunca mais farei outra coisa igual. 

A mulher fez-lhe um caldo de arroz cozido para ele beber, mas  aquilo saía mais depressa do que ele bebia.

- Vai "home" come mais um caldinho...Se eu pudesse punha-te uma rolha no cu...dizia ela com malícia.
-  Cala-te...! Deixa-me! Ai que eu não posso mais! Gritava o pobre homem.

A Canária cantava todo o dia. Quando íamos com o carro de bois para aqueles lados, ouvíamos parte dos seus cantos. Eram tristes. Pareciam preces, talvez gemidos como quem chora. Seriam saudades do seu amor?
Andava sempre com as saias alteadas. Metia uma fita abaixo da cintura e depois puxava as saias para cima de modo a ficarem apenas pela altura dos joelhos. Assim não se sujava na terra.

No Inverno não havia trabalho. Ele oferecia-se para limpar as valas na ribeira do Paul. Fazia esses trabalhos como uma empreitada. Todos os dias por lá andava, descalço e com as calças arregaçadas acima dos joelhos.

Tinha uma pá estreita e era com ela que ia tirando a terra do fundo e dos lados do canal. Também trazia um balde de madeira onde guardava algumas enguias que ia encontrando.
O seu ritmo de trabalho era sempre o mesmo.
De quando em vez endireitava as costas e respirava mais fundo para aliviar as dores...

Um Sábado à noite o Patrão chamou-o para lhe darem a ceia. Encheram-lhe o prato com feijão cozido, pedaços de carne e bastante hortaliça. Ele devorou tudo tão depressa que todos ficaram pasmados. Não mastigava nada. Engolia quase tudo.


- Algum dia você engasga-se e depois é o cabo dos trabalhos, disse-lhe a dona da casa. Deve comer mais devagar e mastigar melhor. Pode um pedaço de carne ficar-lhe entalado na garganta. Cuidado!


- "Nã" se preocupe." “nã, há-de ser nada”

Se alguma vez isso acontecer eu carrego-lhe aqui com estes dois até passar tudo para baixo! E mostrou dois dedos grandes de uma das mãos..."vira-milho" é sempre a andar...e riu-se muito com a sua voz grossa e muito desconcertada.
Luíscoelho

sexta-feira, 1 de março de 2013

Marcações de terrenos

Na nossa aldeia as histórias aconteciam por tudo e por nada, mas  eram sempre acontecimentos importantes para todos.
Algumas coisas eram divertidas: as festas, os casamentos, a chegada dos emigrantes, a matança do porco etc.
Outras eram mais tristes: os doentes, os desentendimentos entre vizinhos, os funerais ou os acidentes

Havia também o trabalho comunitário:  arranjo dos caminhos públicos ou a reparação de alguma casa atingida pelo fogo ou derrocada.
Todas as pessoas eram moldadas por uma grande força de viver e lutar pela vida.
Em cada pessoa residia o sonho de um futuro melhor.

A palavra de um homem era como uma escritura. Todos cumpriam com o combinado entre todos. Eram as suas obrigações.  
Uma ou duas vezes por ano reuniam-se no adro da Igreja, depois da missa do Domingo e planeavam alguns trabalhos comunitários. Limpeza e arranjo dos caminhos.
No dia marcado juntavam-se todos e com as suas enxadas cortavam as silvas e outros arbustos que dificultavam a passagem. Tapavam os buracos e deixavam os caminhos transitáveis.

Eram pessoas simples, claras. Era assim porque era assim, e sempre foi assim. Não havia lugar para muitas perguntas.  
As sementeiras sempre foram feitas no tempo certo. Na Primavera.
As colheitas eram o resultado dos cuidados de cada agricultor ou da vontade de Deus. 

Quando faziam uma marcação de terrenos, porque se perderam os marcos ou porque surgiam dúvidas, juntavam todos os confinantes. Descobriam um marco e alinhavam o terreno com duas ou três canas altas até ao limite do terreno.  

Depois abriam uma cova e colocavam lá uma pedra grande no fundo e outra mais pequena em cima daquela de modo que ficasse à superfície.
Por último colocavam as testemunhas. Eram pequenas pedras que ficavam dos lados do marco principal.
Cada pedra pequena representava a direcção do outro terreno. Ninguém poderia mexer ou alterar a posição destas marcações.

Um dia dois agricultores levaram-se de razões por uma beira de terra. Cada um afirmava que era sua. Os ânimos estavam exaltados e um deles afirmou:
- Vou arrancar essas pedras. Esta beira de terra é do meu lado, pertence-me...
- Nem pense nisso, respondeu-lhe o outro. Este marco sempre aqui esteve. O senhor não pode mexer-lhe. Vou-me colocar em cima dele. Livre-se de levantar a enxada para o arrancar...

Percebendo as certezas do vizinho, saiu dali a resmungar e entre dentes disse:
- A cada um o que é seu - diz o povo e com razão...
- Nem dá-lo nem roubá-lo, acrescentou o outro, também convicto das suas razões.

Luíscoelho - Março 2013

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Obrigado


(foto google)

Quero dizer-vos obrigado
Com muita simplicidade
Sem ter nada combinado
Num gesto de liberdade

Escrevendo ainda procuro

Amigos com dignidade
Sabendo quanto é duro
Perdê-los por mera vaidade

As palavras que escrevo

Não são tudo quanto devo
Para todos em igualdade

E simplesmente obrigado

Por quanto me foi ensinado
Não será mais que a verdade
Luíscoelho

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O ciclone de 19 de Janeiro de 2013 em Leiria





(foto Região de Leiria)

Muitas nuvens carregavam o céu escondendo as estrelas. O vento começou numa dança em ritmo crescente.
Que vendaval aí vem...pensaram todos ao mesmo tempo. Os sons tornavam-se medonhos, ameaçadores...
Trancaram as portas e janelas e sentaram-se todos à volta da fogueira que parecia não quebrar o frio. 
Os ventos entravam pela chaminé e espalhavam o fumo por toda a casa o que era ainda mais desagradável.

Entre todos crescia a esperança que nada de mal lhes acontecesse. O pai e a mãe estavam presentes e isso já ajudava os mais pequenos a estarem tranquilos.
O temporal não escolhe as pessoas. Ricos ou pobres, todos estão sujeitos à fúria dos ventos e da tempestade.
O pai estendeu o braço para os proteger, acarinhando-os. No seu olhar havia esperança. Já tinha passado por outras tormentas. Sabia que tudo iria passar deixando marcas um pouco por todo o lado.

A casa era simples. As paredes eram de pedra e os tectos de madeira. O olhar das crianças reflectia insegurança.  
Se os pais não estivessem com eles deixar-se-iam sufocar pelo medo constante e crescente.
 A ventania assobiava nas portas e janelas.
De repente ouviram outros sons. Eram as telhas da casa empurradas pelo vento a partir-se na calçada. As árvores  na mata, também iam caindo umas sobre as outras.
Muitas partiam-se pelo meio e outras eram arrancadas pela raiz.

- Não chorem...disse-lhes o pai em tom de segredo. Estas coisas merecem respeito, mas tudo vai passar. As forças da natureza são poderosas...não devemos desafiá-las...
- Vou lá fora procurar umas pedras grandes para colocar em cima das telhas do beirado. É preciso segurá-las com sacos de areia ou pedras para que não se soltem e se partam no chão.  
- E tu consegues fazer isso sozinho? Perguntou a mulher.  Vou ajudar-te!...Tu vais acertando o beirado e eu chego-te as pedras para as travar. Vós ficais aqui ao calor da fogueira mas não mexam no lume, disseram ambos, avisando os filhos...

A casa era baixa e algumas telhas já tinham caído. Outras balançavam ameaçando rolar para o chão.
Ele encostou uma escada e subiu compondo um lanço de telhas. A mulher levou algumas pedras que o marido distribuiu por cima do beirado para as segurar.
Depois de reparados os estragos maiores disse: 
- Faremos o resto amanhã... Agora não se vê e sem querer podemos cair.
Arrumou a escada e voltaram para junto dos filhos.

A mãe avivou a chama da fogueira para iluminar a casa e depois espreitou a panela da ceia.
- Vamos comer a nossa sopa...Está cozida...
Serviu os mais pequenos e depois os mais velhos. Ela e o marido seriam os últimos.  
Chega para todos... No fundo da panela cresce sempre mais uma concha de sopa. Deus não nos deixa ficar mal.

O pai partiu e distribuiu o pão.
Comeram em silêncio, mas podia ouvir-se o som das colheres raspando nos pratos...
Ninguém pediu mais. Todos tinham enganado a fome.
Podemos ficar aqui, à fogueira, mais um pouco. Depois iremos quentinhos para a cama.

Os mais novos, ouvindo o barulho do vento, foram perguntando:
- O que é o vento e de onde é que ele vem?
Porque é que ele faz tanto barulho agora...?  
-Pouco posso dizer para explicar o vento...disse-lhes o pai. Imaginem o mar com tanta água e tantas ondas, esse é o mundo dos peixes...
Nós vivemos num mundo atmosférico. É como um mar de ventos, com ondas e tempestades.
Os peixes não vivem sem água e nós não vivemos sem o ar... 
 Amanhã quando acordamos vamos ver as coisas que o vento tombou, partiu ou levou.  

Agora vamos apagar a fogueira e vamos todos para a cama. Está na hora de irmos dormir sem medo.
Luíscoelho

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Neste Natal


(foto google)

Queria neste Natal

A paz entre as Nações
Alegria em todos os lares
Muito amor nos corações
E que cada pedaço de pão
Fosse símbolo do amor
A força viva da vida 
A maior das construções 


Queria neste Natal

O olhar de uma criança
Nos braços de sua Mãe
Sorrindo cheia de vida
E com o brilho que Ele tem
Nos enchesse com sua graça
Com muito amor e muita Luz
Que nos enchesse de esperança.
Luíscoelho  

sábado, 13 de outubro de 2012

Dia da Ascensão



O dia da Ascensão era o dia mais sagrado dos católicos. Afirmavam que os passarinhos neste dia não voavam e como os passarinhos todos os cristãos deveriam respeitar este dia. 
Era uma homenagem ao Senhor Jesus que neste dia subiu aos Céus vivo e ressuscitado.

Cristo venceu a morte e ressuscitou, mas os seus Apóstolos ficaram vazios da força do Espírito Santo e andavam desnorteados. Jesus passou mais quarenta dias ensinando-os e fazendo-os trabalhar.
- "Ide e ensinai o Evangelho. Quem acreditar será salvo. Curai os doentes. Meu Pai que está no Céu, não vos deixará sem recompensa. A força e a Luz do Espírito Santo guiar-vos-à."

Na aldeia os sinos tocaram de madrugada. Aquele som cortava os vales e os montes num toque festivo e convidativo.  Cada um vestiu as suas roupas domingueiras e dirigiram-se para a Igreja.
Era dever dos cristãos ouvir missa inteira aos domingos e dias santos de guarda. O senhor prior até sabia o lugar de cada pessoa dentro da igreja. Se  faltasse alguém ele devia saber porquê.

O pai levou consigo os rapazes e foi para a Capela Mor onde apenas estavam os homens. Ajoelharam-se na pedra fria e gasta e ensinou os filhos a fazerem o sinal da cruz.
Depois levantaram-se e esperaram  de pé e em silêncio que o senhor prior entrasse e começasse a Oração.
Se algum dos garotos olhasse para trás ou fizesse barulho levava um tabefe chamando-o ao respeito.

A mãe entrou pela porta do fundo da Igreja, porta principal, e caminhou com as filhas até meio da igreja onde ainda havia espaço para elas. Como o pai, também ela ajudou as mais novas a fazer o sinal da cruz e a guardarem silêncio.

Ouvia-se um leve murmurar de orações soltas e desencontradas umas das outras. Cada um pedia a Deus por si e pelos seus, pelos vivos e falecidos, pelas searas e pelos animais, pelo tempo e pela chuva que lhes regava os campos.

O sacristão acendeu as velas e logo depois entrou o senhor prior todo ornamentado. Vestes brancas, sinal de festa e de alegria. Pararam as orações pessoais para ouvir uma  língua estrangeira que repetia sempre as mesmas coisas de costas voltadas para a assembleia.

Depois de algum tempo, o senhor padre voltou-se para nós e começou a falar a nossa língua e a dar explicações certamente daquilo que só ele leu e também só ele podia entender.
A segunda parte da liturgia continuou na língua estrangeira que nós não entendíamos.

À saída, no adro, cumprimentaram-se os familiares e amigos,  regressando a casa pelo mesmo caminho.
A manhã passou depressa, sem nada de especial. O pai, depois de trocar de roupa, tratou dos animais e a mãe fez o almoço.

Ao meio dia já os garotos enfadavam a mãe dizendo:
- Tenho fome !...Era o cheirinho fresco do guisado que estava quase pronto.
- Vão chamar o pai e lavar as mãos que eu já levo a comida para a mesa, disse-lhes ela.

- Mãe o que é hoje o nosso almoço ? Cheira muito bem...hum !
- Vá, vão para a mesa. 
Esperaram que o pai entrasse e só depois se sentaram.
A mãe dividiu a comida e recomendou-lhes que não dissessem a ninguém que tinham comido frango com arroz e ervilhas.

- Se os tios sabem que comemos frango chamam-nos estragados.
- Então o que vamos responder ?
- Digam que comeram sopa de feijão e couve e que estava muito boa. Entendido ? Vejam lá se não nos deixam ficar mal.

Toda a sociedade tinha de  se reger pelos mesmos códigos sociais mas dentro de cada família havia uma distância que os fazia ser diferentes.
Como eram saborosos os almoços ao domingo ou dia santo, feitos num tacho de barro que a mãe colocava num tripé na lareira. 
Luíscoelho

(foto do blog de Luísa Alexandra)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Nagasaki


Hoje, os noticiários,  falaram levemente deste acontecimento - Nagasaki.- 09/08/1945
Esta foi a segunda bomba destruidora. Aniquilou a vida de uma geração. 
A primeira foi lançada sobre Hiroxima. em 06/08/1945, três dias antes.

No dia 9 de Agosto um piloto da Força Aérea Americana deixou cair a segunda bomba sobre Nagasaki.
Ninguém previu os danos, as mortes, a dor e o sofrimento atroz para tantos inocentes.
Porque decidiram para esta cidade uma segunda bomba ? 

Passados tantos anos ainda existem pessoas que sofrem os efeitos da radioactividade.
Os criminosos não foram punidos. 
O Executante enlouqueceu. Morreu em pesada agonia.
As imagens que lhe foram chegando destruíram-no. 
Foi tarde demais. O mal estava feito. 

Estes acontecimentos envergonham-nos a todos como membros de uma sociedade que se diz civilizada. 
O homem é de todos os animais o pior e o mais brutal assassino.
Estas datas não podem passar desconhecidas ou ignoradas. 
Elas Fazem parte da nossa história recente e devem servir para que estes erros não voltem a ser repetidos. 

É preciso que todas as crianças possam nascer e viver com liberdade respeitando as outras crianças independentemente da sua cor, da sua religião ou da sua cultura. 
É preciso que aprendam a religião do amor e do respeito em todas as escolas do mundo. É urgente que aprendam a PAZ. 

- Não matarás.
Não podemos continuar numa sociedade que ensina a matar. 
Não podemos aceitar que esta sociedade continue a lançar bombas no Japão, no Iraque, no Egipto, na África na Europa ou na Ásia.
Não há nenhuma religião verdadeira que mande matar. 
As falsas religiões atribuem a Deus sede de vingança que Ele não tem. Deus é simplesmente Amor. 
As guerras e as bombas são uma negação do amor e do entendimento entre os homens. 

Hoje, como ontem, os homens continuam a fabricar bombas. Atacam-se um pouco por todo o lado desrespeitando todos os acordos e promessas. Retiram o valor à palavra dada. Não se aceitam entre si e atribuem apenas força à força da morte provocada pelas bombas.

Caminhamos para um novo Apocalipse.
É tempo de nos darmos as mãos, de dizermos não à guerra. É tempo de não aceitar governos que apostam na morte como se fosse vida, na destruição como se fosse progresso.
Hoje é o tempo de dizer basta a tantas barbaridades, roubos e devastação do nosso planeta como se isso fosse progresso.
Luíscoelho