sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O ciclone de 19 de Janeiro de 2013 em Leiria





(foto Região de Leiria)

Muitas nuvens carregavam o céu escondendo as estrelas. O vento começou numa dança em ritmo crescente.
Que vendaval aí vem...pensaram todos ao mesmo tempo. Os sons tornavam-se medonhos, ameaçadores...
Trancaram as portas e janelas e sentaram-se todos à volta da fogueira que parecia não quebrar o frio. 
Os ventos entravam pela chaminé e espalhavam o fumo por toda a casa o que era ainda mais desagradável.

Entre todos crescia a esperança que nada de mal lhes acontecesse. O pai e a mãe estavam presentes e isso já ajudava os mais pequenos a estarem tranquilos.
O temporal não escolhe as pessoas. Ricos ou pobres, todos estão sujeitos à fúria dos ventos e da tempestade.
O pai estendeu o braço para os proteger, acarinhando-os. No seu olhar havia esperança. Já tinha passado por outras tormentas. Sabia que tudo iria passar deixando marcas um pouco por todo o lado.

A casa era simples. As paredes eram de pedra e os tectos de madeira. O olhar das crianças reflectia insegurança.  
Se os pais não estivessem com eles deixar-se-iam sufocar pelo medo constante e crescente.
 A ventania assobiava nas portas e janelas.
De repente ouviram outros sons. Eram as telhas da casa empurradas pelo vento a partir-se na calçada. As árvores  na mata, também iam caindo umas sobre as outras.
Muitas partiam-se pelo meio e outras eram arrancadas pela raiz.

- Não chorem...disse-lhes o pai em tom de segredo. Estas coisas merecem respeito, mas tudo vai passar. As forças da natureza são poderosas...não devemos desafiá-las...
- Vou lá fora procurar umas pedras grandes para colocar em cima das telhas do beirado. É preciso segurá-las com sacos de areia ou pedras para que não se soltem e se partam no chão.  
- E tu consegues fazer isso sozinho? Perguntou a mulher.  Vou ajudar-te!...Tu vais acertando o beirado e eu chego-te as pedras para as travar. Vós ficais aqui ao calor da fogueira mas não mexam no lume, disseram ambos, avisando os filhos...

A casa era baixa e algumas telhas já tinham caído. Outras balançavam ameaçando rolar para o chão.
Ele encostou uma escada e subiu compondo um lanço de telhas. A mulher levou algumas pedras que o marido distribuiu por cima do beirado para as segurar.
Depois de reparados os estragos maiores disse: 
- Faremos o resto amanhã... Agora não se vê e sem querer podemos cair.
Arrumou a escada e voltaram para junto dos filhos.

A mãe avivou a chama da fogueira para iluminar a casa e depois espreitou a panela da ceia.
- Vamos comer a nossa sopa...Está cozida...
Serviu os mais pequenos e depois os mais velhos. Ela e o marido seriam os últimos.  
Chega para todos... No fundo da panela cresce sempre mais uma concha de sopa. Deus não nos deixa ficar mal.

O pai partiu e distribuiu o pão.
Comeram em silêncio, mas podia ouvir-se o som das colheres raspando nos pratos...
Ninguém pediu mais. Todos tinham enganado a fome.
Podemos ficar aqui, à fogueira, mais um pouco. Depois iremos quentinhos para a cama.

Os mais novos, ouvindo o barulho do vento, foram perguntando:
- O que é o vento e de onde é que ele vem?
Porque é que ele faz tanto barulho agora...?  
-Pouco posso dizer para explicar o vento...disse-lhes o pai. Imaginem o mar com tanta água e tantas ondas, esse é o mundo dos peixes...
Nós vivemos num mundo atmosférico. É como um mar de ventos, com ondas e tempestades.
Os peixes não vivem sem água e nós não vivemos sem o ar... 
 Amanhã quando acordamos vamos ver as coisas que o vento tombou, partiu ou levou.  

Agora vamos apagar a fogueira e vamos todos para a cama. Está na hora de irmos dormir sem medo.
Luíscoelho

32 comentários:

  1. Estimado Amigo Luis Coelho,
    Mais um belo relato desse trágico temporal que assolou não só a zona de Leiria bem como parte de Portugal.
    Aqui na Ásia já estou acostumado aos ventos ciclonicos que por vezes nos afectam, e como tal já não estranho e não receio.
    Passei alguns tufões quando andava embarcado com ventos com mais de 250 kms hora e passar uma semana sem comida, somente cigarros e café.

    O tempo anda mudado, agora parece que as tempestades estão afectando mais territórios.
    Adorei seu relato, mas triste fico pelo que aconteceu.
    Abraço amigo

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  2. Caro Luís

    A Natureza mostra a sua força quando menos se espera.Apesar de todo o progresso, continuamos a sentir-nos pequeninos quando o vento sopra e assobia nas nossas portas, quando nos carrega como se fossemos penas;quando a chuva cai e, num instante,forma rios em catapulta, completamente incontroláveis.

    Gostei desta família, da calma que os pais transmitem aos filhos, protegendo-os e reparando os estragos e explicando a função dos elementos.

    Caro amigo, adorei ler esta sua história com fundo verídico e que pode ter acontecido em tantos lares nestes últimos tempos, neste rigoroso inverno.

    Abraço

    Olinda

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  3. Teu conto, lindo,mas quando a natureza se rebela, e´forte e dá medo!! abração praiano,chica

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  4. E a fé faz-nos dormir sem medo.

    Abraço e bf de semana

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  5. Olá amei o blog! Elegante, inteligente, interessante...
    Gostei do seu texto.
    Já estou seguindo!
    Se puder visita meu cantinho.
    Bjs

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  6. Adoro a tua prosa querido amigo.
    Adorei a comparação dos ventos com as ondas e o mar. Lindo.
    Um grande bj

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  7. A natureza tem seus mistérios e sua força, mas com fé, esperança e união, podemos saber enfrentá-la.
    Abração

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  8. SIEMPRE TUS HISTORIAS TAN INTERESANTES.
    UN ABRAZO

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  9. Pois é amigo os estragos dos
    temporais. Hoje onde resido
    também está muito vento e parece
    que a chuva vai chegar com
    intensidade.
    Gostei de ler.
    Desejo que esteja bem.
    Beijinhos
    Irene Alves
    Bom fim de semana

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  10. Talvez, como dizes, "O temporal não escolhe as pessoas. Ricos ou pobres, todos estão sujeitos à fúria dos ventos e da tempestade." mas é tão diferente a forma como se reparte o pão...

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  11. Gosto de ver os pais como a temperança, o porto de abrigo, o refúgio nos dias de tempestade seja ela física ou não.

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  12. Belo texto com um conteúdo que dá conta das nossas limitações face às devastações que as forças excessivas da natureza por vezes provocam.
    Bela imagem a dos filhos vendo nos pais a sua salvaguarda.
    Um abraço,
    Jorge

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  13. Amigo Luís, eu cá tive bastante medo. Tenho sempre muito medo das forças da natureza em desordem... E aquela manhã de sábado foi forte...

    Bom fim de semana.

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  14. Um belo conto que nos mostra a realidade destas tempestades que a tudo vão destruindo, são as forças da natureza revoltadas pelo descaso do ser humano em relação a Mãe Natureza, parabéns beijos Luconi

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  15. Costuma-se dizer que as desgraças não poupam ricos ou pobres. Apenas o conforto material é tão diferente de uns e de outros...

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  16. Adorei este texto, pois teve o condão, aproveitando a força da natureza nos retratar a força da família.
    Tem uma carga grande de afectos e da força da vida.
    Obrigado por este momento!
    Um abraço

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  17. Carinhosamente venho desejar um feliz e abençoado Domingo.
    Uma semana de Realizações. sonhos realizados,
    pois a vida é um constante recomeçar.
    Beijos paz e luz,Evanir.

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  18. La naturaleza es bella e impredecible.
    Que tengas un lindo domingo, abrazos.

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  19. Mais uma vez, senti que podia viajar até ao tempo em que o inverno era enorme e assustador, como animal feroz, não sei se por ser realmente mais agreste, ou assim parecesse aos nossos olhos infantis.

    Um beijo

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  20. Acompanhado à distância, o temporal pareceu uma coisa assustadora, Luís.
    E a protecção civil algo mal preparada para enfrentar estas catástrofes.
    Aquele abraço e votos de boa semana

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  21. Acompanhado à distância, o temporal pareceu uma coisa assustadora, Luís.
    E a protecção civil algo mal preparada para enfrentar estas catástrofes.
    Aquele abraço e votos de boa semana

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  22. Tenho medo do vento...sempre tive! Gostei deste relato em história e calculo o medo que todos sentiram, principalmente aqueles, a quem o vendaval tocou de perto.
    Por aqui, o vento também bailou e rodopiou e espalhou coisas incríveis pelo quintal.
    Andei ausente...mas voltei talvez empurrada pelo vento...quem sabe?
    Abraço amigo
    Graça

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  23. Olá meu querido amigo, sinceramente já tinha saudades de aqui vir, mas de cada vez que aqui venho vejo-me e desejo-me pois vai sempre ter ao google mais e ai eu não ligo muito. Acho que de agora em diante não irei ter mais esse problema já o tenho nos favoritos.
    Amigo escusado será dizer que seja ela qual for é sempre um grande prazer em ler as suas histórias, espero que você por ai não tenha sido muito atingido.
    Agora falando um pouco de mim na graça Divina tudo por hora está bem um dos meus desejos já foi atendido que foi a operação do meu marido, que graças a Deus está bem, agora só falta mesmo é ver a neta com a mãe. Todos os dias espero e nada de novo, como sabemos os tribunais e advogados são os ladões autorizados e os que não são passam pela mesma bitola, sem mais que já é muito, beijinhos de luz e muita paz para todos dai.

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  24. Foi um dia horrível que só poderia ganhar beleza com a força das tuas palavras.
    Beijinho

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  25. Dom Dinis o mandou plantar
    Para impedir que as areias
    Evadisse a terra vindas do mar

    Mas o fogo e o temporal
    É o mais forte, destruidor
    Foi o Rei de Portugal
    1279-1325, poeta agricultor!

    Boa noite para você,
    amigo Luís, um abraço
    Eduardo.

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  26. Quando a mãe natureza se zanga, é imparável!
    O ambiente que criaste, centrado num feito recente, é uma imagem real da nossa terra, do sentir das nossas gentes. Povo humilde que luta dia a dia por superar-se.
    Quando a inclemência do tempo se soma às adversidades, temos s tragédia. O que nos faltava!
    Um grande abraço, querido amigo e espero que o tempo não tenha feito estragos nos teus enceres.

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  27. ... tenho o maior respeito pela natureza, ela tem força inestimável e inexplicável...

    Abraço!

    http://bymeandthetime.blogspot.com/

    http://www.youtube.com/user/ByMeAndTheTime

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  28. Depois da tempestade, sonhos de bonança.

    Que a esperança de reconstruir nunca se apague para todos que sofreram com a força da natureza.

    Abraço, Luis!

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  29. Oi Luis
    As intempéries da natureza não escolhem lugar nem hora para chegarem, sofrem os mais pobres que tem suas casinhas fragilizadas, nas favelas, que se deitam ao chão sobrando apenas o choro e a dor da perda material e muitas vezes humanas.( mas eles se juntam e erguem seu barracos novamente, é a força da união).
    O pior é que o homem está destruindo a natureza de uma forma descontrolada, ficaremos à deriva com a fúria dela.
    Adorei seu conto
    Parabéns pelo fantástico escrito.
    Obrigada
    Beijos
    Lua Singular

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  30. Belo!
    Como uma situação tão difícil é descrita com tanta simplividade e com algum carinho até.
    Os valores que regem a tua vida estão aqui bem patentes.

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  31. Olá amigo Luís, gosto da disposição
    do blogue.A Natureza dá-nos o bom
    e o mau, e ficamos sempre impotentes
    perante a sua acção. Como sempre
    gostei da forma como o amigo
    descreveu a situação passada.
    Bj.
    Irene Alves

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  32. Muito bom Luis, uma cena que apesar de dar medo em todos, mostra-nos o valor do aconchego familiar, aqui onde moro tem um tal de vento Noroeste que várias vezes ao ano nos perturba, uma vez arrancou todas as telhas da minha cozinha, um horror e a pedra que no dia seguinte colocaram para novo vento não derrubá-las, serviu como uma catapulta o vento bateu forte por debaixo das telhas as levantou e a pedra foi lançada, caindo dentro da cozinha arrebentando em pedaços a mesa de mármore que eu minha menina e meu marido estávamos lanchando, foi por um triz, a menina precisou ir para o pronto socorro pois algo bateu no seu pescoço e doía muito, mas algumas chapas e viu-se que nada havia ocorrido, além de tomar uma injeção para o cérebro não ter edemas e um bom analgésico, mais nada de grave houve, desculpe acabei te contando o ocorrido vivido por mim, abraços Luconi

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