domingo, 28 de setembro de 2014

Serões de antigamente

Uma Picota
Fotografia

(Parque de merendas da Bajouca - Leiria e Jardim privado de um artista local)


Depois da ceia, sentavam-se à volta da lareira. A família era numerosa, mas cabiam todos fazendo um círculo maior. 
Os pais protegiam os mais pequenos de modo que se aquecessem, sem se queimarem.
A vivacidade do lume e as labaredas eram um convite para um serão agradável. As chispas e as sombras criavam muita magia em todos os olhares.
No fim do serão, deixavam de alimentar a fogueira até que ela esmorecia no calor e nas sombras. Os mais velhos diziam:
- Quem não poupa a água e a lenha, não poupa nada que tenha. 

Antes de se deitarem, juntavam todo o braseiro para um monte cobrindo-o com a cinza que houvesse, evitando o perigo de  incêndio. Por outro lado, as brasas maiores conservavam-se acesas até ao amanhecer.
Na manhã do dia seguinte, desfaziam aquele monte de cinzas, procurando as brasas que estivessem ainda acesas. Acrescentavam-lhe alguma caruma seca para reacender a fogueira. Não existiam fósforos nem isqueiros.
Ouvi contar que era frequente irem pedir lume, algumas brasas, a casa dos vizinhos. Era um gesto simples, mas de muita valia. Todos precisavam da fogueira para cozinharem os alimentos e para se aquecerem.

Alguns dias acabava-se o pão: A tradicional broa de farinha de milho. Nestas ocasiões, iam pedir por favor, um pão emprestado para se remediarem. Mais tarde, quando coziam a sua fornada, retribuíam-no. Ninguém recusava um pão, ou apenas parte dele, para ajudar os vizinhos. Hoje são eles, mas amanhã poderemos ser nós, diziam.

Para passar o tempo ao serão, faziam-se jogos ou contavam-se histórias. Algumas vezes sobre acontecimentos da vida na aldeia e outras vezes, eram contos de bruxas, fadas ou coisas diabólicas que deixavam os mais novos arrepiados de medo. 
Recordo aquela história dos tesouros escondidos num terreno do avô Carnide. Situava-se logo a seguir à Quinta do Paul, na encosta das Picotas e antes da pedreira do gesso.  Era um terreno árido e arenoso.

Na parte mais alta, havia uma nascente natural. Então, escavaram um lago que se enchia da água dessa nascente. O lago tinha cerca de oito metros de comprimento por quatro de largura e um metro de profundidade.
No Inverno a água corria por um regato até ao ribeiro do Paul, mas no Verão era toda aproveitada para regar os canteiros de milho, feijão ou abóboras.
Esta água era sorteada por mais dois ou três confinantes uma vez que a Quinta foi dividida pelos herdeiros. Uns dias da semana regavam uns e nos restantes dias regavam os outros.

A água era tirada à picota. Um engenho que funcionava como uma balança. Era um madeiro comprido, de quatro ou cinco metros, assente num eixo de uma estaca colocada verticalmente. Na ponta desse madeiro colocavam uma vara comprida onde se engatava o balde e na outra ponta ajustavam o contrapeso, uma pedra. 

A pessoa que puxava a picota colocava-se num andaime, estrado de madeira, colocado por cima da água do lago. Puxava a vara e enchia o balde em baixo. Depois puxava para cima com a ajuda do contrapeso e despejava-o num tabuleiro de madeira que corria para a terra. O ritmo tinha de ser certo. 

Havia uma lenda sobre uns fantásticos tesouros enterrados naqueles terrenos.
Contava-se que naquelas encostas viviam mouras encantadas. Foram Princesas que fugiram dos seus palácios e dos seus países, e vieram ali esconder-se. Com elas trouxeram os seus tesouros. Morreram por desgosto de amor, mas os seus espíritos continuam por ali, junto das suas riquezas.
Foi há muitos, muitos anos, mas nas noites de luar ainda se viam brilhar aquelas jóias, pedras preciosas de todas as cores, correntes de ouro, e vestidos lindamente bordados com brilhantes.

Diziam que nas noites de lua cheia, perto da meia-noite as jóias brilhavam ainda mais. Parecia o nascer do Sol naquelas encostas. Elas, ainda apaixonadas, mostravam as suas riquezas ao luar. Depois, lentamente, tudo ia desaparecendo e as lindas mouras adormeciam em silêncio.
Nunca ninguém conseguiu aproximar-se naquelas horas. Talvez por medo, quem sabe...
As pessoas que durante o dia trabalharam as terras nunca encontraram qualquer tesouro, nem uma simples moeda.
A água da represa continua a correr silenciosa pelo regato. 
Os mais antigos diziam que aquela nascente eram as lágrimas das infelizes mouras que choravam dia e noite o seu desgosto de amor.

Luíscoelho

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

19 de Setembro - Amigos de Valência

Fotografia
(cá em casa)

Chegaram tarde na tarde do dia
E vinham cansados da longa jornada,
Mas na alma traziam o melhor presente
A amizade mais bela que a vida consente
E num gesto fraterno de muita magia
Colheram-se rosas com as mãos vazias.

Era belo o perfume que nas rosas floria
E os olhos sorriam de cores irmanadas.
Dividimos o pão, partilhámos o amor
E bebemos da vida o melhor licor.
Reforçámos a esperança que no peito ardia
E alimentámos os sonhos com arte e magia.

Os ventos sopraram as correntes do adeus
Numa tarde encantada que chegou atrasada.
Foram breves as horas de grandes mensagens
Momentos felizes a contemplar o Céu
Onde habita a paz e a esperança em Deus.
Voltai amigos repartindo o tempo por estas paragens.
luíscoelho
19/Set/2014


domingo, 14 de setembro de 2014

Bom dia


Fotografia
(cá em casa)


Desentendimentos acontecem todos os dias. Nem sempre estamos atentos. Quando não se ouve tudo não se pode concluir correctamente. 
Algumas vezes, com o coração ferido, lemos pelo lado negativo e outras vezes cansados não reparamos na beleza das palavras que nos oferecem.
Parece-me que em qualquer situação devemos usar o amor e uma capacidade de análise mais completa. Ninguém é perfeito. 
Afinal os homens medem-se pelo número de amigos que alimentam e não pelas riquezas que ostentam.

Informação:
- O livro está a ser trabalhado. Não sou poeta nem escritor. Brinquei com as palavras. Muitos gostaram e exigem que organize os textos criando-lhe uma sequência e um todo. 
Os meus dias começam cedo, porém não me consigo dedicar a tempo inteiro e exclusivo ao livro e ao blogue.
Abraço a todos pelo apoio e pela dinâmica, agradecendo a força que me oferecem graciosamente.
Sem pressas irei vivendo o melhor que a vida nos oferece. No final o que sobra serão esses momentos de convívio e de amizade.
Set/2014
Luíscoelho

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Desentendido

Fotografia
(cá em casa)

Cansado, cansei de sonhar
Cansei de acreditar nas pessoas
Cansei de querer e poder confiar

Vieste despudorada acusar
Falaste e feriste sem pensar
Deixaste-me triste, a sangrar

Naveguei os textos escritos
Procurei as frases e os ditos
Diz-me, onde criei mexericos?

Não te procurei, nem te expulsei
De portas abertas a todos amei
Agora acusas-me que te assediei?

Estou velho e cansado
Amo e também sou amado
Mas nunca serei por outros guiado

Com o sono perdido
Por ter sido agredido
Só venho dizer-te:
- Não sou convencido
Nem quero aborrecer-te
Porque leste ou percebeste
O que nunca foi dito.
Luíscoelho
Set/2014

sábado, 6 de setembro de 2014

Anoitecia

Fotografia










(foto minha)

Anoitecia
O cansaço brilhava no olhar,
E as cores fundiam-se indefinidas
Como sombras por nós esquecidas

Anoitecia
E os olhos se enchiam de luar
Buscando o calor na luz do amor
Imagens que sobraram da dor

 Anoitecia
Mas os passos teimavam em continuar
Caminhos passados ou presentes  
Oceanos de vida que de amor são carentes 

Anoitecia 
Num canto que a noite trazia
E o desejo que em nós renascia
Fez da esperança suave melodia

Luíscoelho
Setembro/2014

PS - Agradeço a todos o carinho da amizade e os comentários
Desejo-vos um bom fim-de-semana

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O pão de cada dia


Resultado de imagem para fotos broa de milho
(Foto google)

A pobreza era comum em toda a aldeia, mas ninguém se queixava.
Todos os dias eram dias iguais a tantos que já passaram e seriam certamente iguais a muitos outros que ainda haveriam de vir.
A grande diferença eram os sonhos de cada pessoa - lutar pela vida.
- Talvez um dia a sorte nos bata à porta…Diziam muitas vezes.

A panela de ferro, de três pernas, estava sempre na lareira. Era lá que diariamente se fazia o caldo da sopa.  
A dona da casa, antes de sair para os campos, deixava na lareira junto à fogueira a panela com água e feijão ou grão-de-bico a cozer.
Depois cerca do meio-dia reacendia a fogueira e acertava a água na panela. Enquanto esperava que a água fervesse escolhia as couves. Finalmente acertava os temperos para que ficasse mais apetitosa. 
Alguns dias substituía as couves por feijão-verde, ervilhas ou outros legumes se era tempo deles.
Para tornar o caldo mais cremoso deixavam cozer junto com o feijão duas ou três batatas que se desfaziam e tornavam o caldo mais saboroso. Para temperar havia uma ponta de toucinho salgado ou duas colheres de azeite.

Diariamente era cozinhada uma nova caldeirada. A receita era sempre a mesma. As verduras alteravam nas sopas conforme a época do ano. 
A sopa que sobrava do meio-dia comia-se à noite, à ceia.
Muitos dias já era pouca e não daria para todos. Nessas noites acrescentava-se mais água e alguma farinha de milho. Eram as papas quando ficava mais espessa ou esparregado se ficava mais líquido e solto. 
Se algum dos meninos se queixava:
- Não gosto disto...
Logo recebia a resposta:
- Deixa na beira do prato...Tantos meninos com fome e vocês armados em fidalgos...

Para acompanhar a sopa e aconchegar o estômago comiam uma côdea de broa de milho. Alguns dias os mais pequenitos perguntavam:
- E o conduto?
- É broa com dentes e é muito boa...Prova e verás!...Respondiam os mais velhos.

A vida na aldeia fazia-se entre a casa e as terras de cultivo ou as vinhas perdidas nas encostas voltadas a Sul ou a Poente. O descanso era apenas ao domingo.
Os mais pequenos iam à Escola e aprendiam muitas histórias nos livros. À noite repetiam-nas animando os serões à volta da fogueira. Era também um treino de leitura.
Eram, sempre histórias bonitas.
Um dia, uma das irmãs mais velhas que nunca tinha ido à escola, acrescentou no final da leitura:
- Havias de ir cear lá onde se passou essa história! Nunca mais ceavas...

Luíscoelho