quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A bicicleta



(foto google)

Um dia, compraram uma bicicleta. Tinham vendido um bezerro e, com aquele dinheiro, compraram a bicicleta. O velho saiu cedo na carreira da manhã. Quando voltou, já vinha montado na sua burrinha nova. Lá na aldeia já todos tinham uma. Aos Domingos era bonito ver os rapazes a passear com elas. Parece que gostavam de as mostrar às raparigas e às outras pessoas.

Os garotos quando viram o pai chegar a casa montado na bicicleta, cercaram-no e saltando de alegria diziam:
- Eu quero ir...Eu também quero ir...Gritavam todos.
- Agora não pode ser, respondeu-lhes.
Mais logo, na hora da sesta, vamos dar uma volta, se vocês se portarem bem. Dito isto, foi guardá-la no corredor perto da sala.
Não precisava de fazer mais avisos. Sabia de antemão que nenhum catraio teria coragem de lhe mexer.

Logo que virou costas o mais velho foi sentar-se em cima dela. Apoiado na parede esticava as pernas para chegar aos pedais.
Nos dias seguintes, tendo ficado sozinhos em casa, abriram as portas e guiaram a bicicleta até à rua mas sempre com muito cuidado para não estragarem nem partirem nada.
Havia um carreiro estreito que contornava o quintal passando pela frente da casa. Era um sítio bom para aprender a dar uma volta. O mais velho sentou-se no selim  e apoiado na parede conseguiu pôr-se em andamento.  Andou alguns metros guiando sempre e fazendo força ora num pé ora no outro de modo a equilibrar-se.
Gostava de o ver lá em cima, gingando o corpo de um lado para o outro para conseguir dar a volta aos pedais. Os outros corriam descalços atrás dele, fazendo uma grande algazarra. 
- Agora sou eu, dizia um, e depois sou eu, dizia outro. E todos à vez quiseram experimentar mas, nenhum conseguia chegar aos pedais. Foi preciso o irmão mais velho segurar a bicicleta e levá-los a dar um pequeno passeio.

Como os mais pequenos não conseguiam alcançar os pedais começaram os treinos por baixo do quadro. Eram posições de verdadeiros acrobatas. Seguravam as mãos ao guiador e apoiando-se com um pé no pedal e outro no chão iam tentando equilibrar-se até conseguirem pedalar com os dois pés.
Depois de muitas tentativas lá conseguiam chegar até ao fundo do carreiro e voltar sem cair no chão.
Era uma grande vitória.
Depois perdia-se o medo ou ganhava-se o jeito. Foram muitas as cambalhotas que os treinaram para corridas seguintes.
Luíscoelho

Agosto/2014

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Ensina-me como se ama


(Foto google)

Ensina-me como se ama
Entrando no meu olhar
É preciso que aprenda a ver 
Sem me deixar enganar
E sem nunca te prometer 
O que não te posso dar.

Ensina-me como se ama
Bebendo a luz do luar
Quando os nossos olhos se cruzam
Em danças de marear
E quando as vontades lutam
Num constante navegar.

Ensina-me como se ama 
Neste nosso caminhar 
Os dias nascem formosos
Se amor temos para dar
Mas nem sempre são ditosos
Os que amam por amar.

Ensina-me como se ama
Se para tanto fores capaz
A vida terá mais encanto
Com amor e muita paz
Mas também pode ser pranto
Que o amor nunca desfaz.

Ensina-me como se ama
Com sabor de liberdade  
A vida será talvez um momento 
Assente na dor e saudade
Ou talvez seja um pensamento 
Da própria felicidade. 


Ensina-me como se ama...
Agosto-2014
Luíscoelho
  

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Hoje




(foto de Paulo Vasco Pereira)

Hoje
Chorei no silêncio das palavras
Que me oferecias enfeitadas de esperanças.
Foram tantas as cores e as lembranças
Que perdi o sabor dos beijos conquistados.
As promessas de amor foram presentes,  
Sonhos vivos agora ausentes

Hoje
Abracei as sombras onde o Sol nos despiu
Dos medos, barreiras de um querer por inteiro.
Viver era mais forte que o saber da própria vida
Descobrindo o encanto de cada olhar e cada beijo,
Foram tantas emoções e tão puros os desejos,
Que nossas mãos se uniram sem receios.

Hoje
Relembrei os caminhos onde passámos.
Florestas que explorámos, vivemos e sonhámos.
Foram tantas as folhas que nos vestiram de prazer,
E muitas outras que nos despiram o próprio ser. 
Foram dias que aprendemos a viver 
E nunca mais queremos esquecer.

Hoje
Chorei  no silêncio das palavras
Nascentes onde vivemos, corremos e morremos
Agosto/2014

Luíscoelho

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Escola


(foto google)

Um sorriso azul brilhava naquela manhã. Era a cor dos seus olhos no dia do seu casamento. 
Suavemente nascia uma esperança que lhe enchia o peito e criava raízes de uma vida em comum partilhada com amor e respeito.
Acreditava que a formosura também era felicidade. O noivo era um galã. O cabelo preto e encaracolado emoldurava-lhe um rosto perfeito num corpo atlético. Tinha palavras fáceis e respostas prontas. Parecia ser um homem talhado para a vida.

Algum tempo depois, bem cedo, descobriu as traições. Nem a matemática consegue ser justa provando as somas ou as divisões das despesas diárias, nem das manhãs passadas na cama sem vontade de meter as mãos ao trabalho. 
Lentamente, em silêncio, aquele azul foi-se apagando. Agora é a força da mulher que sorrindo encanta, mas ao mesmo tempo esconde o sofrimento no desfazer dos seus sonhos e projectos.

A força do amor abrigava-se dentro de ti, suportando tantos enganos. As pessoas ao teu redor viam, mas deixavam que fosses tu a decidir os teus projectos, a tua vida. Ninguém te deu conselhos, nem comentaram esses comportamentos estranhos do teu marido. Ele parece já ter perdido toda a delicadeza e não vê o teu sofrimento.
Prometia-te uma vida dourada. Seria empresário individual e ganharia muito dinheiro, mas tudo isso não passava de gestos baratos que lhe permitiam viver com toda a liberdade.

Ele está "na maior". Vive "à grande". 
Um carro, uma moto, telemóveis topo de gama, passeios e muitos sonhos...não sobrou nada e agora nada funciona sem mais dinheiro.
- Podias pedir ao teu pai ou à tua mãe, disse-lhe num gesto de sem vergonha. Gastámos tudo o que tínhamos. Não sei como fazer para pagar as dívidas e o empréstimo ao banco. Estou sem clientes...A minha actividade não resultou.

- Tu andaste a enganar-me e a viver numa ilusão. Respondeu-lhe.
E continuou os seus desabafos em tom de lamento.
- Parece que todos te tramaram a vida, mas foste tu quem nos tramou. Cada dia é ainda pior. Arranja emprego. Vai trabalhar. Ainda que o salário seja pequeno será sempre uma ajuda até que venham dias melhores. Estou cheia de promessas que não passam disso mesmo. 
Em mim renascem agora sonhos desencontrados de todos os meus projectos e desejos. 
Tu deixaste de pensar e de crescer. És uma criança com necessidades mas sem obrigações.
Pára com isto e vai trabalhar. É tempo de seres homem. Chega, basta...assim não dá.

Em resposta ele abraçava-a ainda mais cantando-lhe velhas canções e tentando ganhar espaço e tempo.
- "Não sejas má para mim"... "Vá lá"...Eu amo-te muito...Só quero que sejas feliz...
Nesta situação deixou-se engravidar. Aconteceu. 
- O nosso bebé será o encanto dos avós. Será o nosso mealheiro. Será ele que nos vai ajudar a ser um casal mais forte. Pensava ele, convencido que era um grande artista.

Dias depois, ela voltou à carga com novos alertas.
- Amigo tens de trabalhar. Assim não dá. Não pode ser. Eu ganho pouco e as nossas despesas são grandes. 
Se a ti ainda te sobra dinheiro para o tabaco e os almoços, a mim falta-me para as despesas diárias e para criar um lar. "Quem não tem dinheiro não tem vícios". Começa a organizar a tua vida em vez de culpares os outros pelos teus erros.
E continuou:
- És um homem novo e saudável. O trabalho faz parte do nosso crescimento e realização pessoal. Os teus sonhos e promessas não te dignificam nem nos matam a fome.

Aquela cabeça dura não dá sinais de mudança. Para ele tudo está bem. Tudo se há-de resolver. "Dêmos tempo ao tempo"
Sem dinheiro para pagar o aluguer da casa mudaram-se para casa dos familiares. 
Agora acreditava que ele ajudasse nas lides do campo e a cuidar da horta e dos animais domésticos, mas nem isso ele foi capaz de fazer. Era duro e sujava-se muito.

Um dia, sem motivos nem razões, arranjou uma zanga e aproveitou-se disso para abandonar a mulher e o filho. 
Dias e noites sem vir a casa.
Corajosa, ela procura-o e enfrenta-o, mas as mentiras continuaram. 
Ele continua a fazer-se vítima.
Ardilosamente procura que a mulher esteja do seu lado.
Parecia mentira. Cega de amor, ela ia cedendo. É preciso amar a dobrar e desculpar sem entender...

- Vou dar-te mais uma oportunidade.

 Já sei das tuas novas amizades e também das muitas noitadas...
Ele não muda, não se emenda nem quer trabalhar.
Já não sobram espaços para continuar nesta vida de "faz de conta". Hoje venho dizer-te que já não sei porque aguentei todos estes anos. 

- Agora acabou tudo. Quero o divórcio.
Haverei de conseguir tratar do meu filho e fazer dele um homem. Ainda que passe fome lutarei para que nada lhe falte e ele nunca se envergonhe de mim, sua mãe. 
A vida continua a dar voltas. Ninguém sabe o lado melhor da vida mas todos sabemos o lado pior. O sorriso azul já não esconde o seu desencanto nem a dor da última ameaça do marido.
- Divórcio ? Só o litigioso. 
- Que pretende este fala-barato?

Um dia, a caminho da escola e vendo as outras crianças com os pais, o menino disse:
- O meu pai não me dá nada e agora nem me visita...
Todos os presentes trocaram olhares  interrogativos...
- Olha, respondeu um deles, mas nós todos gostamos muito de ti e vamos ajudar-te a ser um bom menino - trabalhador e amigo de todos as outras crianças e de todas as pessoas. 
Anda, vamos para a frente! "Vamos dar corda aos sapatos" para chegarmos à escola mais cedo e aprendermos tudo aquilo que precisamos para sermos bons – pessoas de bem.

Luíscoelho
Agosto/2014