sábado, 29 de janeiro de 2011

Sonhos perdidos


foto google


Vesti-me de letras coloridas
E teci-me de palavras soltas,
Presas no vento sem graça
Arco-íris de sonhos e voltas,
Correndo na vida que passa
Fazendo as dores esquecidas.


Deixei-as misturadas à toa
Nestas frases de tintas ácidas,
Gritei-as cá dentro da alma
Vergadas na sombra que voa,
Mas a luz do pensamento já mostra
Tantas letras que a dor não acalma.


As roupas de letras secaram
Nas águas leves do ribeiro,
E correndo juntas gritaram
Pelo branco da paz por inteiro
E sangue que nos roubaram ?
Quantos sonhos se desfizeram, 
Nas cores que nos arrancaram. 
Luíscoelho



  

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O pão do amor

Foto do google

Naquele dia o Sol acordou envergonhado e o frio parecia rasgar-lhe as mãos e a face. O seu olhar   estava longe de todo aquele movimento.Descia a avenida do Brasil e depois seguiu pela avenida dos Estados Unidas da América em direcção ao Campo Grande.


O Hermínio caminhava ao acaso. Parecia que fugia de alguma coisa. Caminhava alheio ao frenesim dos carros e autocarros que se amontoavam nos semáforos e se enrodilhavam na rotunda do Relógio. Os seus olhos seguiam as pedras da calçada como que envergonhados. 


Saiu da barraca, no bairro do Relógio, determinado a encontrar alguma resposta para as muitas preocupações que carregava naquela manhã.
Não tinha culpa de estar desempregado. 
Não tinha culpa da doença da mulher, nem dos filhos que vieram sem fazer conta.


Trabalhou como um moiro, abrindo as valas  nas ruas e passeios para os cabos de telefone, e outros dias para as águas ou o saneamento. Nunca reclamou de nada e também nunca faltou ao serviço  quer chovesse ou fizesse frio. 


Parece que os seus pensamentos pararam naquele dia em que o patrão avisou que ia fechar a firma por falta de trabalho. A concorrência é muita. Já não consigo pagar tantas despesas nem continuar com estes trabalhos. Passem pelo escritório para vos acertar as contas e rescindir os contratos.


Estas pequenas frases não o deixavam ver nem ouvir mais nada. Nem quis seguir no autocarro. Se andar a pé talvez me faça bem. Pode ser que consiga ver algum anuncio com interesse.
Continuava a ver apenas a figura do patrão e a recordar como ficou paralisado, sem forças para continuar. A picareta soltou-se-lhe das mãos.


Continuava com as suas perguntas:
- Acabamos o dia ? Viremos ainda durante a semana  ou o resto do mês....? Como é........? 
Reconstruía as informações do encarregado:
- Vamos acabar estes trabalhos aqui nesta rua, mas quem quiser sair já pode fazê-lo.....


Parece que deixaram de se ouvir os carros e todo aquele movimento diário. Não sabia se estava a sonhar ou a acordar de um pesadelo............ Aquelas frases queriam rebentar-lhe com a cabeça.
Seja o que Deus quiser...! Procurou encher-se de alguma coragem e esperança....
-Vou aproveitar todo o tempo que puder e até haver trabalho. Depois se verá o que vai acontecer....


Naquela manhã, doía-lhe não ter ainda solução. Tinha muito medo do futuro.
Pensava muito nos seus meninos. Eram tudo o que ele mais queria. Era por eles que vivia e trabalhava feito um escravo..........
A mulher, em casa, mesmo debilitada, procurava também um emprego e uma casa. Estava farta de viver numa Barraca  sem nada. 


Todas as semanas passava pelas assistentes sociais, na Câmara Municipal.
- Estamos a estudar o seu caso. Não está esquecida. Logo que encontremos emprego ou uma casa entraremos em contacto consigo. Vá procurando também....e assim sem grandes discursos a iam sacudindo todas as semanas.


À noite quando o marido regressava e todos juntos comiam um prato de sopa quente, iam trocando olhares interrogativos de um futuro incerto. Que será de nós....????


Recordavam os anos vividos nas suas aldeias, nas encostas da Serra da Lapa. Tinham saudades dos seus familiares e das festas e romarias onde se esqueciam das tribulações de cada dia.
Recordavam o seu sonho quando vieram para Lisboa, casados de fresco e guiados por outros vizinhos que lhes contavam maravilhas.


Recordaram ainda quando compraram os taipais da sua barraca e as telhas de chapa zincada.
Andámos ali aos domingos durante um mês para levantar isto tudo.
Todas as semanas saíam algumas pessoas do bairro de lata e logo vendiam as madeiras.


Os pobres com pouco se contentam e parecem que mesmo sem nada são felizes, dizia a mulher com os olhos fixos nos filhos e no marido.
Um dia havemos de ter sorte e uma casa para viver. Uma casa só nossa com um quintal para fazer uma horta.................Quem sabe...????
Luíscoelho



segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Chaves e contra-chaves

Era noite gelada. A chuva fustigava violentamente a janela desengonçada e o vento assobiava com insistência pelas frinchas da madeira ressequida.


A porta segurava-se apenas no trinco. Estivesse longe ou perto, não precisava de fechadura. O trinco da aldraba  era o suficiente. 
Ninguém entraria sem chamar diversas vezes, batendo com força.

Outros Invernos já tinham deixado as marcas do tempo. Havia pequenas frestas por onde espreitava o escuro da noite que os dedos do vento iam alargando.

Na lareira, ardiam alguns paus, que pareciam querer extinguir-se deixando o velho ainda mais encolhido dentro do capote que lhe servia de agasalho. Com as suas mãos rugosas puxou carinhosamente para si, as abas laterais, ajeitando-se contra um arrefecimento indesejado.

Os seus olhos estavam perdidos naquela chama, que frouxamente lhe alumiava os pensamentos. Nem ele próprio sabia do que pensava. Tantas voltas deu no tempo e nas recordações que nenhuma lhe ficou gravada. 

Sobrava-lhe o vazio das noites de Inverno, húmidas da chuva que teimava em cair com bastante força. Parece que o frio hoje é mais pesado, dizia para consigo. Outro tempo dava uma corrida e o sangue aquecia de imediato e ficava bem, mas... agora......!

Na cama, tinha aqueles cobertores grossos e as mantas feitas de retalhos. Era lá que se escondia nessas noites, escuras de breu, acompanhado dos seus pensamentos e das muitas orações que teimava em fazer diariamente.

Seja o que Deus quiser. Vamos indo como pudermos.
Quem sabe se amanhã o tempo melhora. Talvez venha bom tempo...!!!

Pelas minhas chaves e contra-chaves o tempo deve levantar....Hoje já se ouvia o canto do mar....
O pôr do Sol foi mais avermelhado.........
Era bom que viesse Sol e que as terras secassem um pouco.

Com tempo limpo, talvez pudesse procurar alguma lenha para me aquecer.
Estas noites frias até o sono me levam.

As chaves e as contra chaves correspondiam em estudar e escrever como foi o tempo nos doze dias antes do fim do ano e depois nos primeiros doze dias do novo ano.

Do dia vinte ao dia trinta  um de Dezembro eram anotados os dias com todas as características  de = chuva, frio, sol ou vento. Estes doze dias eram as "chaves".
Depois, nos primeiros doze dias de Janeiro, anotavam o tempo em "contra-chave". 
O primeiro dia de cada grupo, corresponde a Janeiro, o segundo a Fevereiro e assim sucessivamente.

Deste modo previam o ano para as suas sementeiras ou colheitas. Poderia haver diferenças muito grandes, mas eles lá sabiam entender e sempre afirmavam:
- Este tempo está muito instável.....

Estava sozinho. Os filhos casaram. Eram quatro e todos emigraram.
A sua Virgínia tinha morrido há duas décadas. 
Agora sentia ainda mais o peso do frio e da solidão. Um dia acabo aqui sozinho e ninguém dá comigo.
Seja o que Deus quiser. Entrego-Lhe a minha dor.

Recordava o tempo, em que casados de fresco, se aninhavam os dois no calor da cama.
Gostavam ambos de conversar e enquanto esperavam o sono reviviam as suas viagens, as suas alegrias e tantas peripécias que já tinham aturado.


Recordava ainda aqueles anos de namoro até construírem esta casa que habitaram a 06 de Março de  1943. Dia do seu casamento. Depois o nascimento dos filhos, o seu crescimento. A vida aqui em casa com tudo sempre programado. 

Nos seus olhos azuis encontrávamos muitas perguntas sem resposta. Viveu muitos anos sem os pais que morreram quando ele era ainda uma criança. Depois as dificuldades que enfrentou e venceu. 


Era um homem habituado a pensar.....e equacionar o modo de sair das situações difíceis. A resolver sabiamente cada um dos problemas, fossem eles os seus animais doentes, ou o arranjo da nora para tirar água do poço. Nunca voltou as costas ao trabalho.

Ainda hoje procuro encontrar as chaves e contra chaves de tanto amor e dedicação à família.
Procuro entender aquele aceitar a vida com tantas privações sem se queixar de nada.
Levaste contigo esse olhar azul mas deixaste a esperança e a vontade de vencer sem desrespeitar ninguém.

Deixaste esta força que te recorda com tanto carinho como se estivesses ainda à espera de um sorriso que acorda o nascer do Sol ou que se reflecte nas pequenas gotas de orvalho nas rosas do nosso jardim.
Luíscoelho




domingo, 9 de janeiro de 2011

Amor

A poucos quilómetros daqui, existe uma outra aldeia do concelho de Leiria que se chama Amor.
A origem do nome perde-se nos tempos. 


Conta-se que a origem deste nome remonta ao tempo do Rei D. Dinis de cognome o Lavrador.
Na saída norte da A 17 para a cidade de Leiria, confinam as três freguesias. 
- A norte e a nascente - Ortigosa
-A sul - Regueira de Pontes
-A poente a freguesia de Amor.


Quando El Rei D. Dinis se dedicava à sementeira do pinhal de Leiria e ao cultivo dos campos férteis do rio Lis, campos de Ulmar, estabeleceram residência numa casa no alto de Monte Real (monte do Rei).
As ruínas ainda atestam a presença Real daquelas épocas.


À noite a Rainha Santa Isabel dedicava-se às suas orações enquanto o Rei montado nas suas cavalgaduras procurava os prazeres carnais  de belas e formosas moças a poucos quilómetros de distância no lugar de Amor.


A Rainha, sabedora das suas infidelidades, mandou acender velas pelos caminhos por onde o seu marido haveria de passar de regresso a casa e depois de boas noitadas de amor em Amor.


O Rei, curioso, perguntou-lhe a razão daquelas velas acesas durante a noite ao que a esposa lhe respondeu:
- São para iluminar o caminho "a quem cego vinha" 
Assim nasceu o nome do lugar de Segodim (cego vim) que fica situado em meio do caminho entre Amor e Monte Real.


Hoje são nomes correntes que fazem parte da toponímia local.


Amor local das farras
Segodim passagem de Cegovim
Monte Real residência oficial


Luíscoelho 


PS - Este texto foi feito a pedido do Blogue da Tulipa - Momentos Perfeitos.
Certamente encontrarão histórias mais completas nos livros de boas bibliotecas.
Limitei-me a contar o que me contaram com amor.