sábado, 21 de junho de 2014

A Flauta

(foto google)

O tempo corria lento. Agora aposentado tudo seria diferente. Ninguém sabia o que iria acontecer, mas contava já ter tempo para fazer as coisas que mais gostava e que foi deixando para depois, para o tempo - Quando tivesse vagar. O seu trabalho era sempre mais importante.
Haveria de poder fazer: 
Pinturas, desenhos, leitura ou até trabalhos com madeira e outros materiais. 
Haveria de ter tempo para brincar com os netos. Quem sabe se eles lhe iriam ensinar coisas novas que ele nunca aprendeu?

As recordações povoam os dias e avivam a imaginação. 
Cada pessoa construirá os seus próprios sonhos.
Com a idade, as forças amolecem e cada um redobra a sua imaginação para contornar as situações mais difíceis.
O homem sentou-se na soleira da porta. O degrau servia-lhe de assento e a parede oferecia suporte às suas costas cansadas.
Distraidamente ouvia os passarinhos à distância de um assobio e o seu olhar corria com lentidão todos os terrenos que se alongavam no horizonte. 
O seu quintal era tão pequeno nesta imensidão do mundo e da vida. Lá longe, mais ao fundo, as oliveiras bordavam de sombras o verde das searas. 
Agora já sem forças, aceitava aquele lugar onde antes não podia sentar-se e descansar.

Lentamente recordou os dias de trabalho e de privações. Transformou tudo, ali à sua volta, com a força dos seus braços e a teimosia do seu querer vencer, e ainda, a preocupação de dar aos filhos uma vida melhor que a sua.
Ali arrancou o pão que os alimentou a todos e até procurou a água adormecida na aridez e profundidade da terra. Agora tudo era diferente.
- Porque será que Deus nos dá as coisas melhores no fim dos nossos dias? Agora podia viver melhor e sem tantos sacrifícios!...
- Vendo bem as coisas não pode queixar-se...Fez o que pôde.

O silêncio e a quietude das coisas aconchegavam-lhe os pensamentos. Depois sonhava como quem semeia ou construía como quem brinca.
Distraidamente meteu a mão ao bolso e procurou o canivete. Agora era a sua companhia. Habituou-se a ele. Servia de faca ou de ferramenta de trabalho. Abria-o sempre que precisava e depois, no final, fechava-o e voltava a guardá-lo dentro do bolso direito das calças de fazenda bastante polida. Todas as manhãs, quando se vestia,  certificava-se que o tinha ali consigo. 

Viu perto de si, um pedaço de cana verde que os netos, cansados da brincadeira, por lá deixaram. Foi buscá-la. Afagou-a com carinho. Limpou-lhe o lixo e  aqueles fios das folhas arrancadas à pressa. 
Os seus pensamentos seguiam a cana que se ia transformando nas suas mãos.
Acertou as pontas com um corte mais delicado. A cana começava a brilhar por tantas voltas que lhe dava e sem querer começaram a criar entre eles uma história.

O tempo parou. A cana rodava cada vez mais e também se colocava em posições opostas. 
Por vezes, parecia ser ela a dar as ordens. 
- Faz assim e depois assim...Desta maneira fica melhor...Faz mais devagar para que eu me sinta bem nas tuas mãos cansadas.
Fez-lhe uma pequena cavidade a meio e depois outras duas mais abaixo e mais pequenas. Pareciam os botões do bibe do seu neto mais novo. 
Levou-a à boca como que a dar-lhe um beijo. Afinal estavam cada vez mais próximos. Parece que a sua relação se acentuava em cada novo toque.

Finalmente soprou uma e muitas outras vezes procurando melhorar o som ou a transmitir-lhe a vida que lhe queria dar. Finalmente os seus dedos grossos e desajeitados foram tapando os buracos abertos e de cada vez saía uma nova melodia. Criou-se entre eles uma empatia e ambos estavam felizes.
O velho fechou a navalha e guardou-a no fundo do bolso direito das calças. Nesse momento a flauta, sentindo-se livre e senhora daquelas mãos começou a dançar. Pareciam duas crianças embaladas no mesmo sonho soltando melodias simples e inexperientes.
Junho/2014
Luíscoelho

domingo, 15 de junho de 2014

Sobreviver

(foto google)

A manhã corria serena. O tempo estava morno. Depois de publicar o texto: Um melro despertador, fui para a rua, daquele lado da casa.
Agora queria ver e ouvir de perto aquele artista da natureza. Queria descobrir a sua capacidade de cantar e encantar com tantas e tão belas melodias.  
Porém o melro, que é mais fino do que eu, sacudiu as asas, e foi abrigar-se no silêncio do pomar, na ramagem das árvores.


Não sejas medroso fugindo ao ar da tua graça
Vá lá canta mais pouquinho como é do teu destino
O teu cantar é tão belo, diria mesmo que é divino.
  
 Logo ao romper do dia ainda antes do Sol nascer
 Vens cantar alegremente debaixo dos meus beirais
 As mais belas melodias cheias de uis e ais 

Vá lá canta, canta sempre e com mais força
Esse teu assobiar dá mais vida ao teu redor 
E quem te deixa cantar apenas te faz um favor.  

O melro ficou mesmo envergonhado. Deixou de cantar. 
Continuei arrancando a erva das cebolas e outros trabalhos ali no quintal.
Cada um tem a sua organização. Enquanto eu cuido do jardim e das minhas culturas, o melro andava a construir o seu ninho em cima de algum ramo mais abrigado.  
Não posso nem devo interferir na vida deste passarinho preto e de bico amarelo.  

Os ninhos são construções circulares conforme o tamanho de cada ave. Juntam pequenas raízes que vão entrelaçando umas nas outras com paciência e sabedoria.
Na parte interior revestem os ninhos com materiais mais finos para lhes proporcionar conforto.  No exterior usam o barro para unir os materiais tornando os ninhos pesados e resistentes aos temporais.

Nos dias seguintes deixei de o ouvir cantar e logo fiz a pergunta: 
- Que lhe terá acontecido?  
- Será que mudou de lugar?  
Aqui ninguém lhes faz mal e eles convivem perfeitamente connosco. Saltitam até muito perto procurando pequenos insectos para se alimentarem.  

Mais tarde descobri o ninho abandonado. Estava ainda em construção ou em fase de acabamento. Quase feito.
Lá perto estava a minha gata amarela deitada ao sol.
Então está tudo explicado, pensei imediatamente. Comeste um e agora esperas que apareça o seguinte..."sua grande malvada"...
Sei que és uma grande caçadora, mas podias ter escolhido outra presa, talvez um rato, e há tantos por aí...
É a lei da sobrevivência.

Nos últimos dias tenho ouvido apenas as rolas que também cantam muito, mas estas são mais prudentes e os gatos não as conseguem caçar com tanta facilidade.
Os melros podem não ser bonitos mas o seu canto é dos mais belos que podemos ouvir assim como os rouxinóis e outras aves que ainda sobrevivem por aqui.
Junho/2014
Luíscoelho

terça-feira, 10 de junho de 2014

Dia 10 de Junho


 (foto Google)

Hoje é feriado, mas para mim é um dia igual a todos os restantes dias do ano.  
Porque se haverá de festejar Camões?
Camões tem sido maltratado com esse acordo ortográfico acéfalo como os seus progenitores e mandantes executivos.
Depois de Camões, nasceram outros escritores que nos deram as mais belas obras de literatura portuguesa. Obras com a classificação (a nível mundial) de MUITO BOM - Prémio Nobel entre outros.

Camões foi um escritor grandioso. Único na nossa história de literatura. A sua maior obra, Os Lusíadas, constam na lista universal das grandes obras poéticas. Cantou e elogiou o seu País que descobriu o mundo e o povoou de heróis lusitanos. Homens de fibra e de raça que lutaram contra as vagas e os Deuses levando Portugal ao mais alto da sua glória. 

Camões duvidou da sua arte. A de saber cantar com eloquência tão nobre povo, Nação Lusa, povo de heróis, de santos e mártires que se deram numa conquista sem igual. 
Camões merece ser respeitado, lido e entendido hoje como no seu tempo.

Aqueles que hoje governam o País devem fazê-lo por amor e respeito à nossa História e ao seu Povo e nunca ao serviço dos interesses pessoais, nem do ouro que lhes cega os olhos e os sonhos.

Os nossos governantes nunca deverão subjugar-se ao serviço de políticas estrangeiras que não respeitam este povo, a sua História e as suas tradições. 
Ser actual sem ser serviçal.

Para os devoradores da nossa Pátria nada obsta à sua teimosia de avançar destruindo e reduzindo a pó uma língua e uma cultura milenar tornando-a uma coisa secundária e de menos valia.
Certamente nunca ouviram falar que o português, a nível mundial, é uma das línguas mais escritas e faladas - 5ª posição - 280 milhões de pessoas que falam português. 
Estou em crer que os nossos parceiros europeus estão interessados em substitui-la por outra língua, mas ainda não tiveram a coragem nem a ousadia de nos dizer qual a nova linguagem. Talvez a grega porque ninguém se entende.

Primeiro destrói-se e confundem-se as pessoas e depois obrigam-nas a aceitar tudo e mais alguma coisa como facto consumado.
"Toda a gente sabe", diz a canção, mas ninguém quer fazer nada e seguem acorrentados a ordens vindas de alguém que se esconde num organismo e numa comissão europeia, onde alguns se enchem de benefícios económicos e outros, como as reformas douradas.
(55 de idade e 12 mil de reforma após uma comissão de serviço).
Têm ainda muitas outras mordomias que só as figuras reais possuíam, em tempos da Maria (Cachucha).

Voltemos a Camões e às comunidades Lusas espalhadas pelo mundo.
A quem convirá este dia de festa ?
- Ao governo? Ao Presidente? Às elites e afilhados dos mesmos?
Estou em crer que lhes interessa e que todos se fazem pagar de bons "cachets" - Prémios.
E o povo?
- Dêem-lhe festa e muitas bandeirinhas coloridas. As crianças gostam e é muito bonito.
A TV faz o resto. Muitas horas de emissão. Depois, no fim, haverá de aparecer mais um imposto, uma sobretaxa, para os meios de comunicação - os chamados audiovisuais.
Então isto foi o dia 10 de Junho?
Estou desiludido.
Passado tantos anos todos aqueles senhores ainda não aprenderam a trabalhar e tornam este dia muito maçador e sem nada de útil.
Depois, vão para a reforma dourada, felizes, mas sem terem feito rigorosamente nada de bom nem de útil pelo povo e o seu País.
Poderiam fazer tanto…tanto…pois…mas trabalhar custa e faz doer…e muitos deles não podem…estão cansados…
luíscoelho
Junho/2014


terça-feira, 3 de junho de 2014

Um melro despertador

Fotos de aves: Melro-preto

(foto google)

É madrugada alta de um belo amanhecer,
Diz o melro lá no alto sem que ainda o possa ver.
Cantai comigo cantai, façamos uma linda canção, 
Cantemos estas maravilhas com verdade e com razão.

Depois virá o Sol, senhor e rei da criação, 
Comecemos o nosso dia com uma bela oração.
Que as nossas vozes  bendigam o Senhor Deus Criador
E que o nosso canto seja um hino em Seu louvor.

Que a paz e o bem  estejam em todos os lares 
E que as bênçãos de Deus recebam os nossos cantares,
Que em toda a terra se cante a paz com muita alegria 
Que acabem todas as guerras, tantos gritos de agonia

Podemos cantar todo o dia e toda a noite sem cessar
Mas temos mais obrigações que nos devem ocupar
Precisamos de mondar os campos que se enchem de sementes
Precisamos de alimentar o corpo e também as nossas mentes.
Luíscoelho
Maio/2014 

PS -
Todas as madrugadas um melro canta um lindo cantar
Não sei se canta para ver o dia ou se canta para me acordar.
Mas vendo-o cantar assim não o posso ignorar
E também começo o dia com versos de emparelhar