terça-feira, 17 de agosto de 2010

Pele e Osso

O Pele e Osso era um homem muito magro que mais parecia um esqueleto ambulante.
Era natural da Serra de Porto de Urso, Monte Real.
Casou com a Júlia Branca, natural da Lagoa  da  Ortigosa.

Foram viver numa casa muito grande que pertenceu a Luís Barbeiro, dono das melhores terras desta região, mas morreu solteiro e não deixou descendência.


O Pele e osso tinha um rebanho de cabras e o seu ofício era guardá-las pastoreando pelos terrenos baldios, pinhais e nas bermas dos caminhos públicos.


Tiveram seis filhos, cinco meninas e um menino. 
A vida era dura mas eles lá iam lutando pela sua sobrevivência. 
Esta casa não tinha condições de habitabilidade. Estava já em ruínas.   


O povo comentava que nas noites frias de Inverno iam arrancando as tábuas e outra madeira para  se aquecerem à fogueira.
  
Só me recordo de ver o telhado apenas por cima da cozinha e dos quartos. A sala da casa estava completamente nua. Não tinha tecto nem outra cobertura.

 Ao entrada principal fazia-se pelo alpendre, onde havia uma porta larga que rangia quando a fechavam ou abriam. Esta porta sobreviveu às invernias e temporais porque ficava resguardada por duas paredes grossas de sessenta centímetros aproximadamente.


Como a maioria das casas da aldeia havia um pátio onde guardavam os animais e as alfaias agrícolas.   

Esta família teve bastantes desaires que lhe tornaram os dias pesados.

Uma tarde de Domingo iam visitar alguns familiares à Serra de Porto de Urso e, para atalhar caminho, o Pele e Osso tentou atravessar o rio Liz.


Primeiro, sozinho, entrou na água e procurou caminhar até à outra margem, mas caiu num buraco grande  e não conseguiu sair de lá tendo-se afogado. Não sabia nadar nem teve forças para voltar para trás.

Sem o marido, foi ela com o filho que começaram a pastorear o rebanho todos os dias.

A Júlia andava sempre vestida de preto. 
Naquela casa não se ouviam gritos parecia até que ali não vivia ninguém.


As meninas mais velhas iam à escola e depois iam à lenha procurando pelos pinhais alguns paus secos ou as pinhas caídas no chão. 
As mais novas andavam com a Mãe que nos primeiros tempos acompanhou o rebanho.


Os anos passaram e nenhum morreu de fome nem de doenças. 
As filhas mais velhas casaram e a família foi ficando mais pequena.

Sem forças e sem as suas filhas para ajudá-la começou por vender o rebanho. Depois saíram desta casa e foram viver noutra casa simples, mas onde não chovia.


Recordo aquele dia em que se pegou com o Carnide na feira dos Desasseis que se fazia nesta localidade.


A Júlia foi à feira vender uns cabritos e tinha prometido ao Carnide que lhe pagaria a dívida, logo que recebesse o dinheiro.
O Carnide, era muito ganancioso e, como sabia que ela não era de palavra, andou por ali perto. 


A dívida era referente a batatas, vinho, azeite e outros produtos que o Carnide lhe vendeu fiado.
Assim que lhe dirigiu a palavra a Júlia começou em altos prantos tentando envergonhar o homem de lhe pedir o pagamento da dívida, mas o Carnide manteve-se calmo e disse-lhe alto e bom som para todos ouvirem.


- Não tens que estar nessa gritaria. Sabes que me deves e prometeste pagar-me hoje.  Já sabia que eras capaz de te esquivar e deixar-me outra vez sem nada. Não preciso que me dês todo o dinheiro mas dás-me apenas algum. 


Divide-se ao meio e ficas com a tua dívida menor,  eu também já não perco tudo.
Uma das filhas que presenciou toda a cena disse ao Carnide.


- Esteja descansado, que a partir de hoje, quem lhe vai pagar sou eu. Não quero que ande a pedir contas à minha mãe.


Com todos as filhas casadas e bisavó de muitos bisnetos, morreu silenciosamente como sempre viveu.
  
Luíscoelho

35 comentários:

  1. Meu querido Luís
    Adoro ler as suas histórias, sempre muito bem contadas e sempre realidade de vida.

    Beijinhos
    Sonhadora

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  2. Mais uma história que nos deixa um sabor amargo na boca, como se todos tivéssemos culpa de todas as histórias verdadeiras de um povo habituado à miséria, ao pouco de cada dia.

    Parabéns por mais esta página de vida.

    Um beijo

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  3. Querido amigo, você me fez recordar a história que minha mãe e minha irmã, viveram em Portugal, com a diferença que meu pai, não morreu afogado, mas naquela época os maridos deixavam as mulheres e iam correr mundo...e as dificuldades que elas passaram resumem-se bem a tua história...Tenha uma linda semana...Beijocas

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  4. Ou seja: palavra (séria) dada; conversa arrumada!

    Um abraço
    João

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  5. Amigo Luis, Lindo texto ou história como a gente lhe queira chamar, mas esta um pouco triste, mas fora disso Gostei,
    Um abraço
    Santa Cruz

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  6. Olá querido e inspirado poeta Luís Coelho, que bela, profunda e exemplar esse história. Muito bom! Leitura agradável, parabéns pela qualidade de seus textos.

    forte abraço

    C@aurosa

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  7. Amigo Luís!

    Infelizmente, esta ainda é a vida de muitos casais, de muitas viúvas, de muita gente que nasce e vive pauperrimamente, mesmo trabalhando arduamente.

    Triste vida!

    Beijinhos

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  8. Me encantan las histórias que cuentas, más aún por ser reales..., aunque triste.
    Pero la vida es así mismo, ni siempre es alegre...

    Saludos,

    Sergio.

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  9. ...retratos de tantos.
    retrato da vida em tantos
    cantos.

    bj, poeta!

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  10. As nossas aldeias estão cheias de histórias assim. É muito bom que haja alguém a contá-las, mas melhor seria, se houvesse mais gente a ouvi-las.
    Continue!

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  11. *
    gostei do teu texto,
    histórias simples e reais !
    ,
    lembra-me, aquando miudo,
    de um Homem, bom homem
    por sinal, com uma alcunha,
    que me fazia sorrir, na
    forma com as pessoas diziam,
    ,
    olha o Pele e Osso, o nosso
    Juiz da Fome ! a referencia
    ao Juiz, existem tantas versões
    que desisti de saber a
    a versão certa !
    ,
    saudações, ficam

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  12. Meu caro Luís, uma história de vida dura, de gente guerreira às vicissitudes, uma história de vivências que eu gosto e admiro, para mim dos fracos é que devia rezar a história.
    O Luís escreve muito bem e de uma forma muito realista.
    Bjs,
    Manuela

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  13. Amigo Luís, relato de vidas difíceis, tantas vezes miseráveis que, infelizmente, continuam realidade, ainda, neste nosso Portugal!
    regressado de férias, aqui deixo um abraço reconhecido pelas suas visitas e comentários nos meus blogues e, também, pelas mensagens que faz o favor de me enviar.

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  14. Pois caro Luis
    é quando leio coisas assim
    que me invade o remorso
    de estar aqui sentado
    como se de importante
    nada se passasse à nossa volta
    ou como coisas muito importantes
    me prendem a este teclado

    Gotei de saber que é sensível à vida de outros, coisa rara nos dias que vão correndo

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  15. Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão.

    É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado.

    Madre Teresa de Calcutá

    Bons sonhos e beijos meus!! M@ria

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  16. Agradeço o carinho de sempre.
    Ótima quarta e beijos meus!! M@ria

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  17. Luís

    são estas as histórias que me tocam

    porque todos somos
    pele e osso

    e entre estas duas camadas
    há tanto e tão pouco

    um rio onde perdemos o pé
    uma feira onde perdemos e reencontramos a nossa dignidade

    um abraço

    Manuela

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  18. Estimado e Genial Amigo:
    A sua narração intensa e fluída encanta e maravilha.
    Que delícia extraordinária.
    Não fui capaz de parar, tal o interesse colocado no texto brilhante e admirável.
    Parabéns. Soberbo.
    Abraço amigo ao seu ser e sentir gigantes.
    Com o maior respeito e estima pelo que faz de forma iluminada.

    pena

    MUITO OBRIGADO pela sua amizade.
    É recíproca.
    Bem-Haja, fabuloso e sublime amigo de bem pelo que é e significa para todos.

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  19. Meu querido amigo
    Passei para deixar um beijinho.

    Sonhadora

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  20. Bela e triste história querido...muito bem contada por ti...
    Beijos...
    Valéria

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  21. Luís. Triste história, porém belíssima. Parabéns. Adoro o que escreve. Beijos.

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  22. Oi Luis
    Apesar de triste , é uma bela história, que retrata a realidade de muitas famílias.
    Grande abraço

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  23. Olá Luis!

    É a historia da miséria em figura de gente - com muito realismo contada - e que a tanta gente fez companhia em décadas passadas.Vidas sofridas aquelas, que hoje, com um outro cenário, estão a ser reeditadas...

    Um abraço amigo.
    Vitor

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  24. O amor eterno é o amor impossível.
    Os amores possíveis começam a morrer
    no dia em que se concretizam.

    Eça de Queiroz

    Saudações Poéticas!! M@ria!

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  25. Como as estações
    Assim são nossas emoções
    Hora vivemos primaveras
    Em outros longos verões
    Porém também intensos invernos
    E outono em outros momentos

    Ataíde Lemos

    Amor & Paz....Beijos na alma!!

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  26. Mais uma historia implacavel de vida,,,abraços amigo e um belo dia pra ti.

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  27. Estimado Luis!
    História verídica e triste, que embora diga respeito ao passado, me faz constatar que mesmo nos dias de hoje anda por aí muita miséria escondida.
    Narrativa fluída e de quem escreve como se a falar estivesse, pelo que me senti como sentado à tua beira escutando.
    Diz da tua sensibilidade, que bem conhecemos através de teus poemas e prosa que nos enternece.
    Deixo aqui meu sincero kandando e o desejo de aqui voltar breve À tua companhia onde bem me sinto.

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  28. histórias de vidas que a vida nos ensina
    adorei ler
    um beijo

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  29. Triste história, bonita e tão real...
    Me faz relembrar uma pessoa que vai perder parte de suas terras porque o progresso viaja na duplicação de uma rodovia e atropelará a dona e seu terreno e suas lembranças.
    Abraços.

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  30. Que bonita a sua escrita. Adorei o texto que nos apresentou. Foi uma leitura gostosa, fluída e muito forte.

    Vou continuar por aqui!
    MariaIvone

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  31. Nas horas tardias que a noite desmaia
    Que rolam na praia mil vagas azuis,
    E a lua cercada de pálida chama
    Nos mares derrama seu pranto de luz

    Fagundes Varela

    BOM FDS.....Beijos no coração!!M@ria

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  32. Não me negue as flores,
    pois, tiro delas a minha essência!
    seu perfume, é minha inspiração...
    seu colorido, é minha alegria...
    sua beleza, é minha vida!

    Jacira Cardoso

    OBS: Leve este mimo que te ofereço com muito carinho.....M@ria

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  33. História com muito salero!
    Bem escrita e com moral ao fundo...

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  34. Olá amigo. Gostei da história apesar de triste porque é constante realidade de muita gente. Mais do que possamos imaginar, embora na minha opinião, quem trabalha deveria conseguir ganhar no minímo o suficiente para uma vida condigna ( não me refiro ao supérfluo, mas ao essencial indispensável). Infelizmnte não é assim, e pelo que vejo cada vez pior.

    Bom fim de semana.
    Beijinhos

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  35. VC escreve muito bem e a leitura é muito agradável. É uma história real, que reflete a vida de tantas outras famílias por esse mundo afora. Quem dera a vida real não fosse tão real assim.
    Beijos, meu queride

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