sexta-feira, 6 de novembro de 2009

As coisas que vimos

Recordo aquele sábado à tardinha. Andávamos todos por aqui à volta de casa e no quintal.
Uns corriam outros sentados liam e estudavam. Era Abril, com uma temperatura muito amena e agradável.
A mãe fazia a vida de casa e o pai andava nas sementeiras.
Entretanto, chegou apressada, a Srª Clemência Caixeira para falar com o pai ou a mãe.
Como o pai estava por perto ela disse-lhe logo ao que vinha:
_ Sr Luís, a sua filha, bateu na minha, e eu só a vinha avisar que não quero que volte a fazer isso. Coitadinha da minha filha chegou a casa com a cara muito vermelha.
A filha = Olívia, era mais nova que a minha irmã e nessa data as professoras pediam aos mais velhos para ajudarem os mais novos a fazer os trabalhos de casa.
Elas estiveram ambas a estudar e não vi nem gritos nem choros naquela tarde. Muitos dias juntavam-se aqui em casa um grupo de meninas que gostavam de estudar e brincar com a mana.
O pai, foi apanhado de surpreza e diante daquela recomendação, nem pensou em mais nada.
Não mediu a totalidade da história nem a sua veracidade.
Chamou a mana Leonilde e só lhe disse:
_ O que fizeste foi mau e não voltas a bater naquela menina!.....Entretanto deu-lhe umas palmadas no rabo.
Parece que ainda os estou a ver, ali na frente do portão grande de madeira. A mana com as palmadas dobrada para trás em desequilíbrio e a saia da mana a levantar-se embrulhada na mão do pai
A Mana aos gritos só dizia:
_ Oh Pai, eu não lhe bati! Estivemos a estudar. Ela quando entendeu foi-se embora.
Entretanto, a Srª Clemência, já satisfeita com a vingança, foi à sua vida de regresso a casa.
A mãe que viu e analisou toda a situação, de dentro de casa, saiu ao encontro do pai e disse-lhe:
_ Nunca mais voltes a fazer o que fizeste hoje.
Ouves os recados dos outros e só tens que lhes dizer que vais falar com os teus filhos e resolver os assuntos. Hoje foi esta, amanhã pode ser outra e tu não falaste primeiro com os teus filhos, nem viste toda a verdade.
Só viste um lado. Castigaste a menina na frente daquelas pessoas e isto nunca se faz!...
Deixavas a senhora ir-se embora e só de pois de falar com a menina é que tomarias uma decisão.
Ainda que a castigasses era aqui dentro de casa sem ser enxovalhada na frente de outras pessoas.
O pai ouviu e só comentava:
_ Já é tarde e nada posso remediar.
As coisas ficaram por aqui e não se voltou a falar no assunto. A mana e a Olívia, encontravam-se na escola, mas nunca mais foram amigas nem a outra voltou para nossa casa estudar.
Passados todos estes anos, recordo aquela cena, os gritos da mana que me doeram na alma e tenho saudade daquela delicadeza e bom coração da mãe.
Quantos erros se evitariam se junto às mãos de um pai estivesse sempre a delicadeza e um coração terno de mãe !
luiscoelho

5 comentários:

  1. Um dia o meu filho João chegou a casa a deitar os bofes pela boca-
    -que se passa, João?
    Perguntei-lhe aflito.
    -É o sandro que me quer bater!
    (O Sandro éra um ciganito-terror da rua- minúsculo mas sempre armado da sua faca de ponta e mola)
    Ainda fui a tempo de o ver da varanda e gritei-lhe:
    -Sandro, não tens vergonha nenhuma!
    -Eu?! Respondeu ele, querendo disfarçar.
    -Sim tu, por que queres bater ao João?
    O Sandro, porém, com a maior das calmas, respondeu-me:
    -Hoje nem lhe toquei. Só se ele anda traumatizado das outras vezes...

    Bom fim de semana e um abraço
    João

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  2. Amigo Luís

    Esta história extraordinariamente bem relatada termina com chave de ouro no seu último parágrafo, o que, nos nossos tempos é uma atitude muito rara naqueles que se intitulam escritores.
    Parabéns, amigo Luís e reitero o meu agradecimento pela forma como tem manifestado solidariedade para com a bloguista ARTISTA MALDITO, o que também põe a nu a sua grande Alma.
    Um grande abraço.
    António

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  3. Luis

    Tal como outrora também hoje continuamos a julgar as pessoas ou os acontecimentos sem ouvir as duas partes e isso acontece não só a nível familiar como num aspecto macro social.
    Um abraço

    Ps: tens de me dizer onde fotografaste aqueles pinheiros retorcidos para eu ir lá fazer o mesmo.

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  4. As mães, sem tirar o mérito dos pais, tem essa compreensão mais ampla, essa terna compreensão para com seus filhos. Os pais são mais preocupados em representar a família, e dar respostas imediatas...mas são coisas de infância mesmo, rsss
    Mas eu batia de verdade, tanto que tanto um dia tive que subir num barranco para poder bater, eu era muito pequena e a outra era muito grande, rsss
    Um abração, lindo final de semana

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  5. Aos poucos tenho procurado lembrar-me de algumas passagens do nosso tempo de meninos.
    Há umas mais tristes e outras mais perigosas.
    Com tempo e logo que tenha o rascunho completo irei publicando.

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